quinta-feira, 5 de abril de 2018

Miguelismo: errâncias e destino - Parte 2



Dentro deste entendimento apresenta-se também a fragilidade da contra-revolução: ao miguelismo faltava unidade, uma certeza elementar que o conde de Barbacena, então chefe miguelista, procurará suprir. Em 1847, aproveitando o momento eleitoral, os miguelistas reorganizam as estruturas locais para o combate político, no fundo, querem suportar-se no próprio sistema liberal para o confrontar.
Os miguelistas estão, neste tempo, divididos, entre os que querem prosseguir a luta armada e a insubmissão face ao regime liberal, denominados “saraivistas”; e aqueles que procuram continuar o combate, mas dentro das estruturas do regime, denominados “urneiros”. No primeiro plano, encontramos o doutrinador e voz inconfundível da resistência contra-revolucionária, António Ribeiro Saraiva (que oferece o nome aos seguidores), eminência parda do miguelismo (servira D.Miguel durante a guerra) e, desde a derrota, e até ao dia da sua morte (aos 90 anos), exilado em Londres, onde continua o combate político. O próprio designa-se como um “miguelista dos 4 costados”, o que, de facto, o caracteriza bem. No segundo plano encontramos aqueles denominados de “urneiros”, onde emerge a figura carismática de Caetano Beirão, médico ilustre e professor de medicina, orador exímio, um moderado que procura uma via conciliatória.
Ocorre que os “urneiros”, assim chamados por concorrerem ás eleições parlamentares integrando-se, ainda que de forma contestatária, dentro do regime liberal, sempre foram olhados com desconfiança pela facção mais insubmissa do miguelismo (“saraivistas”), que não via espaço para qualquer aliança com o regime da Carta. Os urneiros eram da opinião de que, a Carta Constitucional, permitiria as reformas necessárias para adaptar o regime liberal aos princípios que propugnavam, talvez aqui nem residisse uma diferença muito substancial do que os legitimistas franceses prosseguiam, e, até mesmo, como um legitimista Chateaubriand, não deixava de antever como necessário. A verdade é que Caetano Beirão, voz cimeira do partido Legitimista, consegue lugar no parlamento, sentando-se, justamente, na sua extrema-direita.
Mas, o facto, de os miguelistas, terem de prestar juramento à rainha D.Maria II, e ás instituições liberais, quando ocupavam os lugares de deputados, ou mesmo para manter os empregos públicos, não deixava de ser singular, ou mesmo insólito, pois estavam a jurar fidelidade a uma dinastia, e a um regime, que, na teoria e no plano dos princípios, não reconheciam. Residia aqui a ineliminável contradição e que levantará polémica arrenhida entre os miguelistas portugueses. O ecletismo das posições levava certos miguelistas a defender que bastava a rainha ser sobrinha de D.Miguel para não terem com ela qualquer animosidade, o que, de facto, constituía uma declaração suspeita para o grosso dos miguelistas cientes da sua posição política e do que ela significava.
Lembro que, nesse mesmo período, José Martiniano Vieira, outro ilustre defensor da legitimidade de D.Miguel, escrevia no jornal miguelista “O Povo” sobre a necessidade da criação do “partido constitucional velho português, independente da pessoa do príncipe”, justificando que “todo o realista é verdadeiramente constitucional”, entendendo “constitucional” como defensor das antigas constituições históricas do reino, e concluía que o nome “miguelista invoca idolatrias e em Portugal não há idolatras”, preferindo a designação “legitimista”. Assim, a partir dos anos 40, estes “urneiros” preferem a designação “legitimistas”. Acreditam que, assim, melhor defendem os negócios públicos. Ao mesmo tempo, entendem que, se desempenharem um bom papel na tribuna parlamentar, conseguirão o apoio do povo.
Nunca maioritário, mas nem por isso menos simbólico, o partido legitimista deu nomes ilustres: de Caetano Beirão, médico e ilustre professor de medicina, a Carlos Zeferino Pinto Coelho, destacado advogado que no Parlamento acossado pelo jacobinismo liberal defendeu os direitos da Igreja e a defesa do catolicismo.
Quanto aos jornais legitimistas, nunca conheceram maior durabilidade, sublinhando-se, todavia, o exemplo do jornal “A Nação” (1847-1915) que teve um contributo importante e muitas vezes decisivo na luta política e mais: foi a plataforma que manteve o diálogo entre os miguelistas, quantas vezes divididos.
Com todas as desventuras, com todos os sucessos e insucessos, o miguelismo nunca realmente desapareceu, mas deixou-se amordaçar pelas próprias circunstâncias. Foi uma destruição extrínseca, provocada pelo triunfo dos liberais, e foi uma destruição intrínseca, provocada pelas errâncias e desvairos que os próprios se acometeram.

(continua)

(*na imagem: dois miguelistas dissonantes, esq.: Caetano Maria da Silva Ferreira Beirão (destacado "urneiro" e parlamentar miguelistas exímio); dir.: António Ribeiro Saraiva, exilado em Londres desde a vitória liberal e destacado líder dos miguelistas exilados e dos insubmissos face à Carta, os seus seguidores são designados "saraivistas")


Causa Tradicionalista



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