«O mundo tecno-capitalista é um mundo de hiperconsumo que já não se explica pelo aparecimento de necessidades verdadeiramente novas, mas sim pela nossa preferência pela despesa em vez do tempo. Outra grande consequência desta aceleração tecno-capitalista é que o tempo, tornando-se um recurso cada vez mais escasso, se transforma num activo que as empresas tentam apreender. Esta captação do tempo que todos sentimos é uma das causas da grande transformação antropológica a que estamos a assistir: a substituição do “homo economicus” por um homem capaz de aceitar uma série de limitações à sua liberdade em troca de cada vez mais consumo, este é o homem a que chamamos “homo festivus numericus”. Tal como os químicos das empresas de cigarros foram pagos para tornar os fumadores cada vez mais viciados, milhares de investigadores e engenheiros são pagos para captar a nossa atenção, para transformar o nosso tempo num activo valorizável. Assim, juntamente com o mercado de dados, está a ser criado um novo mercado para o tempo. (…)
O modelo da “start-up” é simbólico do princípio de aceleração que caracteriza o nosso mundo. Alguns querem fazer disso um modelo de sociedade que supostamente conduzirá as pessoas em direcção a mais felicidade e harmonia. (…)
Na maioria das empresas, a urgência tornou-se a norma. Sistemas organizacionais (just-in-time) mas também métodos de gestão acompanham e amplificam este sentido de urgência, o que pode ter consequências desastrosas. Não só o ritmo frenético mina a motivação dos empregados, como também o foco da empresa pode ser disperso em várias direcções, o que pode confundir os clientes e prejudicar a marca.
As mais recentes epidemias de gestão em voga, as metodologias “Ágil” e “lean startup”, transformaram milhões de empregados em cobaias. (…) A gestão impõe o princípio da mudança em nome da mudança. Esta forma de desumanização é largamente alimentada pela tecnologia, particularmente através de sistemas de monitorização do desempenho e ferramentas de análise comportamental. Esta vigilância, cada vez mais generalizada, cria um ambiente tóxico e desmoralizante que tem impacto na dignidade, liberdade e autonomia dos empregados. (…)
(…) A fast food, o speed dating e os sonos curtos são testemunhos deste fenómeno. Para chegarmos a este ponto, foi preciso ajudar o indivíduo a concentrar-se no que é importante: ele próprio. O símbolo desta era narcisista é a “selfie”. Tal como o lendário Narciso, a pessoa a quem chamamos “festivus numericus” é fascinada pela sua imagem e informa o mundo inteiro em tempo real do que está a fazer. A sua vida social é agora passada no seu telemóvel. A partir do momento em que acorda, toda a sua atenção está focada na gestão dessa imagem. Os teóricos comportamentais há muito que teorizaram como condicionar os seres humanos, utilizando diferentes métodos de estimulação. Apoiando-se na poderosa necessidade de pertença do “festivus numericus”, estas aplicações tocam em todos os botões que captam a sua atenção. Assim, o nosso tempo está a tornar-se desumano, como se um processo técnico estivesse em vias de conduzir os nossos cérebros, os nossos corpos, as nossas relações, a nossa agenda e, em última análise, a totalidade da nossa sociedade.(…)
Georges Bernanos escreveu que uma civilização não se desmorona como um edifício, desaparece com a espécie de homem, o tipo de humanidade, que dela emergiu. Os economistas fariam bem em ouvir esta reflexão, que é semelhante à do sociólogo alemão Ferdinand Tönnies quando fala da passagem de uma comunidade calorosa, natural e espontânea, baseada na aliança do sangue, no convívio dos vizinhos e na coesão das crenças, para uma comunidade fria, artificial e constrangida que se baseia no contrato de interesses, nas vantagens que uns podem obter de outros, e na lógica da ciência. Ele antevia já o advento de um mundo em que o homem seria libertado da maioria das suas obrigações para com os outros e deixaria de sentir a necessidade de relações sociais para se engrandecer. Este rebaixamento da sociabilidade caracteriza o tecno-capitalismo ao ponto de nos interrogarmos agora sobre o advento de um "mundo sem contacto"! (…)»