domingo, 15 de setembro de 2013

Um caso de miséria

ALBERTO GONÇALVES
DIAS CONTADOS

por ALBERTO GONÇALVES







António José Seguro foi ao Alentejo raiano explicar que: 1) os portugueses, "de Norte a Sul, do litoral ao interior, vivem grandes dificuldades"; 2) "só emigra quem não tem possibilidades de sustentar aqui a sua família, de ter um emprego"; 3) o País é geograficamente "desequilibrado". Um deste dias, o dr. Seguro informará as massas de que os cegos vêem mal ao longe, o tabaco prejudica a saúde e a abelha dá-nos o mel. Por enquanto, é só.

Só? Não, senhor. No Alandroal, o dr. Seguro aproveitou para avisar que Portugal "começa a regressar" à "miséria" vivida durante o Estado Novo. Numa arrebatadora evocação da própria infância, o dr. Seguro lembrou que tinha 12 anos aquando do 25 de Abril e foram os pais a esclarecê-lo sobre o que se passava no regime anterior, mais ou menos como ele faz connosco sobre o regime actual. Por azar, ou os pais não o esclareceram devidamente ou o dr. Seguro, que aos 12 anos não parecia muito precoce, confundiu o Estado Novo com a Primeira República.

Nos finais do salazarismo, período em que dr. Seguro nasceu e cresceu, havia crescimento económico, um PIB sofrível se julgado pelos padrões europeus de então, contas públicas em ordem e uma taxa de desemprego baixíssima. Claro que havia miséria, e uma miséria com que hoje a vasta maioria dos cidadãos nem sonha, embora à época fosse "tolerável" face a um mundo onde as expectativas se mediam comparativamente por baixo. Em 40 anos, o mundo, o ocidental e não apenas o ocidental, mudou. E Portugal também.

Principalmente deixou de ser uma ditadura e tornou-se, a partir do tal 25 de Abril (ou do 25 de Novembro do ano seguinte, se os progenitores do dr. Seguro observassem o rigor histórico), uma democracia. E uma democracia na qual os cidadãos têm podido escolher entre o crédito ou a produtividade, os "fundos" ou o trabalho, um Estado omnipresente ou um Estado frugal, a recessão ou a contenção, a redistribuição ou a liberdade, a dependência ou a autonomia, o emprego ou a demagogia sindical. A curto ou médio prazo, terão de escolher entre a realidade e o dr. Seguro, e as opções anteriores não auguram nada de bom. A miséria de há meio século ainda está ao nosso alcance e, se o jacobinismo visionário insistir, não será impossível recuar um século inteiro. Para trás é que é o caminho.



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