Podem dar as voltas que quiserem: o que nunca conseguirão é comer um bolo e guardá-lo para mais tarde. Dito por outras palavras: não é possível consumir o mesmo recurso que se investe (para aumentar mais tarde o rendimento e o consumo). E, sim, não é possível aumentar o rendimento e o consumo futuro sem investir hoje, quer dizer, sem deixar de consumir agora. A menos que recorramos ao que outros, que não nós, estão a poupar, isto é, endividando-nos a eles. Admitamos que, tendo chegado à pouco invejável posição de uma das economias mais encharcadas em dívida de todo o mundo, continuar aumentar o pântano não é viável. Portanto, se quisermos prosperar, teremos de investir - e não consumir.
Isto não pode ser muito difícil de entender por qualquer pessoa normal, a partir do dedo e meio de testa. Excepto se for um insigne economista como o João Galamba, ou gente que, não sendo do ramo, não deixa de ser extraordinariamente versada nestas matérias, como a Dona Canavilhas ou a Dona Estrela, e outros seres do mesmo género que se multiplicam como coelhos nas fileiras do PS e do comentadorismo nacional, que nos asseveram que quanto mais consumirmos maior será a procura, logo maior o investimento e, assim, maior o crescimento, etc., etc. É a economia vodu em todo o seu esplendor.
Estes dois gráficos sobrepostos ilustram bem o ponto em que estamos neste particular. O gráfico de baixo é sobre a quantidade de despesa nacional (de PIB) que afectamos ao consumo. O caso português é a linha azul, mais vistosa. 66%. Exactamente dois terços do PIB são torrados em consumo. Já os nossos parceiros da zona euro, gente significativamente mais rica do que nós, coitada, são mais modestos: consomem 55%. Cerca de 11 pontos percentuais de diferença. Estávamos em 2014 a umas escassas décimas do maior valor de sempre. Ninguém diria que passámos pela mais grave e profunda crise da nossa história democrática. De 2009 para cá aumentámos a parcela de rendimento que, como país, destinamos à torradeira do consumo. Já os nossos ricos parceiros de moeda única baixaram a parte do PIB afectada a ele. Estranho.
Como não é possível comer e guardar o bolo (consumir e investir ao mesmo tempo, sem recurso a dívidas), e tendo tido que ajustar por algum lado, ajustámos... no investimento, que conduzimos à rua da amargura. Destinamos menos cinco pontos percentuais de PIB ao investimento do que os nossos muito ricos parceiros, com um stock de capital significativamente maior, quando dividido por cabeças. Mas bem vistas as coisas, como nestes gráficos, tivemos, afinal, apenas que acentuar uma tendência que já vinha de trás, de muito atrás, desde a viragem do século.
Ao contrário do que dizem as luminárias do PS, não foi o ajustamento e a austeridade que trouxe a queda, a quase extinção do investimento, isto é, ao ponto em que a economia deixou mesmo de repor o seu stock de capital: o investimento dos últimos anos não chega para tanto, o que compromete mais do que qualquer outra coisa o nosso futuro. Não. Vínhamos a cair pela encosta abaixo, desde o ano 2000, e se alguma coisa de novo aconteceu durante o ajustamento, foi o estancamento e inversão da tendência. Batemos no fundo em 2013, e desde então estamos a recuperar. Muito, muito modestamente, muito, muito insuficientemente, mas estamos. É preciso mais investimento, muito mais investimento, para chegarmos, por exemplo, pelo menos, pelo menos à proporção em que os nossos riquíssimos e apetrechadíssimos parceiros investem? É. Então, meus amigos, vamos ter de refrear sem contemplações o consumo. Ou uma coisa ou outra. Comer o bolo e guardá-lo é que não é possível. Se o PS, o PCP e o Bloco aparecerem por aí a prometer o impossível, façam-lhes um realíssimo manguito. Chega de ilusões. Já provamos o suficiente disso para saber que não gostamos.
Jorge Costa
1 comentário:
Também é preciso ter tino no que se chama investimento.
Torrar dinheiro a triplicar auto-estradas, comprar TGVs leuco-elefantinos e depois exportar médicos e engenheiros é pouco rentável.
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