Uma Constituição para Portugal
Por Constituição Política de Portugal não poderá deixar de se entender a expressão política daquilo que constitui Portugal. Pelo contrário, os longos articulados que, com a designação de “constituições políticas”, desde 1822 têm sido outorgados aos portugueses, são, todos eles, a expressão, não de Portugal, mas de uma certa doutrina ou ideologia cujos sequazes dominaram ocasionalmente o aparelho de Estado. Assim foram sucessivamente impostas aos Portugueses: primeiro, duas constituições monárquicas do liberalismo francês, as de 1822 e 1838; depois, uma constituição republicana do liberalismo positivista, a de 1911; em terceiro lugar, uma constituição do socialismo corporativista, a de 1933; finalmente, uma constituição do socialismo marxista, a de 1976. Sendo expressões de uma ideologia, todas elas poderiam ser, como efectivamente foram, um enumerado de artigos que são outros tantos instrumentos para o exercício exorbitante de exorbitantes poderes do Estado destinados a sujeitar a totalidade dos Portugueses ao grupo de militantes que adoptaram aquela ideologia. Chamar “Constituição Política de Portugal” a esses códigos dos poderes do Estado é um absurdo, um erro e um crime de que todos os portugueses se fazem vítimas. Não admira, portanto, que a sucessão de tais “constituições” ideológicas seja paralela, durante século e meio, à gradual mas incessante desvirtuação da existência dos Portugueses e de Portugal.
Em contraste com estes absurdos códigos dos poderes do Estado, o texto verdadeiramente constitucional que apresentamos é composto apenas de princípios e preceitos; e se fazemos acompanhar muitos deles de comentários, estes apenas se destinam a demonstrar como tais princípios e preceitos são necessários, isto é, se deduzem necessariamente daquilo que Portugal é, não pertencendo, em rigor, ao texto constitucional. Aquilo que Portugal é transcenderá sempre esta ou aquela ideologia perfilhada por este ou aquele agrupamento de políticos profissionais que neste ou naquele momento conseguiram deitar mão às chaves do Estado.
A vigente Constituição Política do socialismo marxista, outorgada em 1976 por uma Assembleia eleita nas condições mais duvidosas, está desacreditada ou desmascarada perante os Portugueses. Para restabelecer o crédito ou a máscara que perdeu, vai iniciar-se em breve, como ela mesmo prevê, a sua “revisão”.
O texto da Constituição Política de Portugal que apresentamos não se destina a preparar essa “revisão” nem a contribuir para ela. Em primeiro lugar, porque não o pode fazer: a “revisão” prevista apenas vai incidir sobre um certo número de artigos, aqueles que, tenham a forma que tiverem, deixam inalterável o socialismo marxista do texto a rever. Em segundo lugar, porque essa “revisão” será feita por uma outra Assembleia que, mesmo recrutada no respeito da regulamentação do sufrágio, jamais poderá ser representativa dos Portugueses que se limitarão a votar uma de entre três ou quatro listas de nomes previamente eleitos pelas oligarquias partidárias, entre as suas tanto mais ambiciosas, quanto inscientes, clientelas.
O presente texto sabemos que é a Constituição Política de Portugal, a expressão política daquilo que Portugal é. Uma vez ele apresentado, e uma vez que o acesso à sua leitura e compreensão não seja, como vai ser, dificultado e até impedido, todos os Portugueses saberão, connosco, como se constitui Portugal. Teremos, de qualquer modo, cumprido, perante os Portugueses, o nosso dever de Portugueses.
I - OS PRINCÍPIOS
Primeiro princípio:
A existência de Portugal tem uma realidade transcendente e o seu destino está contido nos desígnios de Deus.
Comentário:
Com a existência de Portugal, adquirem os Portugueses uma existência comum, cujas formas recebem do remoto passado e projectam no longínquo futuro. A existência de Portugal transcende, assim, a existência de cada geração e o modo como cada geração vive a sua época. Sendo ela transcendente, é inviolável e em si mesma fundamenta a inviolabilidade dos direitos de cada português que ficam, como Portugal, ligados a um princípio transcendente. A afirmação da transcendência e o implícito culto da divindade contêm, portanto, a condição da existência de Portugal.
