sábado, 6 de setembro de 2014

País do nosso (des)governo


Por CRISTINA ESTEVES

Regressei a casa, ao trabalho. Após um período de férias, recortado por afazeres profissionais, que nos tempos que correm ser ininterrupto e sempre em família já é em si mesmo um luxo, e repartido entre o Sul e o Norte, do Algarve às Beiras.
Nada particularmente diferente de outros anos, em que se concilia a época balnear com a preservação das raízes familiares que também faço por transmitir aos meus. Talvez tenha passeado mais, fruto do tempo pouco veranil e de um mar que pleiteou com os baldes de água gélida que marcaram a nossa 'silly season'.
Realmente vi mais. Vi com outros olhos. Vi além da necessidade imediata de uma auto-estrada Norte-Sul de três faixas em que é preciso fazer um esforço ocular para tentar ver outras vivalmas. 

Vi a inutilidade de uma grande avenida frente-atlântica de duas faixas em que foram precisos largos minutos para se conseguir contar pelos dedos da mão as viaturas que circulavam em plena época balnear, excepção feita a um sonoro cortejo momentâneo liderado a preceito pelos noivos, montados a cavalo.
Vi a soberba em rotundas, ou as chamadas "bolachas" como se um deleite se tratasse, de monumentos "feitos a martelo", de piscinas, parques infantis e complexos desportivos faustosos em cada freguesia ou bairro. Vi o desprezível em floreados e rococós em obras públicas e equipamentos sociais, mas pouco económicos, que serviram para idolatrar e reeleger sua excelência o presidente de qualquer coisinha enquanto os cofres públicos eram depurados, entre ajustes directos e concursos públicos ajustados a interesses particulares, partidários ou locais, sempre em nome da causa pública e coesão nacional.
Vi as estações e comboios fantasma de uma empresa tecnicamente falida mas que um mero bilhete custa mais de 50%, ou quase o dobro, da camioneta da rodoviária, caso se opte pela classe turística ou, dizem eles, conforto.

Vi de tudo um pouco. Vi a cada canto a dívida de décadas de descomedimento que absorve o nosso país, até no desprezo a que alguns desses elefantes brancos estão agora dotados, como só se tivessem feito contas até às suas pomposas inaugurações, negligenciando custos de funcionamento ou até de conservação e manutenção.
Agora só falta mesmo ver um novo homem providencial que unilateral e ideologicamente se arrogue de dotar ao abandono o que foi feito, bem ou mal, como de brasões de um outro império se tratassem. Porque o esquecimento é para muitos a única arma de quem não respeita no tempo as nossas tradições, valores e herança cultural, de quem não compreende que também é sobre a memória de um passado pardo que se constrói o futuro.


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