segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Angola é hoje uma colónia, mais do que em algum outro momento do seu passado...

 “Com a quebra do petróleo não há dólares em Angola e os chineses aproveitam”
Há quem ainda pense que a colonização de África acabou no século XX. Errado. Um novo colosso ascendente precisa de recursos para alimentar as suas indústrias e o seu povo, mercados para escoar os seus produtos e território para instalar o seu excedente populacional. O sol está a nascer no Império Colonial da República Popular da China.


Declarou-se, arrogantemente, o “fim da História” no Ocidente. Tudo aquilo que a nova ordem liberal declarou unilateralmente como “progresso” tinha sido cumprido, ou estava, aos seus olhos, a ser cumprido.
O comunismo havia sido derrubado e os países que tinham composto o bloco soviético estavam em processo de democratização. A chamada “descolonização”, iniciada logo após a Segunda Guerra Mundial, estava prestes a ser concluída com a entrega de Macau aos chineses.
Um dos “erros” da nossa História que a esquerda, especialmente a esquerda “chic”, considera particularmente horrendo é o passado colonial europeu – uma visão com que tenta doutrinar as novas gerações através de uma ofensiva de revisionismo histórico. Em Lisboa, junto aos Jerónimos, por muito pouco não apagaram os símbolos históricos do Império Português em 2014.
Nos manuais escolares “politicamente correctos”, os impérios ultramarinos são descritos como “exploradores” e “cruéis”, omitindo-se propositadamente o outro lado da História, o papel benéfico que as velhas metrópoles também desempenharam: Medicina e inoculação contra doenças, língua comum, estradas e caminhos-de-ferro, agricultura moderna, foram apenas alguns dos benefícios da civilização moderna que os europeus introduziram em África.
Vazio de poder
Como a História foi revista, nunca é explicado aos jovens que, a partir da descolonização, forçada pelos EUA e pela URSS, o retrocesso civilizacional em África foi significativo. Os europeus saíram de forma tão apressada que não tiveram tempo de deixar estruturas de poder para criar Estados organizados locais. Ainda para mais, quase todos os quadros qualificados eram europeus brancos, os mesmos que os americanos exigiam que saíssem imediatamente de África.
O resultado foi um vazio de poder com resultados desastrosos. O continente viu-se envolvido em sangrentas guerras fratricidas em que já morreram mais pessoas do que nas duas Guerras Mundiais juntas. Epidemias varreram um continente onde os hospitais deixaram de funcionar. O Ébola é apenas uma das horrendas doenças que lavram vidas sem controlo.

A infra-estrutura criada pelos países europeus também foi arrasada. Só hoje, e ainda com grandes dificuldades, é que as ferrovias em Angola recomeçaram a funcionar depois do seu desmantelamento durante o caos de 1975.
Para substituir os governos europeus foram instalados, pelos americanos e pelos soviéticos, regimes nativos mas autoritários, fora da lei, cruéis e criminosos. Procederam à pilhagem dos recursos de alguns dos países mais ricos do planeta apenas para o ganho de uma pequena elite. Nada diferente dos múltiplos reinos africanos que vendiam os seus próprios habitantes aos europeus para serem tornados escravos.
Os chineses olharam para este continente varrido pelo caos e viram uma oportunidade. Os africanos iam precisar de reconstruir tudo aquilo que foi destruído durante as guerras do século XX e a China estava pronta para assumir o papel de potência imperial. Mas, desta vez, sem as considerações humanistas que os europeus tiveram.
Colonos chineses
Nos últimos tempos tornaram-se correntes, em programas de rádio (o mais popular meio de comunicação em África), as queixas de ouvintes desesperados porque as suas mulheres fugiram com colonos chineses com dinheiro.
Numa só década, um milhão de chineses estabeleceu-se em África – e estes são apenas os números “oficiais”, se é que há algo oficialmente oficial naquele continente. Alguns especialistas consideram que o numero real é muito mais elevado, algo entre dois e dez milhões de colonos, e estima-se que nos próximos anos muitos mais cheguem.
Estes colonos são a vanguarda de um programa chinês para diminuir o desemprego na própria China. A maioria são camponeses sem dinheiro cuja escolha de vida se resume a colonizar África ou a ir trabalhar horários desumanos nas horrendas fábricas chinesas.
Muitos outros não têm sequer opção: são pequenos criminosos, sem-abrigo ou órfãos e o Estado prefere colocá-los à força num avião com destino a África, para se livrar deles.
Os povos locais, geralmente, não aceitam bem esta invasão cultural, mas não têm escolha: os regimes que nasceram da “descolonização” adoram os seus novos mestres coloniais.
A China já é o maior parceiro comercial do continente africano, com quem troca anualmente 160 mil milhões só em bens, mais do que o comércio deste continente com os Estados Unidos, a França e o Japão juntos.
O governo chinês pouco ou nada quer saber dos povos locais, e Pequim é um especialista em negociações Estado com Estado. A corrupção é um dado adquirido e fomentado e, enchendo os bolsos a alguns líderes locais, os chineses conseguem lucrativos tratados desiguais em que lhes são concedido monopólios artificiais.
Estes colonos são a vanguarda de um programa chinês para diminuir o desemprego na própria China. A maioria são camponeses sem dinheiro cuja escolha de vida se resume a colonizar África ou a ir trabalhar horários desumanos nas horrendas fábricas chinesas. Muitos outros não têm sequer opção: são pequenos criminosos, sem-abrigo ou órfãos e o Estado prefere colocá-los à força num avião com destino a África, para se livrar deles.
Os povos locais, geralmente, não aceitam bem esta invasão cultural, mas não têm escolha: os regimes que nasceram da “descolonização” adoram os seus novos mestres coloniais.
A China já é o maior parceiro comercial do continente africano, com quem troca anualmente 160 mil milhões só em bens, mais do que o comércio deste continente com os Estados Unidos, a França e o Japão juntos.
O governo chinês pouco ou nada quer saber dos povos locais, e Pequim é um especialista em negociações Estado com Estado. A corrupção é um dado adquirido e fomentado e, enchendo os bolsos a alguns líderes locais, os chineses conseguem lucrativos tratados desiguais em que lhes são concedido monopólios artificiais.
Construção na Maianga