A dependência da transcendência era reconhecida nos povos da originária antiguidade, os gregos e os romanos, como o foi na origem da modernidade europeia e ocidental e ainda hoje perdura entre os povos islâmicos e o judeu, em algumas Constituições e na legenda nacional de cada inglês: «Deus e o meu Direito». As próprias ideologias ateístas do socialismo contemporâneo têm de ter em conta, seja embora para a negar, esta afirmação do pensador em quem se orgulham de se inspirar: «Dever-se-ão abster de participar nas discussões sobre a Constituição Política todos aqueles que entendem que a divindade se não pode conceber» (Hegel, «Princípios da Filosofia do Direito», § 272).
Segundo princípio:
Portugal é uma Nação, uma Pátria, uma República e um Estado.
Comentário:
A realidade que é Portugal não é susceptível de ser definida por determinações que não lhe sejam necessariamente inerentes, isto é, que não sejam inseparáveis da sua existência, que não a abranjam na continuidade do passado ao futuro, que não convenham à sua integridade permanente, inalterável e indivisível. Não pode, portanto, ser definida pelo regime ou regulamentação institucional que, em cada época, ordena a política ou a administração - monarquismo, republicanismo, corporativismo, socialismo, etc. -, pois a sua existência excede e transcende esses regimes, perdurando para além deles. Não pode, tão pouco, ser definida pelo predomínio que, circunstancialmente, seja atribuído a algum dos poderes que sempre nela coexistem: o poder de todos na democracia, o poder dos melhores na aristocracia, o poder da individualidade representativa na monarquia. Não pode, finalmente, ser definida pela sua identificação com uma ou algumas de entre todas as determinações que lhe pertencem, como acontece nos textos constitucionais que dizem que Portugal é uma Nação ou uma República ou um Estado ou uma Pátria. Portugal é simultaneamente uma Nação, uma República, um Estado e uma Pátria.
Terceiro princípio:
A Nação é o conjunto das gerações - passadas, presentes e futuras - de Portugueses, e a nacionalidade é a condição natural de português que cada um recebe pelo nascimento ou pelo que seja equivalente ao nascimento.
Quarto princípio:
A Pátria é a entidade espiritual de Portugal e exprime-se, existe e perdura na língua, na arte e na história.
Comentário:
A Pátria reside na existência intemporal, ou sobrenatural, de Portugal, como a Nação - a que alguns já chamaram Mátria - reside na existência temporal ou natural. A Pátria forma-se quando a Nação perdura para além dos interesses, motivos e vontades que deram origem ao primeiro agrupamento nacional, tornando-se independente das decisões dos seus naturais e exprimindo-se numa língua própria, que perpetua os modos de imaginar e sentir, e numa história própria, que perpetua os modos de agir e viver.
Quinto princípio:
A República, ou «coisa pública», reúne o que é de comum interesse, virtual ou manifestamente imediato, de todos os Portugueses.
Comentário:
A «coisa pública» é o conteúdo da existência quotidiana e imediata, incessante mas em constante decorrência e, por essa sua natureza, sempre ameaçada de perturbação, suspensão e dissolução. Carece, portanto, de permanente governo, o qual tem, nos limites do que é a «coisa pública», os limites intransponíveis da sua intervenção que se alarga desde a preservação da herança dos antepassados, como o território, a paisagem e os monumentos, até à administração das fontes de riqueza comuns, tenham elas sido obtidas ou pelo génio de alguns Portugueses representativos ou pelo esforço de muitos ou, na sucessão interminável da efemeridade, pelas contribuições de todos os Portugueses.
Sexto princípio:
O Estado é a efectivação do Direito - na Nação, na República e na Pátria - segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça.
