quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A deflação (o caso do Japão)


Já havíamos publicado este artigo no Espuma dos Dias (05/07/12) mas aqui está ele de novo agora que este assunto entrou em ordem do dia...

A deflação (o caso do Japão)

Por Leandro Roque - Instituto Mises Brasil

Em julho de 2010, publiquei um artigo sobre o Japão, no qual dizia que, contrariamente ao senso comum, o Banco Central japonês não havia incorrido em nenhuma política de agressiva expansão monetária.  Mostrei gráficos que davam suporte a esta afirmação.  Expliquei que as baixas taxas de juros da economia eram resultado direto dessa baixa expansão monetária, bem como da alta taxa de poupança dos japoneses.

Expliquei também que foi justamente essa contida expansão monetária (desde o início de 2007, o M1 cresceu 0%, e o M2, abaixo de 3%) a responsável pela suave deflação de preços que vinha ocorrendo na economia japonesa. (Veja os gráficos aqui).

Por fim, disse também que todos os problemas da economia japonesa estavam na política fiscal do governo e nos pacotes de socorro concedidos a instituições financeiras falidas, as quais, justamente por serem ineficientes e por terem sido impedidas de quebrar, se transformaram em verdadeiros zumbis, emperrando todo o sistema financeiro. 

A deflação de preços que por sua vez vinha ocorrendo era bastante suave, e de modo algum explicava qualquer pasmaceira da economia japonesa — muito pelo contrário: ela foi a salvação da economia.  O real culpado de tudo eram as políticas de gastos, socorro e endividamento do governo japonês.

Pequeno resumo

Após o estouro da bolha imobiliária japonesa no início da década de 1990, keynesianos disseram ao governo japonês que era preciso tomar uma atitude contra a iminente deflação de preços, típica de um cenário pós-estouro de bolhas.  Em outras palavras, era preciso estimular a economia para evitar qualquer "risco" de queda de preços.

Como o Banco Central japonês havia mudado seu estatuto em 1991 — justamente por causa da bolha que criou —, ele tornou-se "excessivamente independente", na linguagem dos críticos.  Ele passou, inclusive, a ser criticado por "insensibilidade" aos pedidos do governo para estimular a economia.  Logo, como o BC japonês havia deixado claro desde o início da recessão que não mais iria estimular a economia com impressões de dinheiro, restou ao Tesouro japonês a tarefa de inventar estímulos fiscais.

Ato contínuo, o governo embarcou em um mastodôntico programa de gastos em infraestrutura, construindo pontes que saíam do nada e levavam a lugar nenhum, estradas, aeroportos e qualquer outra coisa que envolvesse cimento.  Como o próprio Paul Krugman admitiu,
Ao longo da última década [1990], o Japão lançou mão de gigantescas obras públicas como um meio de criar empregos e injetar dinheiro na economia.  As estatísticas são impressionantes.  Em 1996, os gastos do Japão com obras públicas, em porcentagem do PIB, foram mais de quatro vezes maior que os dos EUA.  O Japão despejou o mesmo volume de concreto que nós, embora tenha menos da metade da nossa população e apenas 4% da nossa área terrestre.  Um em cada dez trabalhadores japonês estava empregado na construção civil, muito mais que em qualquer outro país avançado.
O problema principal é que o governo japonês utilizava não apenas suas receitas tributárias para criar programas de estímulo fiscal; ele passou também a se endividar enormemente para gastar ainda mais com obras de infraestrutura.  Ou seja, o governo tomava o dinheiro dos japoneses duas vezes: via impostos e via poupança (quando o governo vende títulos para arrecadar dinheiro, ele está retirando dinheiro que os bancos poderiam emprestar para investimentos privados).

Outro agravante foram os pacotes de socorro ao sistema financeiro: ao invés de deixar bancos falidos quebrarem, o governo japonês salvou-os utilizando dinheiro dos pagadores de impostos.  O resultado foi uma série de bancos zumbis, sem eficiência e sem capital, mas que ainda funcionam apenas em decorrência do socorro do governo.

Como consequência desses programas, os déficits anuais constantemente ultrapassaram os 6% do PIB.  A dívida do governo, que era de 65% do PIB em 1992, pulou para incríveis 185% do PIB em 2009.  Hoje já está à beira da casa de surreais 200%.  O serviço dessa dívida asfixia completamente o setor privado.  (Veja o último gráfico da página).

