quarta-feira, 15 de julho de 2015

«Exaltação da Filosofia Derrotada»



«Com o abandono do padrão-ouro perdeu-se aquela simplicidade que fazia do dinheiro um instrumento da justiça; com o abandono da correspondência entre a quantidade da moeda e a quantidade das mercadorias, perdeu-se o que fazia do dinheiro um instrumento da liberdade; com a paridade flexível, perde-se agora a projecção na economia da existência das pátrias.

Perde-se a projecção na economia da existência das pátrias, dizemos, e perde-se a imediata evidência que a economia dá a cada um da necessidade dessa existência. Trata-se de uma realidade essencial mas a que os teorizadores da ciência económica, estranhamente, nunca atenderam, antes vendo na existência de diferentes repúblicas um obstáculo ao perfeito funcionamento do sistema da economia. O próprio von Mises é um exemplo desta estranha atitude. Muitas vezes utiliza ele, para fazer valer os seus argumentos ou apenas os explicitar, a hipótese de uma república mundial que acompanha de declarações atribuindo à existência das nações, à divisão do mundo em diferentes entidades nacionais e ao nacionalismo, a causa dos clamorosos erros que denuncia na economia contemporânea, como seja o ódio - a expressão é dele - ao padrão-ouro. É possível explicar esta atitude do grande teorizador pelas perturbações da época em que viveu e o sujeitaram a muitas espécies de atribulações e sofrimentos não apenas vividos - o exílio e a pobreza, por exemplo - mas também intelectuais. Era em nome do nacionalismo alemão ou aurindo suas forças no nacionalismo russo, que via instaurar-se o intervencionismo socialista.

De certo modo, esta posição de von Mises corresponde à imagem também mundialista que Adam Smith formava do dinheiro e do comércio, ele que via a economia como um sistema que sucedera ao da agricultura. Diz, por exemplo, que o "ouro circula entre os países comerciantes como a moeda circula dentro de cada país: pode considerar-se a moeda da grande república mundial do comércio".

Tais posições têm, por sua vez, equivalência na banalizada convicção popular de que "o dinheiro não tem pátria".

Ora a verdade é que de nada, como do dinheiro, se pode com mais razões afirmar que tem pátria. Sem a variedade das moedas nacionais, não haveria troca e mercado do dinheiro, e desapareceria o último e mais resistente instrumento, que é o câmbio, para, abandonados os outros padrões, conhecer ou apreciar o poder aquisitivo da moeda e defender as populações das arbitrariedades, então definitivamente instaladas no intervencionismo, dos sucessivos e sempre ocasionais governantes» 

(Orlando Vitorino, «Exaltação da Filosofia Derrotada»).

Partilhado por Miguel Bruno Duarte

1 comentário:

Euro2cent disse...

> simplicidade que fazia do dinheiro um instrumento da justiça

"O primeiro ano é para os meus amigos, o segundo é para mim, e o terceiro é para o meu juri."

Como disse um senador romano que foi governar a provincia da Sicilia por três anos, referindo-se ao expectavel julgamento do seus pares por indevido peculato.

Sic semper senatores.

(Todos em coro: Liberdade, liberdade liberdade, liberdade ...)