Comentário:
É o Estado que faz passar o Direito dos princípios às leis e das leis à prática quotidiana. São princípios do Direito a Verdade, a Justiça e a Liberdade. Da Verdade se deduzem as leis que presidem à organização do Estado; da Justiça se deduzem as leis que determinam a propriedade, reconhecendo a cada português aquilo que lhe pertence; da Liberdade se deduzem as leis que impõem a inviolabilidade do corpo, da vida, do pensamento, da crença, da acção individual e das relações contratuais de cada português.
II - OS PRECEITOS
DA NAÇÃO
Primeiro preceito:
São Portugueses os que recebem, pelo nascimento de pais Portugueses, a condição nacional. Podem ser reconhecidos como equivalentes ao nascimento de pais portugueses, o nascimento em território português, o nascimento em famílias de origem portuguesa e os cidadãos brasileiros.
Comentário:
A equivalência entre a nacionalidade portuguesa e a brasileira fundamenta-se, primeiro, na identidade da Pátria, pois ambos os povos têm a mesma língua, portanto, a mesma virtualidade de pensar e conceber e, em grande, senão maior parte, a mesma história e a mesma arte. Fundamenta-se, depois, na mesma origem nacional entre os séculos XVI e XIX.
Distinguem-se os Portugueses e os Brasileiros por não terem a mesma república e o mesmo Estado. A cisão que se dá na unidade dos povos tem sempre por ponto de partida uma cisão na «coisa pública», uma cisão no que é comum e imediato interesse de todos os nacionais, à qual se segue uma duplicação do Estado. Cada um dos novos Estados articula singularmente a sua organização com a Nação e a Pátria, as quais, podendo permanecer substancialmente idênticas, também podem ser gradualmente cindidas pelo desenvolvimento das duas separadas Repúblicas e pela acção dos dois diferentes Estados.
Geralmente, o componente da «coisa pública» que primeiro contribui para a cisão da República é o território que, sendo formado de partes, faz emergir as imagens ou os interesses daquela cisão nas partes mais separadas ou distantes das outras, como aconteceu no Brasil e, agora, está acontecendo nas ilhas dos Açores e da Madeira. A cisão definitiva pode ser, nuns casos, a única ou a mais benéfica solução para os interesses da República, sobretudo quando acompanhada de desígnios que a história exprime, e, noutros casos, ser uma solução resultante de erros e circunstâncias transitórias que não se soube transcender. Sempre é ao Estado, ou aos homens de Estado, que cumpre saber qual o sentido que têm as cisões na República e preservar, até quando elas conduzam à formação de Estados diferentes, a identidade da Nação e a substância da Pátria.
Segundo preceito:
Todos os Portugueses têm os mesmos direitos e deveres em participar nos negócios da República, na organização do Estado e na perpetuação da Pátria.
Terceiro preceito:
A família é a matriz da Nação, reside na coexistência de três gerações - a dos pais, a dos filhos e a dos netos - e contém como seus direitos naturais:
- personalidade jurídica;
- prioridade absoluta na educação - ou formação física, ética e intelectual desde a infância à juventude - dos seus membros;
- prioridade absoluta na assistência à velhice dos seus membros;
- administração do património familiar.
Comentário:
O património distingue-se da propriedade por não ser, como esta, o objecto de disposição absoluta ou de plena inre potestas. O Estatuto da Família deve determinar, partindo da definição de património, como ele é insusceptível de penhora, hipoteca ou qualquer forma em que sirva de garantia e pagamento de dívidas, como não é divisível, transmissível ou dissolúvel por decisão, abandono, separação e divórcio de algum dos membros da família, como se compõe dos bens que são declarados pela família em regime patrimonial sem prejuízo de que cada membro da família tenha bens em regime de propriedade e como se destina a ser a objectivação real e positiva da unidade e perduração familiares.
Só a personalidade jurídica e o património podem dar realidade objectiva e existência positiva à família que, sem elas, apenas constituirá uma unidade natural e uma ligação sentimental que depressa se dissolvem: a unidade natural quebra-se com o casamento dos filhos e a ligação sentimental não resiste ao conflito dos interesses e destinos pessoais que a transformam numa sentimentalidade vazia, propícia ao matriarcado e expressa em cíclicas cerimónias rituais e festivas que apenas têm de positivo a saudade de arquétipos religiosos perdidos no tempo remoto.