No sector da construção nota-se a força da China. Milhares de edifícios e estradas são construídos todos os anos por mão-de-obra chinesa, com material industrial importado, financiado por bancos estatais chineses.
Um antigo governador do Banco Central Nigeriano considerou mesmo que a África se está a abrir a uma “nova forma de imperialismo” em que a China se aproveita de mercados cativos para exportar os seus produtos, isto enquanto explora os recursos do continente para seu benefício.
A produção agrícola é de especial preocupação para o Império chinês. Os excessos da industrialização destruíram grande parte da fertilidade dos campos agrícolas chineses e a República Popular procura comprar novos campos em África para os seus colonos produzirem comida para alimentar a metrópole. O Império também quer garantir o controlo das necessárias matérias-primas que alimentam a gigantesca máquina industrial da China.
O Ministros dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, disse há duas semanas que a China “não ia seguir o velho caminho dos colonizadores ocidentais”, mas, no entanto, as políticas seguidas por Pequim são quase uma cópia do imperialismo europeu. Durante muito tempo os ocidentais não governaram directamente os seus vastos domínios imperiais, preferindo assumir uma posição de suserania sobre os governantes nativos.
Portugal apenas assumiu controlo absoluto sobre toda a administração do seu território e dos habitantes já nos anos 40. Na Índia Britânica, os marajás dos principados indianos continuaram a governar os seus territórios até à proclamação da república naquele país.
Os chineses, tal como os europeus em tempos já idos, pouco interesse têm na forma que os regimes locais assumem. Democracia ou regime autoritário? Pouco importa, desde que consigam controlar os países através da corrupção que está entranhada em todos os níveis da sociedade africana.
Angola chinesa
O “marajá” de Angola é o presidente José Eduardo dos Santos, rodeado pela sua pequena “clique” de fiéis seguidores. O líder de Angola, cuja permanência no poder se parece eternizar, é um leal vassalo do poder chinês. Angola é mesmo um dos países que mais investimento recebe do Império do Meio.
O poder que os líderes da República Popular exercem sobre o regime angolano é tal que em diversas ocasiões a guarda presidencial foi destacada para proteger os trabalhadores chineses da fúria dos angolanos comuns.
Nova Cidade de Kilamba
O regime de Luanda tenta legitimar-se através de grandes obras, tais como a cidade de Kilamba, construída de raiz pelos chineses para depois ficar completamente vazia durante anos.
O angolano comum não tinha, e continua sem ter, capacidade económica para comprar imobiliário novo, especialmente com muitos dos novos empregos a serem entregues aos colonos chineses.
A qualidade dos empreendimentos é geralmente de péssima qualidade, e o Governo Angolano sabe-o, mas finge ignorá-lo. Um caso caricato foi quando o Hospital Geral de Luanda teve de ser evacuado por ter começado a entrar em colapso.
Era um edifício novo, construído em 2006 por um custo de oito milhões de dólares, mas teve de ser demolido em 2012, apenas seis anos depois da sua inauguração.
Não é raro as estradas feitas pelos chineses simplesmente serem arrastadas pela chuva e também não é incomum escolas novas caírem aos bocados enquanto que as velhas escolas coloniais portugueses vão resistindo ao teste do tempo.
Hoje, estima-se que haja entre 250 mil e meio milhão de colonos chineses em Angola, mas há quem pense que seja um milhão, o equivalente à população portuguesa que foi selvaticamente expulsa da antiga Província Ultramarina.
Apoiados pelo regime, muitos já começaram a assumir o papel que os portugueses em tempo tiveram, passando de trabalhadores das obras a agentes de imobiliário, retalhistas e donos de lojas (sim, as “lojas dos chineses” também já proliferam em Angola). Só os quadros superiores continuam a ser ocupados por europeus, visto os chineses não terem um excedente de mão-de-obra qualificada.
O povo angolano, esse, apesar de promessas de libertação, é hoje muito menos livre do que quando era governado por Lisboa. E a China prepara-se para apertar o seu domínio.
Punho imperial
Angola está a enfrentar uma crise severa, fruto da quebra dos preços do petróleo: 95% das exportações angolanas são petróleo. Ainda o ano estava a começar e já não havia dólares em Angola. A TAP anunciou que os cancelamentos de reservas eram de tal magnitude que os aviões da linha Luanda-Lisboa estavam a voar quase vazios.
A crise adensa-se de tal forma que o Ministério do Comércio de Angola anunciou na semana passada a proibição da importação de 27 produtos alimentares, nomeadamente óleo, açúcar, ovos, carne e peixe – curiosamente, tudo produtos que Angola tinha em grande quantidade e exportava enquanto viveu sob administração portuguesa.

