segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O nacionalismo e as guerras...

      
Sobre a recente opinião de Macron e Merkel de que a "primeira guerra mundial foi fruto do nacionalismo e que ele deve ser evitado ao máximo":
1- Praticamente todas as guerras da história foram entre nações: as guerras púnicas o foram ( Roma x Cartago ), as guerras médicas idem ( nação grega x império persa ), a guerra da Gália também ( romanos x gauleses ), como a dos cem anos ( França x Inglaterra ), a dos trinta anos ( França, Suécia e reinos do norte da Alemanha x Espanha, reinos do sul da Alemanha ), etc. A luta entre nações é a ordem natural da história.
2- O nacionalismo do século 19 causou a primeira guerra mas não sozinho e nem simplesmente. Para explicá-la podemos remontar à política de equilíbrio europeu do congresso de Viena (1815) que impunha limites a criação de novos estados nacionais, mantendo o status quo do pós guerra napoleónica, que era de divisão do poder mundial entre 4 potências: Áustria, Rússia, Inglaterra e Prússia.
3-Durante a invasão napoleónica vários povos, inspirados nos ideais de liberdade da revolução francesa, passaram a anelar por liberdade para si ante o invasor francês. Mas não uma liberdade abstracta como pensavam os revolucionários franceses e sim uma liberdade concreta; tais povos passaram a se inspirar no romantismo político e no culto a tradição pátria para criar uma via de liberdade, porém desatrelada do ideal de uma república universal. Os nacionalismos do dezanove se pautavam num historicismo romântico e passadista; cada nação tem de se auto-determinar de um modo específico, buscando um espaço de poder próprio; desta forma cada nação deve criar um modelo político pautado em suas tradições nada de solidariedade a ideias abstractos e comuns. Os nacionalismos do dezanove - notadamente da Alemanha unificada e dos povos eslavos do Leste - eram anti 1789, contrários a um ideal universalista.
4- Os impérios e imperialismos que se formaram nesta época são, também, outra causa da guerra: havia basicamente dois impérios de tradição iluminista-universalista que eram França e Inglaterra; ambos haviam dominado a maior parte da África e Ásia no processo do neocolonialismo, levando aos povos asiáticos e africanos as tradições do pensamento liberal, democrático e republicano; havia outros de cunho tradicional, com nobrezas de sangue e com forte influxo da religião em suas constituições político/legais que eram a Áustria-Hungria, um império católico, a Alemanha, um império protestante, o Império Turco Otomano de cunho islâmico e o Império Russo de carácter "ortodoxo". Estes impérios encarnavam universalismos de sentidos diversos aos da Inglaterra ( império do comércio mundial e do capitalismo liberal) e da França (a república universal da igualdade ): os austríacos mantinham a ideia reaccionária da cristandade católica europeia trazendo em seu território povos e nações diversas, além de manter um carácter dinástico com o poder dos Habsburgos cujo direito régio antepunha-se aos direitos dos povos e das nações; a Turquia encarnava o ideal do império islâmico, a Rússia a da "terceira Roma", a Alemanha trazia o pangermanismo e o ideário de uma supremacia racial sobretudo na Europa através de um império do meio, o projecto de Mittel-Europa.
5- Aqui entramos no capitalismo e na segunda revolução industrial: para que estes Estados Nações forjassem seus impérios e seus projectos universais precisavam expandir seus mercados sobretudo numa época que o petróleo virava a matéria prima basilar para a indústria de guerra; ainda havia a questão das crises económicas num tempo de Laissez Faire, que de dez em dez anos afectavam a Europa e obrigavam os Estados Nações a buscar uma saída para o excedente de produção que não era consumido internamente. Aí entram também os grandes bancos judaicos internacionais como financiadores de uma forte corrida armamentista entre as nações. O capitalismo industrial e financeiro vai forçar os Estados a buscarem novas alternativas de investimento na Ásia e África para dinamizarem suas economias e poderem dar seguimento a seus projectos universais.
6- A Alemanha, nisso tudo, era o "jogador" mais ousado, buscando decisivamente mudar o status quo do Congresso de Viena e rivalizando pelo domínio mundial com os ingleses. Seu investimento pesado em indústria bélica, marinha de guerra e indústria química, além de forçar a uma nova divisão da África no congresso de Berlim a fim de obter colónias, como o projecto de uma ferrovia Berlim-Bagdad, ligando o país a fontes de petróleo, tem a ver com isto. Este jogo pesado alemão fez que ao fim do século dezanove já tivéssemos um clima de guerra no ar em plena "belle époque": alianças militares foram formadas ( a entente sob liderança inglesa e a tríplice aliança sob comando alemão ), questões territoriais se agravaram dentro da Áustria ( Caso da Bósnia que queria unir-se a Sérvia formando uma grande nação eslava nos Balcãs, sob a sombra russa ), no Bósforo ( Disputas entre os russos e os turcos pelo acesso ao mediterrâneo ) assim como na África ( A questão do Marrocos entre França e Alemanha ), preparando o caminho da guerra.
7- A mobilização russa contra a Áustria, mais que o atentado em Sarajevo, foi o estopim da guerra pois fez os alemães se mobilizarem também. Depois sabemos o que houve. A guerra foi basicamente entre a entente - cujo projecto universal encarnava o ideal burguês da revolução francesa, inglesa e americana, o republicanismo liberal iluminista - e a tríplice aliança - que com Alemanha e Áustria, sobretudo, e precariamente a Itália, que tinha uma nobreza maçónica tendente ao burguesismo, encarnava um modelo aristocrático oposto ao modelo burguês predominante da entente ( apesar da presença da Rússia czarista que se filia a entente mais por razões estratégicas que ideológicas ). A entrada dos EUA no lugar da Rússia em 1917, ao lado da entente, delineou de vez este caráter revolucionário amplo da mesma. A vitória dela foi a do mundialismo burguês demo-liberal.
8- Segundo Toynbbe, historiador inglês, a primeira guerra foi uma espécie de "guerra do Peloponeso" ampliada, onde dois modelos se gladiavam: o aristocrático-heróico ( A Alemanha fazia o papel de Esparta ) e o democrático-comercialista ( Inglaterra fazendo o papel de Atenas que no século 5 AC era uma potência naval-comercial ). Ele a entendia como guerra basicamente europeia, o que é verdade. Segundo Toynbbe a guerra fora fruto da falta de um modelo eficaz de gestão das rivalidades nacionais europeias. Sabemos que desde o fim da cristandade medieval os conflitos se adensaram na Europa em razão de diferenças políticas, religiosas, e de rivalidades económicas. A história da estabilidade da Europa sempre dependeu de um império: o romano na antiguidade, o papal no medieval. A perda do conceito de solidariedade europeia, no ver de Toynbbe, foi a razão da primeira guerra mundial, assim como a perda da noção de solidariedade entre os gregos fora a causa da guerra do Peloponeso.
9-A última chance de um restauro da unidade europeia, que evitasse uma nova guerra de carácter global, era o império católico dos Habsburgos, dado que era o único ente político sobrevivente da destruição da cristandade, a mesma que unira os europeus na idade média e que tinha evitado guerras generalizadas. A chance se perdeu quando ele foi retalhado e no seu lugar criada a Liga das Nações, um órgão de arbitragem mundial mãe da ONU. Wilson, presidente dos EUA na época, fez a proposta de paz conhecida como Quatorze Pontos, que deu base à criação da Liga; agora apostava-se numa "nova Europa unida" em torno das ideias americanas de república, liberdade e igualdade: depois da guerra o sufrágio universal foi estabelecido na Inglaterra, França e progressivamente em toda a Europa e mundo. O voto feminino idem, as instituições liberais foram sendo levadas, passo a passo, aos povos africanos e asiáticos e latino americanos.
10- No quadro actual de universalismo maçónico a via única a disposição para fazer frente ao trágico resultado da primeira guerra, que levou o burguesismo internacional ao poder no mundo inteiro, com o consequente domínio judaico das finanças globais, é o nacionalismo em que pesem seus defeitos. Merkel e Macron querem exorcizar este "fantasma" que ressurge na Europa porque ele ameaça, de facto, o domínio universal da canalha maçónica e o projecto de governo global. Ambos renegam o "nacionalismo" como se ele fosse o grande mal do mundo mas se esquecem que as forças universalistas como EUA, França e Inglaterra não pouparam o mundo de tragédias desde o fim da segunda guerra mundial, por via da OTAN e/ou de intervenções estadounidenses para fazer avançar o democratismo burguês liberal-igualitário pelo mundo, cujo último capítulo é a balcanização na Síria, Líbia e etc. A promessa de paz universal de bandidos como Macron e Merkel, fundados na falsa esperança de um um modelo mundial burguês, não passa de messianismo político a substituir a fórceps as identidades das nações por uma utopia secular do homem sem Deus colocado no lugar dele, uma reedição da Torre de Babel de Nimrod.