DA PÁTRIA
Primeiro preceito:
São invioláveis as formas de existência da Pátria: a língua, a arte e a história.
Comentário:
Como as formas de existência da Pátria têm uma tal natureza que são o que for o saber delas, a sua inviolabilidade é a inviolabilidade do saber que não é possível, portanto, sujeitar a directrizes e finalidades alheias à verdade, pois o saber é sempre saber da verdade. Como o saber referido à Pátria é o que for a sua transmissão através das gerações (garantia da actualização do saber, ou da concretização da universalidade do saber, que é uma das razões de ser das Pátrias), a sua inviolabilidade significa a liberdade do ensino e a prioridade absoluta do direito de ensinar que não é possível sujeitar a qualquer uniformização - pois toda a uniformização é contrária à infinita multiplicidade de expressões em que o saber se afirma, actualiza, transmite e aperfeiçoa - nem a qualquer espécie de limitação, controlo ou filtragem como aqueles que as instituições universitárias exercem em Portugal há cerca de dois séculos.
Segundo preceito:
Todos os Portugueses têm direito à autoria, entendida como disposição absoluta do que se produz quando o que se produz é tal que não existiria se o autor não lhe tivesse dado origem.
Comentário:
A autoria distingue-se do trabalho por este ser a reprodução de um modelo ou a repetição de um processo, aos quais o trabalhador não deu origem, enquanto a autoria é a origem desse modelo ou desse processo. A este carácter inventivo, junta a autoria a criação de obras marcadas pela singularidade, isto é, insusceptíveis de reprodução e repetição, como as obras de arte e pensamento. A autoria é, portanto, o motor da civilização e o direito que se lhe reconhece é a condição sem a qual não há sociedade civilizada.
Terceiro preceito:
As formas de existência da Pátria contêm uma moral e uma ética que não suportam a presença - na Nação, na República e no Estado - de factores que ameaçam dissolvê-la.
Comentário:
As formas de existência da Pátria residem no saber ingénuo e tácito, contido nos costumes e modos de viver e agir habituais, e no saber consciente e científico que é a substância da civilização, a finalidade do ensino e a vida das instituições. O primeiro, saber ingénuo, tem por fundamento a religião. O segundo, saber científico, tem por fundamento o pensamento da verdade e exprime-se na ética, pois é falsa aquisição de saber aquela que não promove o aperfeiçoamento do indivíduo que a adquire.
Na ética e na moral fundamenta a Pátria um código de virtudes que veda as funções do Estado aos homens que não tenham a virtude da lealdade, a carreira das armas aos homens que não tenham a virtude da honra e o magistério e a magistratura aos homens que não tenham o amor da verdade.
Quarto preceito:
Todos os Portugueses têm direito à informação, à expressão e à comunicação sem condicionalismos económicos, sociais ou jurídicos impostos pelo Estado ou mediante o Estado.
Comentário:
Caracteriza este preceito, como todos os referentes à Pátria, ser ele insusceptível de definição institucional e antes consistir na recusa ou negação de tudo o que, institucionalmente, limita o que, por natureza, não tem limites. Não é possível marcar limites à inviolabilidade das formas, nem aos domínios que a autoria pode abranger, nem à fonte inesgotável, ou insondável, dos valores morais e éticos, nem à informação, expressão e comunicação.
DA REPÚBLICA
Primeiro preceito:
A República - ou «coisa pública» - é composta de:
1. Os bens que são interesse imediato - seja este virtual ou manifesto - de todos os portugueses, como o território, englobando a terra, o mar e o ar, a paisagem, com seus valores estéticos e naturais, e os monumentos;
2. Os bens destinados à segurança e prosperidade da «coisa pública» em geral, como os lugares, edifícios e instrumentos de utilização pública, nacional ou estatal.
