O Orador: - Entre nós cedo se reconheceu o carácter da crise generalizada, e, conquanto se haja recorrido também, segundo as exigências do momento, a um intervencionismo moderado, logo se lançaram as bases da nova estrutura económica, agora a concluir a sua organização instrumental.
O Estado é levado a lutar contra o capitalismo e contra o colectivismo para instaurar a nova ordem económica. Contra o capitalismo hipertrofiado, ameaçando e limitando a própria soberania do Poder; contra o colectivismo, a hipertrofia do social, tão aniquiladora da personalidade como o capitalismo.
Diagnosticando a crise e origem do mal e o perigo dos remédios, ergueu-se a voz da Santa Sé, que, pela boca do Papa Pio XI, se exprimiu, na encíclica Quadragésimo Anno, nestes termos severos, mas exactos: «É coisa manifesta que nos nossos tempos, não só se amontoam riquezas, mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo económico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negoceiam a seu talante.
Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam que não pode respirar sem sua licença. Eis diagnosticado o mal profundo que abala o Mundo e simultaneamente indicado como o poder político se deslocou para os gerentes da empresa capitalista e o poder económico para a banca.
Burnhams já no livro célebre A Revolução dos Directores assinalara de maneira notável essa deslocação do poder político que a burguesia detinha desde a época liberal.
E, levantando a voz autorizada, o Santo Padre adverte igualmente contra o liberalismo, o colectivismo e também contra o estatismo, embora chamando o Estado à acção que, como promotor do bem comum, é sua obrigação exercer.
Von Mises escreveu, a propósito do intervencionismo, estas palavras sombriamente verdadeiras: «O intervencionismo é um tributo que deve pagar-se à democracia, a fim de manter o sistema capitalista».
Desejo acentuar que von Mises é um liberal puro, sacrificando ainda nas aras da livre concorrência e do equilíbrio espontâneo.
Repudiando, portanto, o intervencionismo como antieconómico, parece admitir, contudo, um sistema intermédio entre o capitalismo, caracterizado pela propriedade privada dos meios de produção, e o colectivismo, ao escrever: e Só nos importa não ter alguém conseguido mostrar que - posto de lado o sindicalismo - é concebível e realizável ainda uma terceira organização social entre os sistemas, ou junto dos sistemas, da propriedade privada e da propriedade colectiva dos meios e produção. O sistema intermédio da propriedade individual regulada, dirigida e limitada por medidas governamentais é ilógico e está cheio de contradições; toda a tentativa para o realizar seriamente tem de levar a uma crise à qual só, o socialismo ou o capitalismo conseguiriam dar solução». Seja-me permitido notar que von Mises ressalva o sindicalismo e considera-o, portanto, capaz de realizar a terceira organização social intermédia. A ser assim, pode concluir-se que o corporativismo, como superacção do sindicalismo e sistema integrador deste, pode realizar essa terceira organização social, pois não me parece duvidoso que o corporativismo parte do sindicalismo para operar a síntese dos grupos sindicalizados.
Da opinião autorizada de von Mises há que reter, contudo, uma séria advertência política e social: ou o corporativismo consegue dar à economia uma nova estrutura ou a crise se agravará e só será possível sair dela ou para um capitalismo ainda mais monstruoso ou para o colectivismo. Aqui reside a delicadeza do assunto em debate.
Ora para assunto de tanta monta pareceu-me escasso o tempo concedido para estudá-lo convenientemente e discuti-lo em muitos aspectos de suma importância. Da brevidade do tempo me valho, não para desculpar erros, mas omissões de que eu próprio tenho consciência.
Como estrutura económica, que novos elementos caracterizam o corporativismo e o opõem ao capitalismo e ao colectivismo ?
O fim do capitalismo é o lucro. A economia desumanizou-se no sentido de que o homem não é o fim exclusivo da produção, como sucedia na economia pré-capitalista e, de modo bem característico, na época artesanal. Aqui a produção era destinada a clientes certos e para satisfazer necessidades imediatas. Na economia de troca, que sucedeu à artesanal, e a que Sombart chamou economia de sustento ou manutenção, já o humanismo se esbate, pois o produto passa à categoria de mercadoria e, nessa qualidade, a fim da actividade produtora. Nesta fase a actividade lucrativa por excelência é o comércio.
Quando a produção teve ao seu dispor o equipamento que uma técnica científica em permanente progresso lhe fornecia o fim passou a ser a própria produção. A inversão enorme de capital que as grandes unidades industriais requeriam só poderia amortizar-se e garantir o lucro se as máquinas trabalhassem a pleno rendimento. A diminuição do trabalho, e, portanto, da quantidade de mercadoria, representava um prejuízo que não poderia suportar-se por muito tempo. Daqui que o gigantismo capitalista necessite de um consumo activo e em permanente desenvolvimento; daqui a técnica das vendas para fomentá-lo e as várias intervenções indirectas do Estado para manter ou aumentar o consumo e salvar a produção capitalista. A produção é, pois, e em si mesma, o fim a atingir e a manter em constante expansão. Ora esta economia em permanente expansão tem também limites que não pode forçar, mas se pára morre!
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E o homem, que representa para este gigantismo económico? O homem é, antes de tudo, o consumidor. O homem real pouco importa, mas importa a sua capacidade de consumo, que deve ser fomentada cada vez mais. Em resumo: o homem, escravo da máquina. A isto conduziu o liberalismo.
Ora o colectivismo, que, no fundo, é também uma forma de individualismo, surgiu como reacção e correctivo ao capitalismo. Enquanto o liberalismo erigiu a liberdade individual em fim e gerou o capitalismo, o colectivismo dirige-se para a igualdade pela supressão do lucro e supremacia da colectividade. Agora a produção, isto é, o lucro, já não interessa como fim, mas apenas o bem social, ao qual o homem é sacrificado.
Também aqui o homem real deixou de existir, massificado, absorvido pela sociedade e transformado em meio para atingir o bem social. O fim é a colectividade em si mesma, o seu bem.
Ora o corporativismo, tal como consigo entendê-lo, está entre os dois extremos.
Assembleia Nacional do Estado Novo, numa sessão realizada a 13 de Julho de 1957, pelo deputado António da Fonseca Abrantes Tavares.