Os chineses não perderam tempo em aproveitar a nova oportunidade de cerrar o seu punho sobre o seu novo domínio imperial. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, já tinha ido a Angola em Maio do ano passado assinar um acordo de fornecimento preferencial de petróleo, recebendo o regime angolano, em troca, milhares de milhões de dólares em empréstimos estatais. Agora, a elite angolana terá de aceitar mais condições caso queira que o dinheiro chinês continue a mantê-la no poder.
Dos ocidentais não poderá esperar tal ajuda: embora nem sempre com as melhores intenções, já é tradição as potências ocidentais exigirem reformas políticas e sociais em troca de apoios, algo em que o actual regime não está disposto a ceder. Minérios industriais e raros, petróleo e um potencial agrícola tremendo: Angola tem tudo isto e a China quer a sua parte.
O cerco aperta-se e será nos monopólios que a República Popular poderá manter Angola firmemente sob controlo. Já existem casos de empresas chinesas de construção sem capacidade para fazerem as obras que lhes são contratadas, no entanto são empresas bem ligadas ao escritório da presidência de Angola e ao comité central de Pequim.
Não é invulgar empresas como o “Fundo Internacional da China” ficarem com quase todos os contratos e depois subcontratarem outras empresas, ocasionalmente até empresas portuguesas, para fazerem o trabalho, ficando os chineses com a maior fatia dos lucros.
Estagnação
Pouco do que está a ser feito reverterá em benefício do povo angolano. Nas últimas décadas de presença portuguesa em Angola, assistiu-se a uma gigantesca obra de desenvolvimento que resultou na melhoria das condições de vida deste povo, através da sua integração na sociedade pluricontinental lusitana: construção de escolas e hospitais, lançamento de uma vasta rede de estradas e ferrovias, remodelação dos portos, modernização da agricultura e fomento da indústria transformaram Angola num dos mais prósperos países da África Austral nos anos 70.
A preparação de elites locais para a governação autónoma foi outra das preocupações da administração ultramarina portuguesa, que se reflectiu na formação de quadros superiores locais e na criação de empregos relativamente bem remunerados.
Muitos dos líderes pós-independência tinham beneficiado de formação académica portuguesa, muitas vezes gratuita – mas este aspecto “politicamente inconveniente” é geralmente escondido nos compêndios de História.
A produção económica da Província Ultramarina crescia de ano para ano: em 1973, segundo um relatório do Banco Mundial, Angola tinha cinco milhões de habitantes e um Produto Nacional Bruto (os PIBs só começaram a ser contabilizados mais tarde) de 2,7 mil milhões de dólares, valor comparável com alguns países europeus. Em termos de PNB per capita, era o território mais rico do continente africano a seguir à África do Sul.
Em 1973, Angola era o quarto maior produtor do mundo de café. Não havia fome, até havia comida suficiente para se exportar. Um relatório norte-americano de 1973 avançava mesmo com a previsão de que em 2000 o país, possivelmente nessa altura já autónomo ou mesmo até independente de Portugal, seria um dos territórios mais ricos do mundo, uma “Austrália” lusitana. Infelizmente, todos sabemos o rumo que Angola tomou após 1975.
O actual governo de Luanda, esse, está a aprender bem com os chineses. A cada ano que passa a fachada de democracia desmorona-se um pouco mais: a “clique” no poder já percebeu que pode manter a ditadura e a opressão caso consiga providenciar taxas de crescimento elevadas e riqueza para quem interessa. Os comunistas chineses fazem o mesmo no seu país.
No processo, o povo ganha muito pouco. A mobilidade social é quase inexistente, sendo que as elites continuam elites e os pobres continuam pobres. Os empregos de qualidade são entregues a estrangeiros, e os empregos não qualificados, mas que poderiam ser o ganha-pão de muitas famílias, são entregues aos milhares de colonos chineses.
Os lucros da exploração de petróleo estão concentrados numa pequena elite e são exportados para a China.
A bandeira do Império do Meio pode não flutuar nos edifícios de Estado, mas Angola é hoje uma colónia, mais do que em algum outro momento do seu passado.
 Jornal O Diabo

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