quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Em defesa da secessão escocesa

360523_scot-flag.jpg
No dia 18 de Setembro, os residentes da Escócia votarão em um referendo pela independência em relação ao Reino Unido, após meses de intenso debate político entre as campanhas do Sim e do Não.

O problema é que, além dos inevitáveis argumentos emocionais e alheios à razão, até mesmo as declarações apresentadas como de natureza puramente económica ou financeira não estão se baseando em fatos correto ou em análises sólidas.  O Partido Nacional da Escócia está recorrendo a argumentos puramente emocionais ao passo que todo o establishment em Westminster recorre à táctica do medo: a Escócia deve se manter dependente dos repasses de Londres, pois a alternativa da liberdade e da responsabilidade é pior.

Não há nenhum motivo para se afirmar com absoluta convicção que 5 milhões de escoceses não estarão em melhor situação caso o país se torne uma nação independente.  Agora, é claro que a transição não será indolor.  Boa parte dos escoceses terá de abrir mão dos subsídios e dos repasses assistencialistas, e encarar a nova realidade.  Se fizerem a coisa certa, se adoptaram políticas sensatas, a diáspora escocesa — vários escoceses já fugiram das paisagens socialistas e provincianas do país em busca de mercados mais livres em outras nações — acabará e os emigrantes voltarão.

Caso saia do Reino Unido, a Escócia irá criar sua própria constituição.  O país poderia aproveitar essa nova constituição para fornecer, de maneira mais clara e resoluta, uma maior protecção aos direitos de propriedade, ao mesmo tempo em que garantiria por lei a redução do escopo e da amplitude da intervenção política na área económica.  Seu próprio sistema jurídico já fornece à Escócia uma vantagem nesse processo. 

No que mais, contrariamente às ameaças de Westminster sobre não permitir que o país continue utilizando a libra esterlina, absolutamente nada impede que a Escócia independente adopte um sistema de Currency Board ancorando a nova moeda à libra esterlina ou ao euro.  O Currency Board é um sistema que, quando correctamente  implantado, impõe grandes restrições à capacidade do governo de fazer expansões monetárias, garantindo grande estabilidade à nova moeda.  A recompensa por essa medida seria que a Escócia se tornaria um país de moeda confiável e robusta, podendo se tornar um entreposto comercial por seus próprios méritos.

Essa é a fórmula básica por trás do sucesso de Hong Kong.  Vale lembrar que Hong Kong estava em frangalhos após a ocupação japonesa em 1945, e emergiu dos escombros para se tornar a economia mais livre do mundo, e uma das mais ricas em termos per capita.  Os obstáculos superados foram muito maiores que os que a Escócia terá de enfrentar.  Logo, não há motivos (de uma perspectiva puramente económica) para afirmar que a Escócia não pode se tornar um retumbante sucesso caso se torne independente.  O segredo está na adopção de um livre mercado, na rejeição da intervenção estatal, e na garantia de segurança jurídica. 

Infelizmente, a maioria dos eleitores escoceses enxerga a situação por um prisma bem distinto.  Mesmo os defensores da secessão acreditam que o petróleo do Mar do Norte será suficiente para manter tudo como está caso ocorra a independência, e que as receitas de petróleo e uísque pagarão as pensões e os programas assistencialistas.  Mesmo uma boa parte dos secessionistas anseia por uma maior socialização dos meios de produção, fornecendo um lustre intelectual para a maioria não-pensante que simplesmente quer ganhar mais em troca de menos esforço.  Mas a independência significa abrir mão da segurança e do proteccionismo fornecidos pela União, além dos subsídios propiciados pelos impostos pagos pelos ingleses.

Segundo as estatísticas publicadas pelo Tesouro britânico, os gastos governamentais com serviços públicos na Escócia chegaram a £10.152 per capita em 2013.  Enquanto isso, a média do Reino Unido foi de £8.788.  Diga isso a uma família escocesa de quatro pessoas e tente convencê-la quanto à secessão.  Igualmente, o total de empregados no sector público na Escócia é de 22,1% da população total empregada.  Na Inglaterra, esse percentual é de 18,8%.  Essa dependência também terá de ser revista.  Diga isso aos 566.300 funcionários públicos escoceses, cuja maioria dos salários é repassada directa ou indirectamente por Westminster.