RQ



3 comentários:

Euro2cent disse...

Os mesmos jornais (e.g. ingleses) que há um século impeliram milhões de homens para a morte, agora prestam-lhes "homenagem", maldizem o "nacionalismo", e passam de fininho a próprio culpa meretrícia.

Os publicitários não têm mesmo ponta de vergonha.

Bilder disse...

Por falar em "empelastro dos afectos" deixo a seguinte "pérola" hoje veiculada: "Segundo o chefe de Estado, a situação de emergência “de, ano para ano, vai sendo cada vez mais grave”, na rádio, na imprensa, na televisão, e está “a criar problemas já democráticos, problemas de regime”. Marcelo Rebelo de Sousa advertiu que “a erupção do que se chama, para simplificar, populismos e outros fenómenos do género, além de causas económicas e sociais que dão lastro a isso”, assenta igualmente na “presente debilidade crescente da comunicação social”, que é, no fundo, “a debilidade crescente da democracia”.

“E a democracia portuguesa, que tem resistido mais do que outras democracias, mesmo próximas, tem de resistir também neste domínio, antes que apareça um chamado populista que de repente canalize as insatisfações, os protestos, os recalcamentos, os ressentimentos, e não haja uma capacidade de resistência da democracia e da liberdade à altura desse desafio”, alertou." (daqui https://observador.pt/2018/11/28/o-estado-nao-tem-a-obrigacao-de-intervir-nos-media-pergunta-marcelo/ ) nota minha: Parece-me evidente que o tal personagem populista já apareceu e trata-se do próprio "empelastro dos afectos".

Unknown disse...

Me sinto obrigado a parabenizar o autor do artigo pela análise precisa e sucinta sobre o contexro histórico que levou à Grande Guerra.