sábado, 19 de abril de 2014

Três enterros, o mesmo funeral

(via corta-fitas)
O Crepúsculo do Socialismo

por José Mendonça da Cruz, em 19.04.14

A Tradição, Vasco Pulido Valente, 24 de janeiro de 2014, Público

O sr. Hollande assinou o último certificado de óbito da esquerda, seguindo, como lhe competia, a tradição.
 Com lágrimas, com irritação, com desespero, a esquerda ouviu esta semana François Hollande renunciar ao socialismo. A esquerda tem má memória. Desde o princípio que o socialismo se reduziu a conceder alguns leves benefícios aos trabalhadores, que se foram acumulando, e que se devem em parte considerável à mais pura direita.
(…)
Em 1945, a Europa de Leste ficou sob a tutela da URSS de que só se conseguiu livrar em 1989. No Ocidente passaram pelo governo, se a América aprovava, dezenas de partidos nominalmente “socialistas”, que sobretudo se esforçaram por promover a prosperidade do capitalismo, compensando aqui e ali os trabalhadores com o famoso Estado social, a que se reduziu em última análise a utopia do século e que hoje parece perigosamente perto da dissolução. O sr. Hollande não fez mais do que os seus predecessores. O “socialismo”, nas suas muitas variantes, nunca existiu e nunca chegou verdadeiramente a ser a ideologia dominante de nenhum Estado constituído. A retórica de intelectuais sem emprego não substitui a acção, como milhares de vezes se provou. O sr. Hollande assinou o último certificado de óbito da esquerda, seguindo, como lhe competia, a tradição.

Morte e Transfiguração, Maria de Fátima Bonifácio, 18 Abril de 2014, Público

A esquerda portuguesa – sim, não estou a falar de Manuel Valls ou de Matteo Renzi – continua pateticamente mergulhada num estado de denegação, recusando ver e reconhecer que o mundo em que nasceu, medrou e prosperou simplesmente morreu (ou está em vias de morrer), tal como acabou também sem apelo nem agravo o mundo pré-industrial dos luditas, que destruíam as máquinas que tornavam dispensável o seu trabalho. Não é preciso ter uma visão teleológica da História – que não tenho – para perceber que a globalização, enquanto estádio supremo do capitalismo (…), erigiu o mercado num critério civilizacional.
(…)
A esquerda tradicional, que é a que desgraçadamente temos em Portugal, desconhece (ou finge desconhecer) o seu público, ou, para ser mais exacta, o seu mercado. Farejou, é claro, o apetite dos que sonham consumir, uma aspiração que eu não tenho a mais remota autoridade ou desejo para criticar; por isso lhes acena com mais direitos, isto é, com mais dinheiro. Infelizmente, a classe média-média já paga 70% de impostos, e se quiserem acabar com os verdadeiramente ricos ficarão só com pobres.

Esta esquerda, que promete abundância, está condenada na exacta medida em que o velho Ocidente, prisioneiro dos seus mitos igualitários, mas economicamente decadente, se revela absolutamente incapaz de satisfazer as aspirações apregoadas na bandeira socialista.
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E se a esquerda amarrar o seu destino ao destino do Estado social tal como o conhecemos actualmente pode começar a encomendar o seu próprio funeral, pelo simples motivo de que a única maneira de conservar o Estado-providência consiste, a prazo, em privatizá-lo, salvo, desejavelmente, um núcleo duro da Saúde que alguém tenha coragem de definir. O futuro do Estado social reside na sua “morte e transfiguração”.
(…)
A esquerda que nos apregoa que todas estas iniquidades seriam evitáveis graças a um almejado crescimento económico que a direita, por absurda perversão e instinto suicida, impede que aconteça não passa de um bando de vendedores de sonhos (que nem convence assim tantos incautos, a avaliar pelos resultados eleitorais).

A Natureza da Esquerda, Clara Ferreira Alves, 18 de Abril de 2014, Expresso-Revista

(...) Esse é o gande falhanço da esquerda, a sua incapacidade de aceitar que a natureza humana tem horror ao colectivo como ao vácuo. O colectivo nunca gerou solidariedade nem aboliu o egoísmo. E descambou nos sistemas colectivistas, et pour cause, no capitalismo mais selvagem e materialista.
(...) Os socialismos que resistem são, hoje, caricaturas da liberdade ou comunismos de economia de mercado.
(...) Nos militantes de esquerda ficou, além da incapacidade para pensar o mundo em que vivemos, o resíduo da supremacia moral, insuportável, e a mania acusatória do desvio.

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