3. O tesouro público.
Segundo preceito:
A administração da República é feita directamente pelo Governo da República e, indirectamente, pela Assembleia da República. Os membros do Governo, com a designação de ministros, são escolhidos pela Assembleia e os deputados que compõem a Assembleia são eleitos por sufrágio universal e secreto.
Comentário:
A «coisa pública» distingue-se da «coisa privada» por não ser directamente produtiva e por ser, não uma propriedade, mas um património do qual não há pessoa nem instituição que tenha a disposição absoluta.
O facto de a administração da «coisa pública» se exprimir em interesses materiais que todos podem avaliar e entender, o facto de o bem-estar geral se medir pelo bem-estar particular de cada um, o facto de todos poderem conhecer o estado das finanças públicas pelo preço que vêem atribuir aos produtos da sua actividade, não tornam a eleição da Assembleia da República por sufrágio universal incompatível com a existência de uma maioria de eleitores incapazes de qualquer conhecimento teórico do que mais convém à comunidade.
Terceiro preceito:
A «coisa privada» não existe sem as categorias económicas - propriedade, fruição, trabalho, produção, mercado e dinheiro - que são o fundamento da prosperidade particular e pública e a condição sem a qual não há real liberdade política.
Comentário:
A administração da «coisa privada» é feita pelas pessoas que, individual ou societariamente, tenham a propriedade dela. Por definição, o Governo da República - que dispõe de património mas não de propriedade - não pode intervir directamente na administração da «coisa privada», o que estabeleceria inevitáveis privilégios, nem pode, a título de planificação, de segurança ou de proteccionismo, decretar regulamentações que pervertam as categorias económicas.
Quarto preceito:
As receitas necessárias à administração da República - cuja descrição ou plano o Governo da República sujeitará anualmente à aprovação da Assembleia da República e do Senado - recolhe-as o Governo dos impostos indirectos. Só em situações excepcionais - guerra, catástrofes naturais ou sociais - poderá o Governo recorrer aos impostos directos, os quais terão de ser proporcionais, taxados segundo uma percentagem fixa e universal, com o repúdio de todo o processo de fisco, como o da taxa progressiva, contrário à equidade e à prosperidade republicanas.
Comentário:
A preferência exclusiva dada neste preceito aos impostos indirectos será, decerto, objecto da crítica daqueles que consideram que, incidindo eles sobre os produtos de consumo, incidem sobre aquilo de que há carência e sobrecarregam, dirão esses críticos, as populações mais pobres, ao passo que os impostos directos, incidindo sobre os rendimentos, incidem sobre o que se supõe ser lucro ou ganho e sobrecarregam os mais ricos. Embora frequente, trata-se de uma crítica superficial e, senão hipócrita, ilusória, pois é certo, inevitável e inegável que qualquer imposto sobre os rendimentos se traduz sempre no custo e preço dos produtos de consumo. Os impostos indirectos têm ainda a virtude republicana de a todo o momento levarem todos os cidadãos a observar o andamento da administração pública e a avaliar e julgar imediatamente a qualidade dos governantes. Será esta, sem dúvida, a razão oculta, mas decisiva, das críticas amontoadas sobre os impostos indirectos.
Quanto ao repúdio do imposto progressivo, exprime ele o abandono das «mitologias» economistas que o predomínio das ideologias totalitárias fez divulgar durante o último século em prejuízo da veracidade científica, da prosperidade do indivíduo e da liberdade dos povos. O que a ciência sempre denunciou na taxa progressiva está hoje, mais do que nunca, verificado na prática: apresentada como instrumento para a justa distribuição da riqueza, apenas contribuiu para diminuir o rendimento tanto dos mais ricos como dos mais pobres; apresentada como instrumento de prosperidade, apenas fez diminuir a produção da riqueza geral; apresentada como meio de obtenção das enormes receitas necessárias às exorbitantes despesas governamentais que ela provoca, o total da tributação progressiva é igual ao total da tributação proporcional (no país de mais matéria colectável, os EUA, a tributação progressiva sobre a renda, estabelecida entre os 20% e os 30%, reúne uma receita cujo total é o mesmo de uma tributação proporcional fixada em 23,5%). O único efeito que os impostos progressivos efectivamente obtêm é o de conduzirem à estatização da economia e à destruição das categorias económicas, em especial a propriedade.