Ou seja, foi essa política fiscal keynesiana do governo japonês que emperrou a economia daquele país.  Como também havia apontado naquele meu artigo, utilizando gráficos da contida expansão monetária ocorrida no Japão pós-bolha, o país passou por uma interessante dicotomia: o Banco Central era seguidor de Escola de Chicago e a política fiscal era keynesiana.

Tal postura do Banco Central japonês, de contida expansão monetária, fez com que o crescimento econômico ocorrido, embora bastante tímido, fosse suficiente para fazer os preços declinaram levemente.  E isso havia sido ótimo para a economia japonesa.  Ao contrário do que dizem economistas convencionais, essa deflação de preços foi a única coisa genuinamente boa que ocorreu na economia japonesa. 

Querem ver?

Notícias interessantes
A seguir, transcrevo trechos de uma reportagem da Bloomberg sobre o atual cenário de deflação de preços no Japão.  A reportagem possui um tom involuntariamente cômico: ao mesmo tempo em que a repórter insiste em assegurar ao leitor que deflação de preços é algo ruim, os próprios fatos citados na reportagem contradizem essa sua insistência.  Peço ao leitor que tenha a bondade de ler tudo, é bastante interessante.
Japão Aprende a Viver com a Deflação
Os salários estão menores, mas o mesmo ocorre com os preços de tudo, desde hambúrgueres até mensalidades em clubes de golfe.  Mesmo as empresas japonesas estão criando maneiras de lucrar com a deflação
Por Aki Ito
[...]
Há algo de curioso em relação ao modo como a síndrome da deflação vem a se desenrolar no Japão.  Os japoneses não se sentem mais tão ameaçados como antes.  "Todos sabiam que a deflação eram ruim para os empregos e ruim para a economia, mas gradualmente as famílias e as empresas foram se acostumando a ela", diz Martin Schulz, economista sênior do Fujitsu Research Institute, em Tókio.
A deflação — a contínua queda nos preços dos bens, serviços e salários — possui vários efeitos perniciosos.  As famílias ficam com dificuldades para pagar suas hipotecas, seus automóveis financiados e outras dívidas, uma vez que seu salário líquido foi reduzido.  Da mesma forma, à medida que os preços dos imóveis caem, os consumidores ficam com menos ativos para as suas reformas.  As empresas, por sua vez, não conseguem elevar os preços, o que pressiona os lucros para baixo.
No entanto, os japoneses também descobriram os benefícios da deflação.  Os salários mensais caíram para uma média de 315.294 ienes (US$ 3.800) em 2009, o nível mais baixo desde que o governo começou a coletar dados salariais em 1990.  "Eu sei que não terei aumentos salariais", diz Momoko Noguchi.  A jovem de 24 anos, residente em Tókio, sobrevive com dois empregos de meio expediente e compra de tudo, desde esmaltes até pratos de jantar, na loja local de 100 ienes (o equivalente japonês das lojas de 1 dólar), e paga 400 ienes ou menos por um almoço.  "Espero que os preços continuem caindo".  Quatro de cada cinco japoneses dizem que preços mais altos seriam "desvantajosos" para a economia, de acordo com uma pesquisa do Banco Central.
Ao lidarem com consumidores como Noguchi, as empresas japonesas acabaram na realidade acelerando a deflação.  Os varejistas "estão se esforçando enormemente para oferecer produtos baratos e ao mesmo tempo valiosos", diz Naozumi Nishimura, um analista da TIW em Tókio.  "Estamos vendo alguns bons efeitos decorrentes disso".
Para ajudar a reverter um declínio de sete anos em suas franquias, a McDonald's Holdings do Japão, uma unidade do McDonald's, introduziu o menu dos 100 ienes em 2005.  O hambúrguer que hoje é vendido por 100 ienes era vendido por 210 ienes em 1990.  "Queremos que nossos clientes saibam que nós mudamos", diz Kazuyuki Hagiwara, gerente sênior de marketing da empresa.  Desde a estréia deste novo e mais barato menu, as vendas passaram a subir ano após ano.  As ações do McDonald's do Japão aumentaram 17% nos últimos três anos. 
A redução de preços feita pelas empresas ajudou os consumidores japoneses a se ajustarem à deflação.  Atualmente, uma família média possui 1,4 carros e 2,4 televisões, valores 25% maiores do que em 1990, no ápice da bolha.  A deflação ajudou os compradores de imóveis também, ao derrubar os preços desde seu ápice em 1990: os preços dos terrenos residenciais no Japão caíram uma média de 2,9% ao ano ao longo das últimas duas décadas.
Jogadores de golfe pagam 26.800 ienes (US$ 324) para jogar no fim de semana no Oak Hills Country Club, a 90 minutos do centro de Tókio, com direito a carregadores de taco e tudo.  Vinte anos atrás, a taxa era de 40.000 ienes, diz Katsutoshi Ohira, gerente em exercício.  Mais ainda: a proporção de pessoas contentes com seu padrão de vida foi de 63,9% ano passado.  Em 1989, essa proporção era de 63,1%, segundo um relatório do governo.
A deflação está tão arraigada no Japão, que as empresas estão começando a exportá-la.  A empresa varejista Fast Retailing planeja abrir 44 de suas subsidiárias Uniqlo em outros países até o final do ano.  A cadeia de supermercados Aeon já destinou aproximadamente US$ 2,5 bilhões para abrir filiais, durante os próximos 3 anos, na China e no Sudeste Asiático.  A Daiso Corporation, que domina o ramo de lojas de 100 ienes, agora possui filiais em mais de 20 países. 
No Japão, onde 23% da população tem mais de 65 anos de idade, um súbito aumento nos preços iria afetar pensionistas e aposentados de modo especialmente penoso.  "É surpreendente o que você pode comprar com 100 ienes atualmente.  Não tínhamos lojas de 100 ienes antes", diz Sachiko Enokida, 80 anos, que vive de uma pensão bimestral dada pelo governo.  "Eu iria odiar se as coisas voltassem a ficar caras novamente".
Portanto, seria a deflação uma benção oculta?  Não para analistas como Richard Jerram, chefe da seção de economia asiática da Macquarie Securities.  Ele diz que, à media que as empresas cortam preços para poder competir, vai se tornando mais difícil para conseguir empréstimos e investir.  "É algo extremamente corrosivo", diz ele.  A deflação, acrescenta Jerram, irá gradualmente solapar o crescimento nominal do Japão e privar o governo de mais receitas.  No final, o governo do Japão poderá não conseguir sequer financiar seus empréstimos.  O país então terá apenas duas opções: dar o calote em uma dívida que é o dobro do tamanho da sua economia, ou desvalorizar sua moeda para reduzir o valor real de seu passivo.  "Esse será o inevitável final", diz Jerram, que analisou a economia japonesa desde 1987.  "Enquanto o problema for postergável, todos podem fingir que não é problema de ninguém".

