sexta-feira, 23 de junho de 2017

Para lá do óbvio





Quinta rodeada de carvalhos e castanheiros escapou ao fogo.


As chamas que se abateram sobre o centro do país estiveram muito perto da Quinta da Fonte, em Figueiró dos Vinhos. Tudo ardeu à volta, menos as árvores autóctones plantadas há décadas.



Na Natureza, quando se decide ignorar milénios de evolução, destruindo espécies autóctones (i.e. nativas), fortemente adaptadas ao seu meio ambiente, substituindo-as em seguida por espécies alóctones (i.e. oriundas doutros contextos biogeográficos) — inicialmente consideradas "exóticas" e minoritárias, mas rapidamente se tornando "invasoras" e muito rentáveis economicamente — o resultado não pode ser outro que não este: degradação e destruição.
Após o final da última glaciação (aprox. 13.000 anos), o clima português tornou-se genericamente o que é hoje. Segundo as palavras do geógrafo Orlando Ribeiro: "Apesar do incontestável carácter mediterrâneo do clima de Portugal é o oceano [Atlântico] o grande regulador, pelos invernos doces e chuvosos, pelos estios temperados de brisas húmidas, pelas massas de nuvens que os ventos de Oeste impelem contra as montanhas» (cf. "Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico", ed.1945). Surgiu então um nova floresta - a "fagossilva" (maioritariamente composta por árvores da família das "Fagaceae"), onde predominam várias espécies de carvalhos (gén. "Quercus"), castanheiros (gén. "Castanea"), faias (gén. "Fagos"), entre outras. De um Sul mais quente e seco para um Noroeste mais temperado e húmido, ou para um Nordeste mais frio e seco, estas espécies arbóreas adaptaram-se às grandes condicionantes naturais: geologia, solos, relevo, exposição solar, temperatura, humidade, precipitação, geada, etc.
Mas... "Qualquer viajante que conheça bem Portugal sabe que hoje pouco resta destes bosques nativos. A intervenção humana tem sido intensa e substituiu a maioria do coberto vegetal autóctone por imensas plantações de pinheiro-bravo ("Pinus pinaster") e de eucalipto ("Eucalyptus globulus")" (cf. SILVA, Joaquim Sande - Os Carvalhais. 'Um Património a Conservar', 2007).

O eucalipto, originário da Tasmânia, Austrália, entrou em Portugal na década de 1850, inicialmente como planta "exótica" e ornamental. Apesar das suas virtudes como matéria-prima para o fabrico de papel remontarem ao séc. XIX, é só em 1926 que arranca a laboração da primeira fábrica portuguesa e mundial para pasta de papel. O grande salto da espécie dá-se na década de 1950, na sequência do I Plano de Fomento, com a instalação e desenvolvimento da indústria de celulose e papel de Cacia (Aveiro). A partir de então, não mais o ritmo de plantações de monocultura de eucalipto parou de crescer. São inúmeros os efeitos nefastos desta espécie alóctone. 
Elenquemos apenas, de modo sintético, alguns:
- forte diminuição da biodiversidade, tanto na flora, como na fauna, e degradação dos ecossistemas;
- forte alcalinização dos solos (não produzindo matéria orgânica);
- forte aumento da erosão dos solos (sobretudo nas primeiras chuvadas após incêndios) e formação de ravinas;
- flamibilidade e forte susceptibilidade à propagação de incêndios, grande resistência ao fogo e grande capacidade de germinar em áreas recentemente queimadas.
- forte consumo de água, devido ao rápido crescimento;
- grande dificuldade de infiltração de água no solo (devido à capacidade de repelência do eucalipto: hidrofobicidade);
- carácter invasor (comprovado também noutras partes do globo: Califórnia, África do Sul);
- forte degradação estética da paisagem;
- perda do sentido identitário dos territórios;
- forte redução do subcoberto arbustivo e herbáceo;
- forte competição (por água e nutrientes) com outras espécies [citando o ambientalista João Camargo: "
O eucalipto evoluiu para queimar a sua concorrência. É o Rambo das árvores. É uma espécie extremamente resistente e adaptável que prolifera em condições onde outras não proliferam"];

O Bom Europeu

1 comentário:

Afonso de Portugal disse...

Quod erat demonstrandum! :)