A família exige por si mesma duas outras instituições: a propriedade privada e a herança. Primeiro a propriedade – a propriedade de bens que possa gozar e até a propriedade de bens que possam render. A intimidade da vida familiar reclama aconchego, pede isolamento, numa palavra: exige a casa, a casa independente, a casa própria, a nossa casa. Há impossibilidade, haverá mesmo em muitos casos inconveniente em que o trabalhador possua os meios de produção e em deixar dividir a terra por minúsculas parcelas, dando-se a todos um pedaço para a cultura. Mas é utilíssimo que o instinto de propriedade que acompanha o homem possa exercer-se na posse da parte material do seu lar. É naturalmente mais económica, mais estável, mais bem constituída a família que se abriga sob tecto próprio. Eis porque nos não interessam os grandes falanstérios, as colossais construções para habitação operária, com seus restaurantes anexos e sua mesa comum. Tudo isso serve para os encontros casuais da vida, para as populações já seminómadas da alta civilização actual; para o nosso feitio independente e em benefício da nossa simplicidade morigerada, nós desejamos antes a casa pequena, independente, habitada em plena propriedade pela família.
A herança é o reflexo na propriedade do instinto de perpetuidade da raça; transmite-se com o sangue o fruto do trabalho, da economia, quantas vezes de grandes privações. Não há qualquer utilidade social em que não se transmitam os bens, normalmente dentro da família, e em que a herança seja só de bens de gozo ou de consumo e não de bens produtivos. A formação natural das economias é estimulada pela possibilidade do seu rendimento e da sua livre disposição, e altamente benéfica para a solidez e estabilidade da família, por constituírem o indispensável elemento de equilíbrio nos altos e baixos da vida. Há muita coisa contra que a melhor e mais completa instituição de previdência nunca poderá lutar.
António de Oliveira Salazar in discurso «Conceitos Económicos da Nova Constituição», 16 de Março de 1933.
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