segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O problema do Regime Financeiro



Antes de se constituir num problema económico ou de outra índole qualquer, o problema dos défices, ou, se quisermos, o problema do regime financeiro que adoptámos, quando chegámos à democracia, é um problema moral. Já me explico. Neste gráfico cobrindo um período de 60 anos, 40 dos quais em democracia, as colunas representam não o défice que costuma aparecer nos jornais, mas um outro: a diferença entre despesas correntes e receitas correntes: o saldo (ou défice) corrente. A despesa de investimento não entra na coluna das despesas.

Teoricamente, quando um défice é explicado pela despesa de investimento, supondo que esse investimento é produtivo, isto é, gera meios para se pagar a si próprio (ao contrário das rotundas, ou do aeroporto de Beja, etc.) ou, não gerando meios de pagamento, traduz-se, pelo menos, em utilidade para as «gerações futuras», tem (alguma) justificação. Às «gerações futuras» fazemos chegar passivos, isto é, dívidas, mas também activos, que geram meios de pagamento (ou benefícios de outra qualquer ordem; de facto, não é assim, o problema é bem mais complexo, mas façamos de conta que é).

Não é esse o caso, quando os défices, e a dívida por eles gerada, ou uma parte muito significativa dela, não tem activos a acompanhá-la. Era como se deixássemos aos nossos herdeiros dívidas sem qualquer contrapartida, por termos vivido, isto é, consumido sistematicamente acima dos nossos rendimentos e do valor dos nossos bens de capital, sendo esses herdeiros forçados a pagar essas dívidas com os seus rendimentos - rendimentos do trabalho visto que, se lhes transmitimos algum capital, esse capital é negativo, que é aquilo a que equivale a dívida pura. As famílias não podem fazer isto: quando alguém morre, as suas dívidas só são liquidáveis na medida em que deixe meios para o fazer. As famílias não podem fazer semelhante obscenidade aos herdeiros - directamente. Indirectamente, as famílias portuguesas estão fazê-lo quase sistematicamente, ano atrás de ano, desde 1975.

Em 40 anos de democracia, fizemo-lo 32 vezes: 4 em cada cinco anos. E fizemo-lo numa proporção muitíssimo significativa: os valores do gráfico são percentagens do PIB. A democracia portuguesa tem sido, neste particular, uma máquina de extorsão de rendimentos aos que hão-de vir. É como que uma segunda natureza sua: extorsão. Isto, se não destruir o regime, gerará, mais tarde ou mais cedo, um gravíssimo conflito intergeracional, uma vez que representa o esboroamento dos pilares básicos da coesão de qualquer sociedade: não há nenhuma razão moral para impormos aos vindouros o custo das nossas vidas. Não se trata de viver em regime de «chapa ganha, chapa gasta»; trata-se de viver com chapas que nunca foram ganhas, que quando forem ganhas, mesmo antes de o serem, já foram gastas. É isto que o socialismo - o do PS, do BE, do PCP ou outro qualquer - quer prolongar. E, sim, isto é absolutamente imoral. Não pode durar. Não deve durar. (Não tinha como dizer isto em menos palavras).


Jorge Costa




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