quarta-feira, 30 de julho de 2025

Um retrato dos portugueses, da sua alma e raça






 Um retrato dos portugueses, da sua alma e raça, por Francisco da Cunha Leão.

A brandura do temperamento caracteriza os Portugueses, particularmente emotivos, coisa que anda no Brasil, com muito açucar, «cravo e canela» dos trópicos. «Molezas ternas do carácter» segundo Fialho de Almeida, em observação comum às duas bandas do Minho.

Uma das nossas palavras-tipo, das que Unamuno considera definidoras e intraduzíveis, é meiguice.
A afectividade marca-nos, forma o tesouro da nossa psicologia, está na base da compreensão e do querer. A suprema evidência da vida, o que a torna bela e digna de ser vivida, é o amor, que atinge o absolutismo. O português compreende e age por comoção.

O outro grande pólo da evidência situa-se na morte. Amar e morrer são os estados plenos do ser.
Morrer, já nos cancioneiros medievais equivale a desejar muito (v. José Joaquim Nunes «Cantigas de Amigo», vol. III) e está ligado intimamente à elocução amorosa.

Amor e morte são para a mundividência portuguesa as duas únicas alternativas, excluem o termo médio.

Amor idêntico a vida. Fora dele outra dignidade não há que a da morte. E a morte vem a ser o cumprimento da existência que tem no amor e no heroísmo as cordas mais tensas, as máximas provocações.

O amor é uma absorção no Português, facto notado pelos Espanhóis e pelos nossos compatriotas conhecedores de Espanha (por ex. Lope de Vega e D. Francisco Manuel de Melo). Outra constante lhe foi reconhecida por esses e outros em todas as épocas: o valor guerreiro.

Tal supervivência do amor domina a Poesia - «a coisa mais séria que há em Portugal» na opinião de Afonso Lopes Vieira.

Estranho é que o verbo amar e o substantivo amor pululem na palavra escrita, enxameando alguns géneros literários, e sejam evitados, em especial as formas verbais, na linguagem oral, ao contrário do que acontece na conversação francesa. Vê-se que há pudor no uso do verbo amar, substituído quase sempre por gostar, querer e até adorar, (no afectado calão de Lisboa-Cascais).

A nosso ver isso provém da idealidade posta no amor, algo de sagrado que na fala quotidiana exige discrição, defesa da trivialidade. O caso é tanto mais notório quanto o Português não receia as palavras, propende a chamar as coisas muito naturalmente pelos seus nomes, razão porque o seu idioma dificilmente se amolda à tradução de textos amorosos franceses.

Significativo é o emprego frequente dos diminutivos, mormente da terminação inho, denunciadora de extremos de ternura.

Muitos acham ridícula, piegas, essa costumeira luso-galega. Cada povo fala, porém, conforme sente, imprime aos idiomas, que são sedimentares, o jeito da sua alma. Claro que a diminuição poderá obter-se com o qualificativo pequeno, qual o fazem os Franceses com petit. Mas pequeno, petiz significa redução, ao passo que o sufixo inho, as mais das vezes não minimiza, envolve ternura, e nas províncias do Norte, consideração, respeito afectuoso, como por exemplo chamar senhor Antoninho a um proprietário criado e radicado na terra, independentemente da estatura e idade.

O diminutivo nessas condições não é usado em relação a qualquer pessoa, revela certa escolha social, mediante o filtro afectivo de que o íncola se serve.

A moda foi de Norte a Sul, invadiu as terras de Além-Mar, Cabo Verde, o Brasil. No Algarve abundam os apelidos em diminutivo.

A sensibilidade complexa e o espírito irónico levaram a inflexões semânticas subtis. Aumentativos com intenção diminutiva, diminutivos ampliadores.

Tal brandura do temperamento impregnou as instituições, e joga contra os justiceiros quando exageram estribados na fria razão.

Assim a escravatura, entre nós, tornou-se moderada. O próprio Toynbee o reconhece. O quadro patriarcal em que se inseriu nos territórios portugueses e a tendência não segregacionista, quer pela indiscriminação das relações sexuais, quer por motivos de afectividade religiosa e de política unitária, levou à humanização do tratamento dos escravos e à alforria destes.