Conclusão: embora a deflação essencialmente represente uma séria ameaça para o Japão, os consumidores estão a beneficiar-se de preços mais baixos.
É ou não é desesperador?  A repórter junta todos os fatos corretos e, no final, chega à conclusão errada. 

Pior do que a estarrecedora descoberta de que consumidores gostam de ver preços em queda (quem imaginaria isso?!), é o raciocínio torto daquele economista do penúltimo parágrafo que disse que a deflação de preços é "corrosiva" e traria uma hecatombe para a economia japonesa.  Vale a pena nos determos um pouco em suas considerações, pois elas representam a epítome do pensamento keynesiano.

Em primeiro lugar, todos os problemas japoneses não advêm da deflação de preços, mas sim da ignara política fiscal do governo, que em uma néscia e fútil tentativa de combater a deflação de preços, saiu a gastar com inutilidades, destruindo a poupança e a endividar o país até o nível pornográfico de 200% do PIB.

Caso não tivesse feito isso, o cenário de deflação de preços continuaria, só que com uma considerável diferença: a economia estaria assentada sobre uma montanha de capital e não sobre uma montanha de dívidas.

Se o governo reduzisse seus gastos a ponto de zerar seu déficit orçamentário (em termos nominais), ele não mais precisaria pegar dinheiro emprestado para fechar seu orçamento.  Ou seja, ela não mais precisaria recorrer à poupança dos cidadãos.  Isso faria com que houvesse mais fundos disponíveis para serem emprestados ao setor privado, tanto às empresas quanto aos consumidores.  A poupança que o governo teria absorvido a vender títulos agora estaria disponível para ser utilizada de maneira mais proveitosa por empreendedores e consumidores. 
Essa política fiscal foi, sem dúvida, uma das principais causas do baixo crescimento econômico japonês — para um povo que poupa muito, era de se esperar taxas de crescimento anuais mais robustas.  Porém, como o governo consome toda essa poupança para financiar seus déficits, os investimentos ficam comprometidos, pois não há recursos que sobrem para financiá-los.  E isso corta o crescimento.

