Há quem ainda pense que a colonização de África acabou no século XX. Errado. Um novo colosso ascendente precisa de recursos para alimentar as suas indústrias e o seu povo, mercados para escoar os seus produtos e território para instalar o seu excedente populacional. O sol está a nascer no Império Colonial da República Popular da China.
Declarou-se, arrogantemente, o “fim da História” no Ocidente. Tudo aquilo
que a nova ordem liberal declarou unilateralmente como “progresso” tinha sido
cumprido, ou estava, aos seus olhos, a ser cumprido.
O comunismo havia sido derrubado e os países que tinham composto o bloco
soviético estavam em processo de democratização. A chamada “descolonização”,
iniciada logo após a Segunda Guerra Mundial, estava prestes a ser concluída com
a entrega de Macau aos chineses.
Um dos “erros” da nossa História que a esquerda, especialmente a esquerda
“chic”, considera particularmente horrendo é o passado colonial europeu – uma
visão com que tenta doutrinar as novas gerações através de uma ofensiva de
revisionismo histórico. Em Lisboa, junto aos Jerónimos, por muito pouco não
apagaram os símbolos históricos do Império Português em 2014.
Nos manuais escolares “politicamente correctos”, os impérios ultramarinos
são descritos como “exploradores” e “cruéis”, omitindo-se propositadamente o
outro lado da História, o papel benéfico que as velhas metrópoles também
desempenharam: Medicina e inoculação contra doenças, língua comum, estradas e
caminhos-de-ferro, agricultura moderna, foram apenas alguns dos benefícios da
civilização moderna que os europeus introduziram em África.
Vazio de poder
Como a História foi revista, nunca é explicado aos jovens que, a partir da
descolonização, forçada pelos EUA e pela URSS, o retrocesso civilizacional em
África foi significativo. Os europeus saíram de forma tão apressada que não
tiveram tempo de deixar estruturas de poder para criar Estados organizados
locais. Ainda para mais, quase todos os quadros qualificados eram europeus
brancos, os mesmos que os americanos exigiam que saíssem imediatamente de
África.
O resultado foi um vazio de poder com resultados desastrosos. O continente
viu-se envolvido em sangrentas guerras fratricidas em que já morreram mais
pessoas do que nas duas Guerras Mundiais juntas. Epidemias varreram um
continente onde os hospitais deixaram de funcionar. O Ébola é apenas uma das
horrendas doenças que lavram vidas sem controlo.
A infra-estrutura criada pelos países
europeus também foi arrasada. Só hoje, e ainda com grandes dificuldades, é que
as ferrovias em Angola recomeçaram a funcionar depois do seu desmantelamento
durante o caos de 1975.
Para substituir os governos europeus foram instalados, pelos americanos e
pelos soviéticos, regimes nativos mas autoritários, fora da lei, cruéis e
criminosos. Procederam à pilhagem dos recursos de alguns dos países mais ricos
do planeta apenas para o ganho de uma pequena elite. Nada diferente dos
múltiplos reinos africanos que vendiam os seus próprios habitantes aos europeus
para serem tornados escravos.
Os chineses olharam para este continente varrido pelo caos e viram uma
oportunidade. Os africanos iam precisar de reconstruir tudo aquilo que foi
destruído durante as guerras do século XX e a China estava pronta para assumir
o papel de potência imperial. Mas, desta vez, sem as considerações humanistas
que os europeus tiveram.
Colonos chineses
Nos últimos tempos tornaram-se correntes, em programas de rádio (o mais
popular meio de comunicação em África), as queixas de ouvintes desesperados
porque as suas mulheres fugiram com colonos chineses com dinheiro.
Numa só década, um milhão de chineses estabeleceu-se em África – e estes
são apenas os números “oficiais”, se é que há algo oficialmente oficial naquele
continente. Alguns especialistas consideram que o numero real é muito mais
elevado, algo entre dois e dez milhões de colonos, e estima-se que nos próximos
anos muitos mais cheguem.
Estes colonos são a vanguarda de um programa chinês para diminuir o
desemprego na própria China. A maioria são camponeses sem dinheiro cuja escolha
de vida se resume a colonizar África ou a ir trabalhar horários desumanos nas
horrendas fábricas chinesas.
Muitos outros não têm sequer opção: são pequenos criminosos, sem-abrigo ou
órfãos e o Estado prefere colocá-los à força num avião com destino a África,
para se livrar deles.
Os povos locais, geralmente, não aceitam bem esta invasão cultural, mas não
têm escolha: os regimes que nasceram da “descolonização” adoram os seus novos
mestres coloniais.
A China já é o maior parceiro comercial do continente africano, com quem
troca anualmente 160 mil milhões só em bens, mais do que o comércio deste
continente com os Estados Unidos, a França e o Japão juntos.
O governo chinês pouco ou nada quer saber dos povos locais, e Pequim é um
especialista em negociações Estado com Estado. A corrupção é um dado adquirido
e fomentado e, enchendo os bolsos a alguns líderes locais, os chineses
conseguem lucrativos tratados desiguais em que lhes são concedido monopólios
artificiais.
