O incontornável Agostinho da Silva, uma das maiores referências do pensamento e da cultura portuguesa, um dos meus mestres, sempre igual a si próprio, verdadeiro.
Tudo o que de catastrófico sucedeu depois do 25 de Abril era contudo de prever, porque não se pode melhorar qualitativamente um país por uma revolução com cravos mas sem ideias, ou apenas (o que é o mesmo) com ideias feitas, convencionais, com ideias que não nasceram livre e espontaneamente do próprio povo, no sentido lato da palavra, isto é, que não promanaram da sua língua e da sua cultura, da sua história, e da sua problemática concreta, da criatividade e da actividade mental dos seus filósofos, escritores e artistas.
Não sendo possível a acção política sem pensamento político e não havendo entre nós, ao nível das classes dominantes e da universidade, nem pensamento político, nem pensamento filosófico capaz de o fundamentar, o resultado inevitável tinha de ser, ou a entrega do país e quem pensasse por ele (o que veio a suceder logo após o 28 de Setembro com o acesso de Vasco Gonçalves e com o domínio crescente do aparelho comunista) ou a proliferação de um pseudo-pensamento de cartilha, que, através dos diversos activismos grande ou pequeno-partidários, outra coisa não tinha ao seu alcance fazer do que tentar reproduzir no Portugal de hoje os seus diversos cenários de eleição: a Rússia dos anos 20, a França dos anos 30, a Jugoslávia dos anos 40, a Argélia dos anos 50, a China dos anos 60, etc., etc., etc., ou seja, anacronismos dentro de anatopismos, que não podem levar a perte nenhuma.
A própria «descolonização» que viemos a fazer para mal dos nossos pecados não foi mais do que um ersatz trafulha dos cenários das descolonizações inglesa ou francesa, com a diferença de que a Inglaterra ou a França souberam construir, ao mesmo tempo, a Commonwealth e a Union Française, enquanto nós tudo abandonámos sem contrapartida e sem honra, permitindo o êxodo vergonhoso de um milhão de portugueses metropolitanos, africanos ou timorenses.
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