Outra falha no raciocínio do economista: se os preços estão a cair para todos, então, por uma questão de lógica, eles têm de estar caindo para o governo também.  Logo, não faz sentido a conclusão de que o governo ficará privado de receitas e não conseguirá sequer financiar seus empréstimos.  Basta ele reduzir sua folha de pagamento e cortar gastos. 
Aliás, é aí que está o problema: todo governo, sempre e em qualquer lugar, quer ter cada vez mais receitas para poder incorrer em cada vez mais gastos para poder sustentar sua cada vez mais inchada burocracia.  E burocrata que se preze não admite reduções salariais e perdas de privilégio.  Logo, a deflação é um ótimo remédio contra a expansão da burocracia. 
No entanto, o economista chega à aterradora conclusão de que a dificuldade do governo em arrecadar mais impostos será o verdadeiro empecilho ao crescimento econômico futuro do Japão!

Ao contrário do que pensam economistas keynesianos que confundem queda de preços com recessão econômica, o fato é que não há nada de ruim com uma deflação de preços por si só.  Muito pelo contrário: preços em queda são o resultado natural de uma economia de mercado em crescimento e com uma prudente gestão da moeda.  Se a quantidade de produtos aumenta, mas a oferta monetária permanece relativamente inalterada, então o resultado natural será uma queda nos preços, para benefício de poupadores e consumidores.  Isso aconteceu durante a segunda metade do século XIX nos EUA, ainda sob o padrão-ouro clássico.

Prova de que não há nada de errado com a deflação de preços é que empresas como Honda, Toyota, Subaru, Mitsubishi, Nissan, Mazda, Panasonic, Sony, Nippon etc. estão indo muito bem.

Preços em queda e padrão de vida em ascensão, ambos gerados por uma maior produtividade, são exatamente as duas coisas que toda economia deveria almejar.  O Japão — principalmente pela cultura empreendedora e disciplinada de seu povo — tinha um grande potencial para atingir esse arranjo de modo sustentável.  Mas não conseguirá justamente por causa do seu governo, que, seguindo conselhos de economistas keynesianos, endividou-se profundamente e, com isso, vem sugando grande parte do capital da economia, o que inibe investimentos mais produtivos.

Conclusão
Como a reportagem mostrou de modo bastante inadvertido, famílias e empresas japonesas já se adaptaram ao ambiente de deflação de preços.  Ao contrário da teoria keynesiana, ambos prosperam nesse cenário.

Deflação de preços e maior padrão de vida são fatores completamente interligados, e o primeiro jamais deveria ser condenado por pessoas sensatas.

O problema da economia japonesa não é a deflação.  Ao contrário, a deflação tem sido sua salvação.  Não há nada de "corrosivo" na deflação, como disse o economista.  Mas há tudo de corrosivo em um governo que gasta, se endivida e deixa a economia de um país com uma dívida cujo tamanho é simplesmente o dobro do tamanho do seu PIB.

Se o governo japonês cortasse gastos e equilibrasse seu orçamento, parando de incorrer em déficits, a poupança dos japoneses deixaria de ser utilizada para financiar o governo, passando a ser liberada para investimentos realmente produtivos, o que daria um grande impulso à economia.  Isso, em conjunto com a baixa expansão monetária praticada pelo Banco Central, elevaria enormemente o padrão de vida dos japoneses.

Por fim, uma observação técnica interessante: como o Banco Central japonês não está a expandir a oferta monetária, ficou extremamente difícil para o governo japonês financiar-se por meio da inflação monetária.  Lá o governo não tem, por exemplo, a moleza que o governo brasileiro tem, de obter aumentos na arrecadação em decorrência do simples aumento na quantidade de dinheiro na economia. 

Sendo assim, o governo japonês só pode financiar-se via impostos e via empréstimos.  Como o primeiro é impopular, resta-lhe apenas o segundo (daí a grande explosão da dívida do governo).  Cito esse detalhe apenas para chamar a atenção para o fato de que é assim que um governo seria obrigado a operar, por exemplo, sob um padrão-ouro, em que a oferta monetária é rígida e fora do controle do governo.  Caso o governo não se adequasse ao seu orçamento, ele rapidamente se tornaria insolvente, pois não poderia ficar pegando ouro emprestado ad eternum da população.  O governo japonês, que está tecnicamente insolvente (uma dívida de 200% do PIB é impagável), só não entrou em falência porque sua dívida foi construída com dinheiro de papel que pode ser criado do nada — ou seja, tecnicamente, ela pode ser paga pela simples impressão de dinheiro.  Isso só não é feito pelo óbvio motivo da inflação de preços que geraria.

É por isso também que todos os governos tremem só de ouvir falar em padrão-ouro. Trata-se de um arranjo monetário que retira completamente toda a sua capacidade de expansão.




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