quarta-feira, 15 de março de 2017

O mito do atraso dos países de cultura católica ou a mentira de Weber


A propósito da velha história do atraso dos países de cultura católica demonstra como a tese de Weber tem grandes adeptos, ainda que não totalmente original, já tinha sido antecedida cerca de trinta anos pela tese de Antero de Quental com o sugestivo título de "Causas da decadência dos povos peninsulares" (mas claro, como é português a relevância é menor). Ambas as teses estão viciadas, mas não cabe aqui discutir isso(1).

É interessante como mesmo catedráticos e estudantes quase divinizam uma teoria que várias vezes foi refutada pela historiografia. Talvez porque a tese de Weber pareça elegante a olhos deslumbrados, principalmente a povos como os de cultura católica que sempre desprezaram a sua identidade para preferir imitar o estrangeiro (i,e., os povos protestantes).
O trauma em questão vem a propósito do suposto atraso das nações católicas em relação ás nações protestantes, um velho estribilho oitocentista que ganhou raízes profundas nas nossas academias. O argumento é falso e já o demonstrarei. Ofereço a proposta de Hayek que no discurso perante a Academia Sueca citou dois escolásticos ibéricos: Luís de Molina e Juan de Lugo, afirmando que a análise económica austríaca não era uma novidade, já tinha sido formulada nos século XVI e XVII e tinham origem católica e espanhola.
Exactamente, as ideias do capitalismo emergiram da Europa mediterrânica, herdeira da tradição grega, romana e tomista (3), influência muito mais decisiva do que na tradição dos filósofos escoceses do século XVIII (Adam Smith e David Hume). Um mesmo Hayek cita diversas vezes Molina, sim, Luís de Molina um padre jesuíta espanhol, a propósito da ideia do equilíbrio natural do mercado na formação do «preço natural» ou do «preço justo».
Aliás, foram dominicanos e jesuítas, professores de moral e teologia em universidades, como Salamanca e Coimbra, quem constituíram os focos mais importantes do pensamento durante o Século de Ouro espanhol, antecedendo Smith e antecipando em séculos a escola Austríaca. E, mesmo a teoria do protestante John Locke, sobre o consentimento popular, já tinha encontrado fundamento (católico) num escolástico de Salamanca chamado Juan de Mariana, embora também descritas por Suarez, outro grande teólogo (e o fundador do direito internacional moderno). Mas temos de acrescer que, tal concepção, nada tem a ver com o sofisma democrático do nosso tempo, e constitui uma rejeição da teoria do Contrato Social. Para Suárez o poder político é qualificado como "um consentimento da comunidade" entendido como um produto da natureza racional do homem. Aquilo que para Vitória é uma outorga de Deus, tanto ao governo, como à comunidade. Não existe oposição entre governantes e governados (como nas teorias demo-liberais) porque toda a comunidade é um corpo com funções concretas a desempenhar, e, o governo, em particular, deve atender ao bem comum.
Quanto ao capitalismo das nações protestantes, tanto Hugh Trevor Ropper, como Michael Novak (4), tinham já explicado que «a ideia de que o capitalismo industrial de larga escala era ideologicamente impossível antes da Reforma é negada pelo simples facto de que ele já existia.» (ROPPER) Aliás Michael Novak descobre o desenvolvimento do capitalismo em cidades como Antuérpia, Lisboa, Milão, Lucena, refutando assim a tese de Weber da "ética protestante".
E vem acrescentar ainda Henri Pirenne, uma década depois da publicação do livro de Weber ("A Ética protestante e o espírito do capitalismo"), baseando-se em documentação anterior à Reforma, de que "os aspectos essenciais do capitalismo - iniciativa individual, avanços no crédito, lucros comerciais, especulação, etc. - se podem encontrar a partir do século XII nas cidades-república da Itália - Veneza, Génova e Florença".
Como explicar então o declínio Peninsular? O que aconteceu deve-se aos ciclos históricos de ascensão e decadência dos povos. Simplesmente, aproveitando as palavras de Rodney Stark, os países protestantes do Norte ocuparam o lugar outrora "ocupado pelos velhos centros capitalistas do Mediterrâneo". Depois os países mediterrânicos, Portugal e Espanha, falharam em deduzir o sistema económico para o qual tanto contribuíram e perderam o passo do tempo. Tragicamente, também povos que passaram os últimos duzentos anos a copiar instituições contrárias à sua cultura, o que resultou em guerras e revoluções constantes ao longo do século XIX até ao século XX.
Mas não perdendo o fio ao pensamento. O ciclo dos pensadores da escolástica da Salamanca teria ainda um novo fôlego com o catalão Jaime Balmes (1810-1848), que além de teólogo foi economista e político católico, foi ele quem elaborou a lei da utilidade marginal vinte e sete anos antes de Carl Menger.
Sim, é verdade que o capitalismo tem origem religiosa, mas não é protestante, mas católica.
(1) uma desmistificação da tese de Weber: "Max Weber: The Lawyer as Social Thinker" Frank Parkin,Stephen P. Turner,Regis A. Factor (pp.162, 164, 165).
(2) "The Victory of Reason - How Christianity Led to Freedom, Capitalism and Western Success", Rodney Stark (pp.11-12)
(3) "As raízes escolásticas da Escola Austríaca e o problema com Adam Smith", Jesús Huerta de Soto
(4) mais uma desmistificação de Weber: "The Spirit of Democratic Capitalism", Michael Novak (pp.276-277)


Causa Tradicionalista

1 comentário:

Anónimo disse...

Há um estudo interessante que retrata o avanço e a concretização do capitalismo em países que adotaram o protestantismo nos séculos XVI a XVIII, por intermédio da ação da maçonaria.
A maçonaria iniciou no chamado mundo moderno os ideais liberais e modernistas para ocupar o lugar da Igreja Católica (sua principal e maior rival), com isso, ela preferiu promover nos países protestante(seus aliados) os avanços do capitalismo e relegar esses mesmos avanços nos países de forte influência e domínio católicos.

Fonte: A Conjuração Anticristã: Henri Delassus