Se fomos dos primeiros a abolir a escravatura na generalidade, e não para ferir interesses rivais como a Grâ-Bretanha, muito antes disso algumas disposições parciais a haviam abolido (por exemplo: a carta de alforria dada por D. Manuel I aos escravos de S. Tomé e a disposição idêntica para os índios do Brasil no tempo do marquês de Pombal). O padre António Vieira, pensador lusíada por excelência, é decerto o mais estreme procurador do movimento antiescravocrata moderno.
Contamo-nos também na primeira linha dos que baniram a pena de morte - coisa que soberbas nações, tão ciosas de comandos mundiais, ainda não fizeram. Orgulham-se da sua colossal engenharia, do poder económico e militar, da mecanização generalizada, sem que tenham conseguido institucionalizar um princípio básico em civilização que se diga cristã ou pelo menos humana.

O toureio da Lusitânia, conforme se fixou, tanto reflecte a bravura peninsular como um específico sentimentalismo, correndo o forcado com galhardia os riscos da luta contra o animal, opondo-lhe apenas o seu físico, e sem que haja o remate cruento da morte do touro.

A tourada «à portuguesa» é fruto do temperamento nacional. Desse ângulo nos cabe focá-la.
Entre nós jamais poderia ser um caso de vida ou de morte com o touro, como na Espanha, país das oposições frontais e dos extremos dramáticos. A nossa sensibilidade não concede que se derrame sangue por mera distracção.

Temos um jogo, um passatempo, já tradicionalmente evoluído, a que não dispensamos arte, fantasia e lealdade. O duelo do homem com a besta exerce-se, todavia, sujeito a um mínimo de convenção que o despoja dos aspectos mais bárbaros. Serram-se os cornos ao boi, mas dispensa-se a espada morticida; serram-se os cornos ao boi porque o homem também não pretende matá-lo, nem é preciso mortes para que haja lide; serram-se ainda porque os cavalos, os nobres cavalos que custam a amestrar não possuem arma equivalente e dói-nos vê-los esventrados, tripas de fora.
O forcado vai para a cabeça do touro de peito exposto, e desarmado. O cavaleiro floreia, volteia com destreza, movimentos amplos, galantaria.

Será barroco? Seja. Arte marialva, «entronização do amo» (3)? Antes do mais, veja-se a causa psicológica, modeladora do público e do consenso nacional, que assim consagrou, humanizada, a «festa brava» dos portugueses.

Se o temperamento suave, comovível, como factor de plasticidade nos abre à compreensão do alheio e, desta sorte, ao universalismo, à tolerância, ele não deixa de comportar negativo reverso. A tão apreciada «brandura dos nossos costumes», descamba amiúde para amolecimento moral, condescendência em relação aos abusos, à vagabundagem e outras pechas de longa data aninhadas no meio social português. Uma delas está na generalização do empenho, a um tempo credencial e gazua, na «cunha» como verdadeira instituição nacional. Corrente pedir-se tudo, os mais altos cargos, as honrarias, o passar nos exames e a preferência nos concursos, as situações monopólicas, e desde o simples cumprimento do dever à mais grossa ilegalidade. Há mesmo quem considere um acto de cortesia a pessoa «recomendar-se», e desatenção não o fazer. É um dos aspectos que mais impressiona os estrangeiros.

Todavia o costume, por muito que se radique na nossa sensibilidade, alega motivos de justificação, a cada passo fundamentados pela demora e atropelos a que muitos assuntos, até de expediente, estão sujeitos em burocracias chinesas ou ronceiras, muito condicionadas e pouco selectivas, mesmo nas empresas particulares.

Também esta «brandura dos nossos costumes» leva a esquecer depressa, após o transe emocional. A própria justiça no caso de tardia ou muito rigorosa chega a desagradar aos mesmos que a reclamaram. Aceita-se melhor a violência fulminante, a sanha de ofendido ou traído que a impessoal, fria razão judiciária.