Quinto preceito:
Os impostos são pagos sem se destinarem, expressamente, a qualquer finalidade específica dentro da generalidade das receitas anuais necessárias à administração da República. A não ser em caso de guerra e catástrofe natural ou social, o Governo não pode, portanto, obrigar os Portugueses ao pagamento de qualquer taxa destinada a fins específicos nem, implicitamente, a inscreverem-se em qualquer organização ou instituição, seja ela de assistência, previdência ou segurança.
Sexto preceito:
Como a «coisa pública» se reparte por dois sectores – aquele que reúne os bens de que imediatamente pode usufruir toda a população e aquele que reúne os bens de que imediatamente só podem usufruir parcelas da população – o primeiro será administrado pelo Governo da República, o segundo pelos Governos regionais ou municipais.
Sétimo preceito:
A moeda obedece ao padrão-ouro, que a história e a ciência demonstram ser «o melhor dos sistemas monetários possíveis», e a sua emissão, sem ser um exclusivo do Governo da República, pode ser feita por qualquer entidade pública ou particular.
DO ESTADO
Primeiro preceito:
A Nação, a Pátria e a República carecem de um poder real destinado a defender a sua perduração e a assegurar, por um lado, a positividade daquilo que, segundo a definição dos Princípios, a cada uma delas é próprio e, por outro lado, à realização das determinações institucionais ou legais pelas quais elas adquirem aquela positividade. Esse poder é o Estado.
Segundo preceito:
O poder do Estado exerce-se na efectivação do Direito. Para isso, o Estado organiza-se, primeiro, a si próprio e, depois, articula as suas instituições com as da Nação, as da Pátria e as da República no sentido de assegurar a fidelidade aos princípios universais do Direito: a verdade, a liberdade e a justiça.
Comentário:
Ao contrário dos preceitos constitucionais da Pátria – cuja natureza reside na recusa ou negação de tudo o que, institucionalizando-se, limita o que não pode ter limites – os preceitos constitucionais do Estado, cuja natureza reside na sua organização, são marcados pela total positividade e exprimem-se em termos que imediatamente definem as respectivas instituições.
Terceiro preceito:
São órgãos do Estado: a Chefia do Estado, os Tribunais, as Forças Armadas e o Ensino.
Quarto preceito:
Os Tribunais, as Forças Armadas e o Ensino são hierarquizados com autonomia até à Chefia do Estado. Cada um deles é presidido por um Conselho Supremo.
Comentário:
Pela natureza dos seus objectivos, a organização dos Tribunais é sempre referida à soberania da Justiça, a das Forças Armadas à permanência da ordem e a do ensino à perenidade do saber. Todas elas são, por conseguinte, insubordináveis à mutabilidade própria dos pensamentos individuais, que actualizam a Pátria, da natural sucessão das gerações, que formam a substância da Nação, e das inumeráveis combinações de interesses, que são o conteúdo da República, e todas terão uma independência análoga à que, entre nós, só tem sido atribuída às Forças Armadas.
Quinto preceito:
O Conselho Supremo da Magistratura, presidindo à organização dos Tribunais, terá as seguintes atribuições:
1. Colaborar na expressão jurídica das leis;
2. Definir a unicidade do corpo judicial e assegurar a formação teórica, prática e ética dos seus membros;
3. Definir as condições necessárias à independência dos Tribunais, à obrigatoriedade e prevalência das suas decisões, à inamovibilidade e irresponsabilidade dos juízes, bem como as funções e atribuições do Ministério Público e as categorias e especificações dos Tribunais;
4. Definir as condições necessárias à efectivação do Direito no domínio da particularidade dos interesses e da singularidade dos indivíduos.