Muito tem sido falado sobre as dificuldades da separação, e os problemas certamente existem.  A ameaça sobre a proibição da libra já foi mencionada, e há também a pendência sobre qual fatia da dívida pública do Reino Unido terá de ser arcada pela Escócia independente.  Mas nada disso é novidade para o governo britânico, que já fez vários acordos financeiros com uma diversa gama de países recém-independentes que saíram do Império Britânico.  Não obstante as ameaças de políticos londrinos, o processo não tem de ser difícil ou complicado.

Bancos e grandes empresas com sede na Escócia já ameaçaram sair do país.  No que tange à localização das sedes, isso é realmente pouco importante em um mundo globalizado.  Já a indústria pode facilmente ser estimulada a permanecer na Escócia por meio de um sistema tributário mais amigável e com impostos mais baixos  Se os defensores da secessão estiverem correctos quando afirmam que a Escócia poderá negociar sua permanência na União Europeia, então a Escócia poderá desempenhar a mesma função que Hong Kong desempenha no território chinês.

As ameaças de Westminster são um mero jogo de cena politiqueiro, e uma negação de tudo que é possível de ser alcançado caso a Escócia adopte um livre mercado.  Por outro lado, o establishment político de Edimburgo é tão despreparado, que nem sabe como responder aos desafios económicos formulados por Londres.  Os políticos escoceses pró-independência nem sequer mencionaram um Currency Board como resposta à ameaça da exclusão da libra esterlina.

Como escocês, gostaria muito de ver o país se tornar livre, não obstante a total ausência de um plano económico realista.  A independência libertaria a Escócia da tirania económica dos subsídios da Inglaterra, e a nação finalmente seria forçada a adoptar mercados mais livres e a viver de acordo com seus próprios meios.  Essas condições são os pré-requisitos mais básicos para que o país alcance o indubitável potencial económico que sempre lhe foi negado como membro dependente da União. 

No entanto, creio já ser quase certo que os escoceses irão rejeitar e optar por se manter dependentes dos repasses de Londres, pois a alternativa da liberdade e da responsabilidade é pior.

Alasdair Macleod


4 comentários:

LV disse...

Caro Vivendi,

Excelente escolha para dar o mote para hipótese tão rara de uma secessão na Europa. Parabéns por trazer à nossa consideração as palavras de A. Macleod.
Mesmo se o texto contempla aspectos (preocupantes para quem contemple o panorama da Liberdade, mas possíveis) que podem indiciar que a secessão até pode vir a ser apenas uma troca de soberanos...
Pode dizer-me onde está o original em Inglês?
Obrigado, mais uma vez.
Saudações,
LV

Vivendi disse...

Caro LV,

http://bastiat.mises.org/2014/08/a-free-market-case-for-independence-lets-make-scotland-like-hong-kong/


Abraço.

majoMo disse...

As aparências iludem:

Aquilo a que se assiste na Escócia e na Catalunha, mas igualmente na Bélgica, na Córsega e em Itália é - aceitemos de barato - uma prodigiosa obra de engenharia que visa partir os Estados existentes, desagregá-los para, sobre os cacos, inventar a unidade e decretar a cidadania europeia. Só não vê quem não quer.

LV disse...

Vivendi,

Obrigado.

majoMo,

Mas seguindo esse raciocínio, não podemos concluir pela impossibilidade de um super-estado? Não estariam disponíveis as comunidades mais pequenas digamos assim, em defender-se face a esse super-estado? A menos que ele se preparasse para a guerra e tomasse pela força essas comunidades.
Mas espere… não estão os estados-ainda-existentes (EUA e Espanha, por exemplo) a fazer isso mesmo, a tornar as suas forças policiais em corpos para-militares? Upps se calhar já lá estamos e nem demos por isso.

Saudações,
LV