Sendo o Português no geral bondoso, sofredor, espanta que se transmude intrepidamente em violento e cruel.

É a «ira do manso», a pior, segundo Unamuno. Outros autores assinalaram esse aspecto revelado em certas páginas breves, mas extremamente brutais da nossa história, em que há lances de cólera cega. Tais episódios parecem desmentir a brandura do carácter e dos costumes, a baixa criminalidade do nosso povo.

A contradição equivale às que se verificam noutro campo, entre a veia lírica e a satírica, entre um idealismo do «amor-adoração» e a obscenidade boçal da chalaça amorosa.

Oliveira Martins chega a falar em força aliada ao terror, demonstração extrema e extremo desconcertante da psicologia portuguesa, que também lhe serve para se não vergar à intimidação terrorista como ainda há poucos anos aconteceu em Angola, cuja população, espontaneamente, e sem aguardar o apoio da Metrópole, afrontou com a maior bravura, a bárbara, selvagem explosão.
A ferocidade é inscrita por Sampaio Bruno como distintiva de Portugal antigo. Di-lo a propósito da Inquisição, apoiado em narrativas de autos-de-fé no seu livro «O Encoberto». Associa o facto a um «religiosismo intransigente». Incide a crítica, efectivamente, sobre uma época de intenso fanatismo, entre acções e reacções reformistas heterodoxas como ortodoxas que geraram uma atmosfera de excessos, até e principalmente, nos países considerados hoje mais livres e tolerantes.

Aliás, haverá história que se meça com a da Inglaterra, em especial nos séculos XVI e XVII, nas múltiplas manifestações endógenas de violência configuradas em perfídias cruas, odiosas, incansáveis perseguições, intolerância, esbulhos, descaroáveis assassínios e matanças?

Ter-se-iam modificado os Portugueses de Oitocentos, após a sangreira fratricida das guerras liberais?

Modificaram-se os Ingleses, Franceses, Italianos?

A dificuldade está em discernir o que é temporal do que é idiossincrático, ou melhor, os processos evolutivos da conjugação desses factores.

A brandura, o carácter amoroso, a generosidade humana dos Portugueses parece-nos uma constante, certificada em todas as épocas, mediante literatura, arte, obras pias e o trato com a restante humanidade. Outra constante, por igual certificada pelos séculos, é a do heroísmo, da bravura no combate.

Já a violência é intermitente, por explosivismo dos recalques de um povo sofredor e resignado, por atiçamento passional sobre as circunstâncias que destemperam a nossa peculiar sensibilidade, quais sejam o cálculo pérfido, a traição, a usura desapiedada. Isso exprime-se em condescendência beneficiária daqueles que, perdendo a razão por decepções sentimentais, acaso foram cruéis; dos violentos cheios de razão; dos que, possuídos por um idealismo apaixonado, esquecendo-se de si próprios, também puderam incorrer nalgumas desatenções ou desvios de sensibilidade.

Dispensamo-nos de apresentar exemplos, visto que são flagrantes; de uma História Pátria que é das menos sangrentas ressaltam com nitidez as violências perdoadas e as não perdoadas. E pelas razões expostas.


(in Ensaio de Psicologia Portuguesa, Guimarães Editores, 1971, pp. 96-104).


domingo, 20 de julho de 2025

Nenhum de nós

"Nenhum de nós afirmaria em Portugal a omnipotência do Estado em face da massa humana, simples matéria-prima das grandes realizações políticas.

Nenhum de nós se lembraria de considerá-lo a fonte da moral e da justiça sem que às suas decisões e normas se sobreponham os ditames de uma justiça superior.

Nenhum de nós ousaria proclamar a força mãe de todos os direitos sem respeito pela consciência individual, pelas legítimas liberdades dos cidadãos, pelos fins que se impõem à pessoa humana.

Nenhum de nós - nacionalista e amante do seu País - faz profissão de nacionalismo agressivo, exclusivo, odioso, antes, se se apega à noção de pátria, é que compreende, por instinto do coração e por imposição da inteligência, que o plano nacional é ainda o melhor para a vida e os interesses da humanidade.

