domingo, 21 de outubro de 2012

Viriato

VIRIATO

No princípio era o Verbo e a sua fome,

Depois,
O Verbo olhou-se e reparou nos dois
Que trazia no ventre do seu nome.
Contos largos da vida...
Tudo começa nebuloso e oculto.
Cada forma a nascer, já perseguida
Pela sombra incorpórea do seu vulto.
Pastor de ovelhas, simples criatura
A pintar de infinito a sua tela,
O rebanho que eu tinha era a brancura
Dessa inocência original, singela.
No impreciso azul é que eu morava,
Emigrado feliz da minha ausência.
Longe do berço quente que pisava,
Realizava a humana transcendência.
Mas nisto um lobo astuto e desmedido
Uivou ao meu destino em voz de guerra;
E eu de repente ouvi o teu gemido
Dentro de mim, transfigurado em terra!
O meu nome de ibero é Viriato.
O princípio de ti, ó Mãe, sou eu.
Eu é que fiz o acto
De namorar o chão em vez do céu.

Miguel Torga, Antologia Poética, Círculo de Leitores, 2001



1 comentário:

vazelios disse...

Nada melhor que recomeçar a pensar a história Portuguesa, com o inicio da mesma!

Boa iniciativa meus caros.