Estes colonos são a vanguarda de um programa chinês para diminuir o
desemprego na própria China. A maioria são camponeses sem dinheiro cuja escolha
de vida se resume a colonizar África ou a ir trabalhar horários desumanos nas
horrendas fábricas chinesas. Muitos outros não têm sequer opção: são pequenos
criminosos, sem-abrigo ou órfãos e o Estado prefere colocá-los à força num
avião com destino a África, para se livrar deles.
Os povos locais, geralmente, não aceitam bem esta invasão cultural, mas não
têm escolha: os regimes que nasceram da “descolonização” adoram os seus novos
mestres coloniais.
A China já é o maior parceiro comercial do continente africano, com quem
troca anualmente 160 mil milhões só em bens, mais do que o comércio deste
continente com os Estados Unidos, a França e o Japão juntos.
O governo chinês pouco ou nada quer saber dos povos locais, e Pequim é um
especialista em negociações Estado com Estado. A corrupção é um dado adquirido
e fomentado e, enchendo os bolsos a alguns líderes locais, os chineses
conseguem lucrativos tratados desiguais em que lhes são concedido monopólios
artificiais.
Construção na
Maianga
No sector da construção nota-se a força da China. Milhares de edifícios e
estradas são construídos todos os anos por mão-de-obra chinesa, com material
industrial importado, financiado por bancos estatais chineses.
Um antigo governador do Banco Central Nigeriano considerou mesmo que a
África se está a abrir a uma “nova forma de imperialismo” em que a China se
aproveita de mercados cativos para exportar os seus produtos, isto enquanto
explora os recursos do continente para seu benefício.
A produção agrícola é de especial preocupação para o Império chinês. Os
excessos da industrialização destruíram grande parte da fertilidade dos campos
agrícolas chineses e a República Popular procura comprar novos campos em África
para os seus colonos produzirem comida para alimentar a metrópole. O Império
também quer garantir o controlo das necessárias matérias-primas que alimentam a
gigantesca máquina industrial da China.
O Ministros dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, disse há duas
semanas que a China “não ia seguir o velho caminho dos colonizadores
ocidentais”, mas, no entanto, as políticas seguidas por Pequim são quase uma
cópia do imperialismo europeu. Durante muito tempo os ocidentais não governaram
directamente os seus vastos domínios imperiais, preferindo assumir uma posição
de suserania sobre os governantes nativos.
Portugal apenas assumiu controlo absoluto sobre toda a administração do seu
território e dos habitantes já nos anos 40. Na Índia Britânica, os marajás dos
principados indianos continuaram a governar os seus territórios até à
proclamação da república naquele país.
Os chineses, tal como os europeus em tempos já idos, pouco interesse têm na
forma que os regimes locais assumem. Democracia ou regime autoritário? Pouco
importa, desde que consigam controlar os países através da corrupção que está
entranhada em todos os níveis da sociedade africana.
Angola chinesa
O “marajá” de Angola é o presidente José Eduardo dos Santos, rodeado pela
sua pequena “clique” de fiéis seguidores. O líder de Angola, cuja permanência
no poder se parece eternizar, é um leal vassalo do poder chinês. Angola é mesmo
um dos países que mais investimento recebe do Império do Meio.
O poder que os líderes da República Popular exercem sobre o regime angolano
é tal que em diversas ocasiões a guarda presidencial foi destacada para
proteger os trabalhadores chineses da fúria dos angolanos comuns.
Nova Cidade de Kilamba
O regime de Luanda tenta legitimar-se através de grandes obras, tais como a
cidade de Kilamba, construída de raiz pelos chineses para depois ficar
completamente vazia durante anos.
O angolano comum não tinha, e continua sem ter, capacidade económica para
comprar imobiliário novo, especialmente com muitos dos novos empregos a serem
entregues aos colonos chineses.
A qualidade dos empreendimentos é geralmente de péssima qualidade, e o
Governo Angolano sabe-o, mas finge ignorá-lo. Um caso caricato foi quando o
Hospital Geral de Luanda teve de ser evacuado por ter começado a entrar em
colapso.
Era um edifício novo, construído em 2006 por um custo de oito milhões de
dólares, mas teve de ser demolido em 2012, apenas seis anos depois da sua
inauguração.
Não é raro as estradas feitas pelos chineses simplesmente serem arrastadas
pela chuva e também não é incomum escolas novas caírem aos bocados enquanto que
as velhas escolas coloniais portugueses vão resistindo ao teste do tempo.
Hoje, estima-se que haja entre 250 mil e meio milhão de colonos chineses em
Angola, mas há quem pense que seja um milhão, o equivalente à população
portuguesa que foi selvaticamente expulsa da antiga Província Ultramarina.
Apoiados pelo regime, muitos já começaram a assumir o papel que os
portugueses em tempo tiveram, passando de trabalhadores das obras a agentes de
imobiliário, retalhistas e donos de lojas (sim, as “lojas dos chineses” também
já proliferam em Angola). Só os quadros superiores continuam a ser ocupados por
europeus, visto os chineses não terem um excedente de mão-de-obra qualificada.