E no entanto, fugindo da divinização do Estado e da sua força, em nome da razão e da história, nós temos de realizar o Estado forte, em nome dos mais sagrados interesses da Nação; temos de fortalecer a autoridade, desprestigiada e diminuída, diante das arremetidas de mal compreendida liberdade; temos de dar à engrenagem do Estado a possibilidade de direcção firme, de deliberação rápida, de execução perfeita."


Discursos de Salazar(13 de Janeiro de 1934)


domingo, 13 de julho de 2025

É o fim de Portugal!

 


O ANÚNCIO DO SOCIALISMO, QUE AFINAL VIRIA A ESTAR INSCRITO NA CONSTITUIÇÃO, E QUE NO FUNDO AINDA É O REGIME EM QUE VIVEMOS, E DESTRUIU PORTUGAL COMO NAÇÃO VIÁVEL. Em todos os aspectos.

«António Champalimaud esteve em Portugal no último fim do ano; e, no momento de partir, no aeroporto, deu uma entrevista a O Globo, de 3 de Janeiro de 1983, de que se transcrevem estes trechos mais significativos:
- "Que pensa da situação política do País?
- Numa entrevista feita minutos antes da partida para o Brasil, pouco mais lhe posso dizer que o que se está a passar e o mais que se irá passar em Portugal, estava previsto desde o célebre 25 de Abril. É a Nação sob a ditadura dos partidos. É o espectáculo degradante da espoliação do País, pelos interesses acobertados pelos partidos. É a estrangeirada - os estrangeiros são outra coisa - a sugar impunemente o pouco que ainda nos resta.
- Insisto: que pensa dos americanos?
- E eu repito o que já muitas vezes disse, que americanos e socialistas europeus são velhos amigos e aliados. Aos americanos interessa uma Europa economicamente débil. Aos socialistas europeus convém a assistência de uma América capitalista, próspera, e forte, que lhes permita o financiamento das promessas demagógicas da redução sucessiva das horas de trabalho semanal a par de maiores salários, de menor produção e de produtividade decrescente.
- Mas não acha justo menos horas de trabalho e melhores salários?
- Eu acho óptimo. Mas não acredito dentro de uma óptica socialista. É sistema que tem sempre o seu fim, que é o do empobrecimento geral. Isto além de conduzir, entretanto, a situações degradantes para o brio nacional. Hoje, por exemplo, Portugal nem sequer possui capacidade para produzir os alimentos de que o Povo carece. A economia como sistema organizado deixou de existir. É o resultado do socialismo em que Portugal tem vivido desde 1974. Tome boa nota que maiores salários e menos horas de trabalho é igual a progresso. Mas isso exige investimento, produtividade e brio profissional, que são atributos do capitalismo e não do socialismo, do ateísmo, da ideologia e da libertinagem que pervertem a ossatura moral de uma pátria.
- Uma última pergunta: Quando regressa?
- Um grande empreendedor português não pode conter-se dentro dos horizontes geográficos actuais do País. O meu lugar é no Mundo com primazia para o de expressão, tradição e cultura lusíadas. Por conseguinte a pergunta deveria ser formulada mais apropriadamente se indagasse quando eu voltaria a trabalhar aqui em vez de interrogar quando eu regresso. Assim eu responderia que no dia em que terminar a bagunça desavergonhada que por aí vai, a sugar impunemente o que resta aos portugueses. Então poderei ser um elemento útil a trabalhar no meu País. Até lá, sou muito mais proveitoso ao futuro de Portugal, trabalhando exclusivamente no outro lado do Atlântico.
- Seria capaz de apresentar ao País um plano para a sua recuperação económica e saneamento financeiro?
- Não faltam planos dessa natureza. Cada partido tem o seu. Com cada primeiro-ministro sucede a mesma coisa. O Presidente da República dispõe de um gabinete que, segundo parece, não faz outra coisa. Portanto, o problema não é da falta de planos, aliás o plano é o pão de cada dia do socialismo. O que importa fundamentalmente é que se acabe com os planos que os socialistas-comunistas usam para deslumbrar aqueles que de boa-fé os seguem.
O meu único plano seria o de libertar Portugal do socialismo, dando liberdade a cada um para que em casa, na oficina, na fábrica, no campo e na empresa, estabelecesse e executasse o seu próprio programa à sombra de um regime político de lei e de ordem. E esse regime de lei e de ordem significa autoridade e não ditadura. Porque a esta é essencial o recurso à arbitrariedade que não se compraz com o império da lei que importa sempre respeitar. Mas estavam os portugueses dispostos a trabalhar tanto quanto seria necessário? A trabalharem tanto como eu? A pensarem menos em si e mais no País, sabendo-se que da sua prosperidade depende a prosperidade de todos, e que da ruína nacional resultará a ruína de cada um? E muito pior do que isso porque o que nos espera, a continuar por este caminho, é a perda da identidade nacional. É o fim de Portugal!


