quinta-feira, 5 de abril de 2018

Miguelismo: errâncias e destino - Parte 1


Nos antecedentes do que ora reivindicam os movimentos tradicionalistas em Portugal encontramos o miguelismo, tão próximo ao espírito popular reivindicativo das suas tradições e liberdades, como consolidado na inteligência dos homens que com brilho entenderam os erros da revolução e as insuficiências do liberalismo. Não foi exagero de Oliveira Martins quando concluía que D. Miguel era a “genuína expressão do Portugal Velho”, entendendo o carácter messiânico do movimento, apenas comparável com o Sebastianismo (aguardando o retorno do rei desejado), nem seria exagerado extrair elementos ideológicos e políticos que o definem enquanto particularismo de uma ideia genuinamente portuguesa e constantemente revivido na sua vertente popular e tradicional.
Na verdade, o miguelismo, foi tudo isso, e contra os ventos da revolução vez deflagrar o estandarte da tradição (leia-se, da tradição portuguesa) sob o lema: Deus, Pátria e Rei. O mesmo Oliveira Martins primeiramente invocado, historiador que geracionalmente integrava o pessimismo face ao regime liberal, escreve no seu livro “Portugal Contemporâneo”, que, D.Miguel, foi “o último monarca que o povo amou e compreendeu”. Não exagerava: D. Miguel foi, talvez, o último mito português, a última crença viva no espírito do povo.
Ao apresentar um simples diagrama dos acontecimentos não é demais lembrar a diferença que o separa do congénere espanhol (carlismo), pois a contra-revolução, em Portugal, era poder, D. Miguel ocupava o estado, enquanto que D. Carlos, em Espanha, lutava para ocupar o estado. Tal não reduz as afinidades entre ambos os movimentos, conquanto revele diferenças estratégicas de afirmação política.
A rebelião miguelista desestrutura-se após Évora-Monte (mas não desaparece), protagonizando ainda momentos determinantes, como o Remexido, espírito audaz que na plenitude da derrota ainda logra avançar no sul do reino atemorizando o liberalismo triunfante. Derrotado e, num julgamento muito polémico e contraditório, condenado à morte, torna-se mártir e ídolo da contra-revolução. Não obstante, o miguelismo, deixou também pensadores de mérito e prosadores de primeira linha, saliente-se um economista como José Acúrcio das Neves, um prosador de craveira como o padre Agostinho de Macedo, historiadores como o 2ºVisconde de Santarém, incansáveis doutrinadores como José Ribeiro Saraiva e Gama e Castro, ou poetas como João de Lemos (o Trovador).
Ao longo da década de 40 conhecem-se alguns sucessos e reivindicações do miguelismo, contudo prejudicado pela ausência de uma liderança verdadeiramente congregadora, infelizmente, a falta de organização do movimento miguelista determinará a sua dispersão. Ademais, quantas vezes aliados a forças contraditórias, recordando o pacto entre setembristas e miguelistas, aquando da Patuleia, justificando que interessava o que os unia (o ódio à Carta Constitucional e ao governo de Costa Cabral) e não o que os separava (i.e., a contra-revolução e a revolução).
Na revolta da Maria da Fonte também encontramos esse espírito, o padre José Casimiro Vieira, guerrilheiro miguelista acicatado da mais inflamada prosa, é o orador por excelência do povo amordaçado pelas políticas de Lisboa. Este elemento popular interessa entender, porque o miguelismo mais do que uma doutrina foi uma força que teve no povo o móbil de actuação.
(continua)

Causa Tradicionalista



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