Por CRISTINA ESTEVES
Regressei a casa, ao trabalho. Após um período de férias, recortado por
afazeres profissionais, que nos tempos que correm ser ininterrupto e sempre em
família já é em si mesmo um luxo, e repartido entre o Sul e o Norte, do Algarve
às Beiras.
Nada particularmente
diferente de outros anos, em que se concilia a época balnear com a preservação
das raízes familiares que também faço por transmitir aos meus. Talvez tenha
passeado mais, fruto do tempo pouco veranil e de um mar que pleiteou com os
baldes de água gélida que marcaram a nossa 'silly season'.
Realmente vi mais. Vi com outros olhos. Vi além da necessidade imediata de
uma auto-estrada Norte-Sul de três faixas em que é preciso fazer um esforço
ocular para tentar ver outras vivalmas.
Vi a inutilidade de uma grande avenida frente-atlântica de duas faixas em que foram precisos largos minutos para se conseguir contar pelos dedos da mão as viaturas que circulavam em plena época balnear, excepção feita a um sonoro cortejo momentâneo liderado a preceito pelos noivos, montados a cavalo.
Vi a soberba em
rotundas, ou as chamadas "bolachas" como se um deleite se tratasse,
de monumentos "feitos a martelo", de piscinas, parques infantis e
complexos desportivos faustosos em cada freguesia ou bairro. Vi o desprezível
em floreados e rococós em obras públicas e equipamentos sociais, mas pouco
económicos, que serviram para idolatrar e reeleger sua excelência o presidente
de qualquer coisinha enquanto os cofres públicos eram depurados, entre ajustes
directos e concursos públicos ajustados a interesses particulares, partidários
ou locais, sempre em nome da causa pública e coesão nacional.
Vi as estações e comboios fantasma de uma empresa tecnicamente falida mas
que um mero bilhete custa mais de 50%, ou quase o dobro, da camioneta da
rodoviária, caso se opte pela classe turística ou, dizem eles, conforto.
Vi de tudo um pouco. Vi a cada canto a dívida de décadas de descomedimento que
absorve o nosso país, até no desprezo a que alguns desses elefantes brancos
estão agora dotados, como só se tivessem feito contas até às suas pomposas
inaugurações, negligenciando custos de funcionamento ou até de conservação e
manutenção.
Agora só falta mesmo ver
um novo homem providencial que unilateral e ideologicamente se arrogue de dotar
ao abandono o que foi feito, bem ou mal, como de brasões de um outro império se
tratassem. Porque o esquecimento é para muitos a única arma de quem não
respeita no tempo as nossas tradições, valores e herança cultural, de quem não
compreende que também é sobre a memória de um passado pardo que se constrói o
futuro.
Sem comentários:
Enviar um comentário