quarta-feira, 4 de junho de 2025

sexta-feira, 16 de maio de 2025

sábado, 10 de maio de 2025

sexta-feira, 25 de abril de 2025

Conquistas de Abril II

 



Conquistas de Abril

 




Onde estavas no 25 de Abril?

A lavagem cerebral foi tão grande que já nem os idosos escapam.

Esta jovem da terceira idade quando lhe perguntavam onde estava no 25 de Abril de 1974, responde que estava agarrada ao telemóvel…. Ora vejam! 👇




"Let`s look at the trailer"


sexta-feira, 18 de abril de 2025

domingo, 23 de fevereiro de 2025

A origem dos problemas

 "De resto, de nada adianta ficar nas consequências e esquecer a origem dos problemas.

Sem moeda própria e soberania, não há nada a fazer a não ser enxugar gelo."

CV





domingo, 26 de janeiro de 2025

Teríamos feito coisas extraordinárias

 


Teríamos feito coisas extraordinárias se tivéssemos outro povo, mas com os portugueses a gente puxa, puxa, mas não dá.

"António de Oliveira Salazar"



quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Pobre Povo


 Pobre Povo que em novo

Sofreste a revolução dos cravos

Sem saber que seria a dos escravos


Pobre povo

Que em Abril

Caíste no ardil


Pobre povo

Que em inocência
Ficaste na indigência

Pobre povo

Que apesar de velho

Não te vês ao espelho


JPS



sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A ECONOMIA É UMA CIÊNCIA EXACTA?


Há uma mania persistente, quase obstinada, que recusa morrer mesmo diante da lógica mais evidente:




Tratar o valor económico como uma entidade objectiva, rigorosa, como se fosse uma equação da física newtoniana. Uma ideia quase patológica, que permite ao planeador central brincar com a economia como se fosse uma roldana presa às regras da física quântica.

O mais curioso, contudo, é como esta tentativa delirante de matematizar a acção humana encontra raízes profundas numa mentalidade religiosa muito específica. Sim, o protestantismo, especialmente na sua variante calvinista.

Acreditam que o homem nunca poderá livrar-se do pecado original. O destino da sua alma está determinado por Deus antes mesmo de nascer. De nada valem as boas obras, as confissões ou as tentativas de redenção. Essa visão trouxe consigo duas consequências profundamente nefastas para a economia e para a sociedade.

Primeiro, a crença de que o homem é mau por natureza e, por isso, precisa de ser regulado até ao último suspiro; segundo, uma obsessão patológica com sinais exteriores de riqueza, pois, na lógica calvinista, a prosperidade material é um sinal de que a pessoa foi eleita por Deus para a salvação. O trabalho, portanto, tornou-se o altar desse culto terreno, e a riqueza, o ícone sagrado.

Ao considerar o trabalho como a medida de todas as coisas, Adam Smith, esse suposto "pai da economia", perpetuou um erro monumental. A sua teoria do valor-trabalho, fruto do seu pensamento calvinista, refinada depois por David Ricardo, afirmava que o valor de um bem dependia das horas despendidas na sua produção.

