terça-feira, 30 de outubro de 2012

Para quê mudar se está tudo bem?



Eis o passo de mágica de Mario Draghi ao anunciar o OMT (Outright Monetary Transactions) em Setembro:

"Caso os países peçam resgate, poderemos comprar toda a dívida soberana que for necessário."

E pronto, para a maioria dos investidores, continuar a deter obrigações soberanas de países problemáticos, como Portugal, Espanha e Itália deixou de ser assim tão problemático. Aliás, certamente que muitos fundos de investimento viram a oportunidade e enterraram lá o seu dinheiro.

Só com a Grécia é que o "barro já não cola". Porquê? Porque é reconhecido por todos que a Grécia está insolvente, ao contrário dos restantes países, que (ainda) se julga que estão apenas com problemas de liquidez.

Todos os investidores que estão a enfiar o seu dinheiro em obrigações soberanas portuguesas, espanholas, italianas, e mais algumas, parece-me que não estão a ver bem o filme. Passo a explicar:

Desde que Draghi lançou o LTRO 1 e 2 em Dezembro 2011, temos assistido a uma certa inversão nos preços e nas yields das várias obrigações soberanas.
Mas não foi logo assim em todos os países. Espanha e Itália só se juntaram a este comboio depois de Draghi ter anunciado que tudo iria fazer para manter o Euro, em inícios de Agosto; e foi já em Setembro, ao afirmar que iria comprar toda a dívida que fosse necessária, que o pessoal acalmou os nervos e lá manteve os ativos no seu portfolio.

Hoje há um sentimento de maior segurança em relação a estas dívidas, não porque os países estão a sair da recessão e a equilibrar as suas contas, bem antes pelo contrário, mas porque o BCE patrocina tudo o que for preciso. Com este regime gigantesco de incentivos, que a mim muito me surpreendeu, sobretudo devido ao volte-face da Merkel e seus acólitos depois do Verão, o abismo para já não mora aqui.

Mas o problema é que o gato deixou o rabo de fora:
Os indicadores económicos e financeiros destes países continuam a deteriorar-se, e objetivamente falando, não se vê nem ferramentas nem energia suficientes para corrigir tais desequilíbrios. Como escrevemos anteriormente, em toda a zona euro, para se criarem 132 mil milhões de euros em riqueza, foi necessário gerar 400 mil milhões de euros em dívida. O pouco crescimento que há continua totalmente alavancado em emissão de nova dívida.

Para já, os bancos e fundos de investimento vão ganhando dinheiro com a aquisição destas obrigações, na medida em que se a yield desce, tal significa que o preço da obrigação está subindo, reforçando o ativo do banco e respetivos rácios.

Mas um dia haverá em que, como já se fala na Grécia, se percebe com a maior das evidências que com tão pouco crescimento económico e tanta dívida acumulada, o país torna-se uma prisão financeira, sem energia para amortizar capital e pagar juros.
Aí vem mais uma bancarrota, e quando os alarmes soarem, volta outra vez tudo a querer vender o lixo tóxico que possui no seu portfolio, que outrora eram obrigações que fortaleciam o ativo do banco.

Este é o ciclo mortífero dos bancos, que eu apelidei em tempos num post do Contas:
1. Aquisição de obrigações soberanas
2. Rendem yield e fortalecem o ativo do banco por estarem a subir de valor
3. O banco compra ainda mais dívida para se fortalecer e usar como colateral junto do BCE para se endividar ainda mais.
4. No dia que as obrigações começam a ser despejadas no mercado (já aconteceu tantas vezes no passado recente, que até custa a acreditar que se estão a enfiar novamente na toca do lobo, mas enfim.) desmorona-se novamente o edifício, ficando novamente os bancos sem liquidez, e no limiar da falência.
5. Lá tem o BCE que intervir novamente através da impressão de moeda para segurar os cordelinhos e não deixar que vá tudo abaixo.

É a dicotomia que já tantas vezes referi entre o decidir fácil JÁ e o difícil algures DEPOIS; e o seu contrário.
Assim percebe-se porque é que o ser humano está sempre a meter-se em alhadas, mesmo que estas lhe tenham acontecido exatamente da mesma forma há muito pouco tempo.
É que se as circunstâncias se repetirem, como está novamente a acontecer, parece que deixamos de ter vontade de aprender com os erros cometidos recentemente já que tais ensinamentos obrigam-nos a decidir de forma difícil JÁ e fácil DEPOIS.
E isso é... uma chatice.

Tiago Mestre

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