Comentário:
Implica a alínea 4 deste preceito uma legislação que reconheça as realidades que transcendem o poder do Estado, como seja a vida humana e os valores éticos. A soberania da Justiça não pode exercer-se num Estado onde permaneçam incompatibilidades entre a efectivação do Direito e as realidades que o transcendem. Nisso se fundamenta a abolição da pena de morte e a abolição da escravidão e nisso se fundamentará a confiscação de bens sempre que a posse deles seja inconciliável com a acção exercida pelos que a detêm, pelos que, por exemplo, preconizam a abolição da propriedade e assim se apresentam como exemplo actuante do aviltamento ético, moral e psíquico que resulta de se «servir a dois senhores» e se beneficiar da prática de duas doutrinas entre si opostas.
Sexto preceito:
O Conselho Supremo das Forças Armadas, presidindo à organização das Forças Armadas, define as condições necessárias à sua existência, actualização e operacionalidade.
Sétimo preceito:
O Conselho Supremo do ensino tem as seguintes atribuições:
1. No plano administrativo, efectivar o estabelecimento, a cargo do Estado, das escolas necessárias à aprendizagem dos Portugueses quando o conjunto das escolas particulares não seja, qualitativa ou quantitativamente, suficiente e assegurar, mediante empréstimos aos estudantes, a possibilidade financeira de todos os graus de ensino;
2. No plano jurídico, confirmar ou recusar a validade do ensino de cada escola e estabelecer as respectivas equivalências para efeitos profissionais;
3. No plano didáctico, definir os graus da escolaridade, desde o primário ao superior, e assegurar o carácter científico do ensino impedindo qualquer sujeição dele a directrizes, interesses ou fins alheios à ciência.
Oitavo preceito:
Os órgãos do Estado preencherão, mediante delegados, um Ministério no Governo da República destinado a assegurar a obtenção e administração das receitas necessárias ao Estado.
Nono preceito:
A Chefia do Estado é composta pelo Chefe do Estado e pelo Senado.
Décimo preceito:
O Chefe do Estado é eleito ou confirmado, de sete em sete anos, pelo Senado.
Décimo primeiro preceito:
Responsável individual da integridade e perduração de Portugal, o Chefe do Estado disporá das capacidades inerentes a tal responsabilidade as quais exercerá como decisões individuais: promulgar as Leis, comutar penas e confirmar sentenças judiciais, consultar o Senado, assumir a presidência dos Conselhos Supremos, declarar o estado de sítio ou de guerra com a concordância do Senado, assumir o comando das Forças Armadas, empossar o Governo da República e reconhecer os deputados eleitos para a Assembleia da República, vetar qualquer acto administrativo, representar Portugal perante as outras nações.
Décimo segundo preceito:
O Chefe do Estado é responsável perante a Nação, a Pátria e a República, representadas pelo Senado, que poderá consultar para todas as suas decisões.
Décimo terceiro preceito:
O Senado é composto de 70 portugueses com mais de 45 anos de idade e de provadas faculdades intelectuais para exprimirem o saber da Nação, da Pátria, da República e do Estado, os quais serão escolhidos, à medida que se dêem vagas por renúncia ou morte, pelo próprio Senado.
Décimo quarto preceito:
São atribuições do Senado: elaborar as Leis, apreciar a constitucionalidade dos actos da administração da República e dos Conselhos Supremos, ouvir o Chefe do Estado e fazer-se ouvir por ele, além das já indicadas nos anteriores preceitos: eleger ou confirmar o Chefe do Estado e representar, perante ele, a Nação, a Pátria e a República.
Comentário:
Assim como a Assembleia da República e os governos da República são o elemento democrático na organização do Estado, assim o Chefe do Estado é o elemento monárquico e o Senado o elemento aristocrático.