Karl Marx levou esta ideia ao extremo ridículo, sugerindo que o capitalista roubava o valor produzido exclusivamente pelos trabalhadores. Ora, para refutar esta tolice, basta imaginar duas senhoras: uma, passa cinco horas a fazer pastéis de nata; a outra, durante o mesmo tempo, faz bolinhos de areia. Quem irá vender o seu produto? A resposta não exige grande esforço intelectual, mas parece ter escapado a Marx.

A utilidade de um bem reside na sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana, sendo, portanto, uma característica que não é intrínseca ao bem em si, mas antes definida pela relação entre o bem e as necessidades específicas do indivíduo. Uma cadeira, por exemplo, pode ter uma essência material – é feita de madeira, com uma estrutura fixa –, mas a sua utilidade prática depende da função que desempenha, como proporcionar descanso ou permitir uma postura confortável. Esta relação dinâmica entre o bem e o utilizador reflecte a natureza subjectiva da utilidade, algo que não pode ser reduzido a métricas absolutas ou universais.

Além disso, a utilidade de um bem é influenciada pela sua escassez e que determina o seu valor. Se uma pessoa possui três cavalos de características idênticas, a distribuição do uso será hierárquica: o primeiro cavalo será destinado à tarefa mais urgente, como lavrar a terra; o segundo, para puxar uma charrua de carga; o terceiro, a uma necessidade menos premente, como passear. À medida que se aumenta a quantidade de um bem disponível, o valor marginal – ou seja, a utilidade da última unidade – tende a diminuir, pois as necessidades mais urgentes já foram satisfeitas. Este princípio, conhecido como utilidade marginal decrescente, demonstra que a abundância reduz o valor subjectivo de cada unidade adicional.

O valor, portanto, é inerentemente subjectivo e condicionado pela escassez. Bens como o ar, por exemplo, são de extrema utilidade – afinal, respiramos a cada segundo –, mas não possuem valor económico porque a sua oferta excede infinitamente a procura, sendo virtualmente ilimitados em circunstâncias normais.

Por outro lado, bens cuja procura supera consistentemente a oferta, como uma casa, possuem um valor económico significativo, pois satisfazem necessidades para as quais os recursos disponíveis são insuficientes. Esta relação entre procura e escassez é o que define a maior parte dos preços no mercado, que são relações de troca entre duas partes com diferentes perspectivas de valor.

As circunstâncias específicas em que os bens são avaliados também afectam as decisões humanas. Imaginemos um naufrágio em alto-mar, onde quatro tripulantes têm apenas uma quantidade limitada de bolachas para sobreviver 15 dias, o tempo necessário para chegar a terra firme. Mesmo que um deles possua um quilo de ouro, este metal precioso não terá qualquer valor para os restantes tripulantes, pois não satisfaz as necessidades urgentes de sobrevivência em tal contexto. Assim, as bolachas, que em terra poderiam ter um valor marginal reduzido, tornam-se indispensáveis, enquanto o ouro, que simboliza a riqueza noutras condições, perde completamente o seu valor. Tal exemplo evidencia a flexibilidade do valor subjectivo, sempre dependente do contexto e das necessidades concretas de cada indivíduo.

Muito antes de Adam Smith e Marx, os escolásticos ibéricos do Renascimento lançaram as suas fundações intelectuais, recusando reduzir a acção humana a meros números. O português Pedro da Fonseca, o “Aristóteles português”, afirmou que “a essência é aquilo que a coisa é; a existência, por sua vez, é o ser actual da coisa” (InstitutionumDialecticarum, 1564). Um bem tem uma essência, mas o seu valor reside na existência prática e nas necessidades humanas que pode satisfazer. Este pensamento abriu caminho para uma análise económica que reconhecia o papel central do indivíduo e das suas escolhas.

Luis de Molina, por exemplo, captou a essência dessa abordagem ao afirmar que "o valor de uma coisa depende da estimação que dela fazem os homens, mesmo que essa coisa não tenha utilidade em si mesma, pois é suficiente que seja útil para alguém ou que seja tida como tal" (De Justitiaet Jure, 1593). Molina refutava a ideia de que o valor era intrínseco aos bens ou determinado pelos custos de produção, apontando directamente para a subjectividade que molda o mercado.