O povo angolano, esse, apesar de promessas de libertação, é hoje muito
menos livre do que quando era governado por Lisboa. E a China prepara-se para
apertar o seu domínio.
Punho imperial
Angola está a enfrentar uma crise severa, fruto da quebra dos preços do
petróleo: 95% das exportações angolanas são petróleo. Ainda o ano estava a
começar e já não havia dólares em Angola. A TAP anunciou que os cancelamentos
de reservas eram de tal magnitude que os aviões da linha Luanda-Lisboa estavam
a voar quase vazios.
A crise adensa-se de tal forma que o Ministério do Comércio de Angola
anunciou na semana passada a proibição da importação de 27 produtos
alimentares, nomeadamente óleo, açúcar, ovos, carne e peixe – curiosamente,
tudo produtos que Angola tinha em grande quantidade e exportava enquanto viveu
sob administração portuguesa.
Os chineses não perderam tempo em
aproveitar a nova oportunidade de cerrar o seu punho sobre o seu novo domínio
imperial. O primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, já tinha ido a Angola em Maio
do ano passado assinar um acordo de fornecimento preferencial de petróleo,
recebendo o regime angolano, em troca, milhares de milhões de dólares em
empréstimos estatais. Agora, a elite angolana terá de aceitar mais condições
caso queira que o dinheiro chinês continue a mantê-la no poder.
Dos ocidentais não poderá esperar tal ajuda: embora nem sempre com as
melhores intenções, já é tradição as potências ocidentais exigirem reformas
políticas e sociais em troca de apoios, algo em que o actual regime não está
disposto a ceder. Minérios industriais e raros, petróleo e um potencial
agrícola tremendo: Angola tem tudo isto e a China quer a sua parte.
O cerco aperta-se e será nos monopólios que a República Popular poderá
manter Angola firmemente sob controlo. Já existem casos de empresas chinesas de
construção sem capacidade para fazerem as obras que lhes são contratadas, no
entanto são empresas bem ligadas ao escritório da presidência de Angola e ao
comité central de Pequim.
Não é invulgar empresas como o “Fundo Internacional da China” ficarem com
quase todos os contratos e depois subcontratarem outras empresas,
ocasionalmente até empresas portuguesas, para fazerem o trabalho, ficando os
chineses com a maior fatia dos lucros.
Estagnação
Pouco do que está a ser feito reverterá em benefício do povo angolano. Nas
últimas décadas de presença portuguesa em Angola, assistiu-se a uma gigantesca
obra de desenvolvimento que resultou na melhoria das condições de vida deste
povo, através da sua integração na sociedade pluricontinental lusitana:
construção de escolas e hospitais, lançamento de uma vasta rede de estradas e
ferrovias, remodelação dos portos, modernização da agricultura e fomento da
indústria transformaram Angola num dos mais prósperos países da África Austral
nos anos 70.
A preparação de elites locais para a governação autónoma foi outra das
preocupações da administração ultramarina portuguesa, que se reflectiu na
formação de quadros superiores locais e na criação de empregos relativamente
bem remunerados.
Muitos dos líderes pós-independência tinham beneficiado de formação académica
portuguesa, muitas vezes gratuita – mas este aspecto “politicamente
inconveniente” é geralmente escondido nos compêndios de História.
A produção económica da Província Ultramarina crescia de ano para ano: em
1973, segundo um relatório do Banco Mundial, Angola tinha cinco milhões de
habitantes e um Produto Nacional Bruto (os PIBs só começaram a ser
contabilizados mais tarde) de 2,7 mil milhões de dólares, valor comparável com
alguns países europeus. Em termos de PNB per capita, era o território mais rico
do continente africano a seguir à África do Sul.
Em 1973, Angola era o quarto maior produtor do mundo de café. Não havia
fome, até havia comida suficiente para se exportar. Um relatório
norte-americano de 1973 avançava mesmo com a previsão de que em 2000 o país,
possivelmente nessa altura já autónomo ou mesmo até independente de Portugal,
seria um dos territórios mais ricos do mundo, uma “Austrália” lusitana.
Infelizmente, todos sabemos o rumo que Angola tomou após 1975.
O actual governo de Luanda, esse, está a aprender bem com os chineses. A
cada ano que passa a fachada de democracia desmorona-se um pouco mais: a
“clique” no poder já percebeu que pode manter a ditadura e a opressão caso
consiga providenciar taxas de crescimento elevadas e riqueza para quem
interessa. Os comunistas chineses fazem o mesmo no seu país.
No processo, o povo ganha muito pouco. A mobilidade social é quase
inexistente, sendo que as elites continuam elites e os pobres continuam pobres.
Os empregos de qualidade são entregues a estrangeiros, e os empregos não
qualificados, mas que poderiam ser o ganha-pão de muitas famílias, são
entregues aos milhares de colonos chineses.
Os lucros da exploração de petróleo estão concentrados numa pequena elite e
são exportados para a China.
A bandeira do Império do Meio pode não flutuar nos edifícios de Estado, mas
Angola é hoje uma colónia, mais do que em algum outro momento do seu passado.
Jornal O Diabo
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