Nos Estados modernos, há sempre uma mistura indefinida, mas inegável, de democracia, monarquia e aristocracia. Neste momento, por exemplo, regidos por uma Constituição Política de carácter socialista, os portugueses têm a democracia na votação do Presidente da República e dos deputados, têm a monarquia nos poderes atribuídos ao Presidente da República e têm a aristocracia nos grupos que dirigem os partidos políticos e escolhem os deputados e até o Presidente da República que fazem votar pelo povo. Pode facilmente verificar-se que, apresentando-se como exclusivamente democrático, este regime dá muito maior predomínio à monarquia presidencial e à aristocracia partidária do que à democracia: enquanto a monarquia presidencial tem assegurado o exercício dos seus poderes por um período de cinco anos e a aristocracia partidária por um período ilimitado, o povo só exerce a democracia em dois domingos de quatro em quatro anos. Este desequilíbrio resulta do facto de não se querer reconhecer a existência real e institucional da monarquia e da aristocracia e tem ele ainda outras mais nefastas consequências. Com efeito, ignorando-se como monarca, o Presidente da República, além de agir apenas como Chefe da República e não como Chefe do Estado nem responsável perante a Nação e a Pátria, procede na estrita obediência à Constituição escrita não assumindo a representação individual, mais pensada, vivida e tácita do que escrita, daquilo que constitui Portugal. Por sua vez, a aristocracia partidária, ignorando-se e negando-se como aristocracia, faz depender a sua acção da preparação dos próximos resultados eleitorais, e não da razão em acordo com a verdade, e desvirtua-se numa oligarquia partidocrática; e como, nas relações mundiais hoje existentes, os partidos se aglomeram em grupos internacionais definidos por uma doutrina comum que tem de ser apenas republicana, a razão e a verdade de cada Nação, cada Pátria e cada Estado, que são a substância das aristocracias, vêem-se substituídas por estatutos ideológicos sem raízes nem fins em nenhum povo e dos quais os chefes e organizações partidárias são apenas os agentes e executantes locais.
III – AS LEIS
1. Os Princípios e os Preceitos da Constituição são perpétuos e inalteráveis, insusceptíveis de revisão, pois, de outro modo, não seriam constitucionais, isto é, não seriam a expressão política da realidade, necessariamente perpétua e inalterável, que constitui Portugal. Os Princípios e Preceitos prevêem e determinam instituições e organismos que são a mesma expressão da sua positividade e cuja existência também é, por conseguinte, perpétua e inalterável. A definição dessas instituições e organismos em suas atribuições, regulamentos e composição, é matéria de Leis a elaborar pelo Senado na forma de Estatutos. Os Estatutos são susceptíveis de revisão ao fim de cada período de sete anos e têm por objecto:
A cidadania ou nacionalidade;
A família;
A autoria;
A autoria;
A comunicação social;
As categorias económicas;
O Governo da República;
A Assembleia da República;
Os Governos regionais e municipais;
A organização das Forças Armadas;
A organização do Ensino;
A organização dos Tribunais.
2. As instituições necessárias à positividade da Constituição, mas não previstas e determinadas em seus Princípios e Preceitos por não possuírem um carácter perpétuo e inalterável, bem como todas as determinações que, sem previsível efemeridade, possam abranger os interesses gerais dos portugueses, são definidos por Leis. As Leis, susceptíveis de revisão de sete em sete anos, são elaboradas pelo Senado por iniciativa própria, por recomendação do Chefe do Estado, por proposta dos Conselhos Supremos dos Tribunais, das Forças Armadas ou do Ensino, por requerimento do Governo e Assembleia da República ou por solicitação dos cidadãos.
3. As deliberações da Assembleia da República e as decisões do Governo da República, bem como as determinações dos Conselhos Supremos, que têm sempre por objecto a aplicação dos Princípios e Preceitos constitucionais à contingência dos interesses e a sua adunação às singularidades, circunstâncias e progressos do tempo, são expressas por decretos ou disposições jurídicas sem duração definida, pois carecem de revisão ou naturalmente cessam logo que se altere aquela contingência ou transitem as singularidades, circunstâncias e progressos que lhes deram origem.
Orlando Vitorino