Francisco Suárez complementou essa visão ao afirmar que "o preço de mercado de uma mercadoria não depende apenas da sua utilidade ou dos custos de produção, mas também da estimação comum e da abundância ou escassez da mesma em relação à procura" (De LegibusacDeoLegislatore, 1612). Estes escolásticos já anteviam os princípios de equilíbrio de mercado e utilidade marginal que, mais tarde, seriam formalizados.

Os escolásticos também compreenderam o papel determinante da escassez. Martín de Azpilcueta, no seu tratado ComentarioResolutorio de Cambios (1556), afirmou: "O dinheiro vale mais onde é mais escasso do que onde é mais abundante, mesmo que o material seja o mesmo." Este raciocínio antecipou os fundamentos da teoria monetária moderna, demonstrando como a oferta influencia o poder de compra.

Domingo de Soto, por sua vez, afirmou que "os preços justos de uma mercadoria não são fixos e objectivos, mas dependem das circunstâncias do mercado e da necessidade dos indivíduos em determinado momento" (De Justitiaet Jure, 1553). Soto reconhecia que o valor é dinâmico, moldado pelas condições de mercado e pelas percepções individuais, rejeitando qualquer tentativa de fixar uma métrica universal.

Ainda mais eloquente foi Juan de Mariana, que em De MonetaeMutatione (1609) afirmou: "O valor das coisas não é determinado pela natureza delas, mas pela estimativa humana e pela utilidade que delas se pode extrair." A clareza com que Mariana aborda a subjectividade do valor é notável.

Mas a teoria do valor subjectivo foi verdadeiramente formulada por Carl Mengerno século XIX– um católico que nasceu no Império Austro-Húngaro. O valor não é algo objectivo, medido em “utils”, como sugeriu Jevons. É subjectivo, ordinal e não cardinal, nem tão pouco pode ser comparado entre indivíduos.

Assim, por que razão a economia, dominada por ideias protestantes, insiste em reduzir tudo a números, fórmulas e supostas verdades universais? A ciência económica moderna adoptou o método das ciências exactas, em que hipóteses são testadas e, a partir daí, verdades universais são estabelecidas. No entanto, quando se trata da acção humana, esse método falha rotundamente. A praxeologia de Ludwig von Mises, por outro lado, segue o método escolástico: parte-se de axiomas evidentes e deduzem-se verdades universais sobre a acção humana.

O protestantismo, infelizmente, derivou para o utilitarismo, uma filosofia que maximiza o bem comum em detrimento dos direitos individuais, dominando desde o século XIX por completo a economia. Veja-se o exemplo das políticas de confinamento, justificadas pela suposta maximização da segurança colectiva, ignorando por completo os direitos naturais dos indivíduos. Milton Friedman, no seu livro "A Monetary History of the United States, 1867-1960", chega a justificar a impressão de dinheiro como meio de evitar uma recessão. Ora, diluir o valor da moeda para "estimular" a economia não é mais do que uma forma sofisticada de confiscar a propriedade privada.

Hoje, a falácia do bem comum tudo justifica: impostos extorsivos e regulações asfixiantes para regular o mercado; ou licenças para impedir a entrada de concorrentes em nome da protecção do consumidor, é a prova de que vivemos sob o jugo de burocratas e parasitas que dizem agir pelo bem comum, mas que, na verdade, não têm qualquer capacidade de medir a acção humana. São os herdeiros de uma tradição protestante que se perdeu na loucura de tentar quantificar o incalculável.

As instituições protestantes, alimentadas pela pseudociência económica que produzem, são, de facto, a nossa maior desgraça. Enquanto continuarmos a acreditar que o valor é uma entidade objectiva, e que o planeador central consegue manipular as nossas vidas com a precisão de um físico, estaremos condenados a este ciclo de loucura. A solução, talvez, seja redescobrir o valor da liberdade e da subjectividade, algo que os escolásticos católicos sabiam muito bem.

Luís Gomes