quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Um país sem Rei nem Roque II

(Via Corta-Fitas)

O velho país a morrer

por José Mendonça da Cruz, em 08.10.14
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Habituámo-nos até há bem pouco tempo a tomar por bons os mitos que a comunicação social, os agentes políticos, e os salões da elite construiram: que havia umas quantas figuras realmente notáveis, notoriamente geniais que reflectiam a modernização do país. Era uma mentira baixa e danosa.
É que, hélas!, o BES faliu, arrastando a riqueza que o grupo tinha na saúde, na agricultura, no turismo, nos seguros; e, hélas!, a PT vive os últimos dias antes de desaparecer sob a denominação estrangeira que lhe aporá quem a quiser comprar.
São perdas graves. Mas o que me ocupa hoje -- ao abrigo de um título tão optimista, porque pressupõe uma crença na renovação -- não é o descalabro económico, nem a devastação financeira de BES e PT. O que me assombra é o lado humano, primeiro, e o lado político depois.
O que me assombra é que atrás do rosto impenetrável de Ricardo Salgado, onde supunhamos frieza, capacidade de decisão, génio na gestão dos interesses do grupo, afinal vimos a descobrir frivolidade, incompetência, mediocridade. Afinal, o grupo que «era dono disto tudo» não passava de um edifício frágil alicerçado em laços políticos obscuros, gestão amiguista, comércio de interesses opacos e bastante cupidez.
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O que me assombra é que Henrique Granadeiro, a «eminência parda de tudo», saíu pela esquerda baixa, dizendo, fundamentalmente, que nada sabia; e que Zeinal Bava, o homem que toda a comunicação social persistentemente celebrou como génio da gestão, se demitiu -- suponho que antes que o demitissem -- deixando reduzido a irrelevância e cacos o suposto «gigante das telecomunicações». Afinal, a PT era uma construção débil que começou a abanar quando pôs os pés no estrangeiro, e ruiu logo que as regras a que ficou sujeito passaram a ser cristalinas e implacáveis.
Um, o BES, morreu porque deixou de ter o único ambiente em que podia respirar: o ambiente dos assaltos a bancos, o ambiente das OPAs travadas por conspiração, o ambiente do empréstimo para esconder défice e dívida, o ambiente do «investimento» leonino e fácil que a ruína no futuro há-de pagar, o ambiente do dinheiro que «aparece sempre». A outra, a PT, vai morrer porque deixou o ambiente de compromissos e investimentos dúbios em que florescia, o carinho e o silencio protector que sempre defenderam esse grande empregador de amigos e parentes políticos, e foi definhar no mercado, onde só triunfam os competentes.
Ambos morrem, em resumo, porque lhes faltou o país velho, do pântano e dos negócios em surdina, dos arranjos e do esfregão público para a mediocridade privada. Morreram, portanto, porque o país está melhor.
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Eu não tenho dúvidas, não tenho dúvidas de espécie alguma, de que os socialistas hão-de acusar este governo da falência de BES e de PT. Mário Soares já explicou, a propósito do BES, que não é assim que se trata um banco, que «ele» -- referindo-se a Salgado com a elegância habitual -- «ele», quando «ele» falasse é que havia de se ver. E não tenho dúvidas de que se Ricardo Salgado tivesse tido por interlocutor, em vez de Passos Coelho, António Costa, os 2,5 mil milhões que foi pedir teriam «aparecido», porque, como diz Soares, com os socialistas o nosso dinheiro «aparece» sempre.
O velho país a morrer, escrevi eu no título... Mas estará? Em 2015 havemos de tirar a prova dos nove. É claro que os membros da nossa pobre elite, reunidos nos seus pobres salões, poderão sempre preferir mais um messias, porque está bem à mesa, é inteligente a discutir, diz boas graças a propósito e não vive em Massamá -- tudo na ilusão de que o messias os reconhecerá mais tarde . E é claro que os eleitores podem sempre optar pelos socialistas, pelos grandes reaccionários contemporâneos, que querem viver numa Europa que já não há, alimentados por esmolas que ninguém já quer dar, recusando as reformas sem as quais não há riqueza nem modernização -- tudo na ilusão de que a consequência irremediável será outra que não a preservação do velho ambiente político e económico, da sobrevivência precária e apagada no presente (é verdade que com o enriquecimento de alguns), e, no futuro, da deflagração de outros BES, outras PTs, e da bancarrota, em pior.


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