quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Igreja e Estado


 Por José Manuel Moreira,

A Igreja nunca entendeu a natureza do Estado e não parece ter aprendido nada dos excessos estatais do século passado, que continuam no século XXI.

Não deixa de ser estranho ver como a sociedade que apagou o Menino para iluminar o Pai Natal é a mesma que agora se louva na Exortação de Francisco contra "esta economia que mata". Daí os elogios à luta contra a nova tirania invisível de mercado divinizado, que constaria de um programa de governo do Papa.

Mesmo entendido como sendo de evangelização, nota-se que o texto - ao contrário da "Centesimus annus" - sofre de debilidades económicas e políticas. A impressão com que se fica desta Exortação, tal como já acontecia com a Encíclica "Caritas in veritate", que comemora a nefasta "Populorum progressio" de Paulo VI, é que a Igreja nunca entendeu a natureza do Estado e não parece ter aprendido nada dos excessos estatais do século passado, que continuam no século XXI. Sinal disso é a ênfase na "autonomia absoluta dos mercados", que associa à especulação, corrupção e evasão fiscal egoísta, e mistura com apelos ao poder político para pôr fim a uma economia de exclusão e desigualdade. Só com este afear se entende o "temos que ser contra uma confiança vaga e ingénua na bondade do poder económico", sem que igual prudência seja tida com o poder político.

Um dualismo que é consequência da concepção moderna da Igreja e do Estado como sociedades perfeitas. Doutrina que ajuda a explicar quer a rápida aceitação do Estado quer o assumir-se como providência, e até como o destino da humanidade.

O que levou ao acentuar da confusão entre solidariedade como virtude e como sentimento: sem se cuidar de ver quanto este tipo de solidariedade imposta se organiza burocraticamente à custa do orçamento do Estado, dando azo a todo o tipo de abusos, fraudes e corrupções. Uma confusão que está bem patente na entrevista do presidente da Cáritas, Eugénio Fonseca, à TSF e DN, ao lamentar, num país com peso do Estado superior a 50%, as consequências da economia liberal e do neoliberalismo. Entrevista que, admito, seja só representativa de uma parte da Igreja incapaz de ver que o combate à pobreza é a indústria que mais dinheiro dá aos governantes: daí o esforço para que não acabe. Será que a Igreja se sente bem como serventuária das mesas misericordiosas desta indústria?

Como se compreende que Domingos de Soto (1494-1560), apoiando-se em Santo Agostinho, tenha visto que "os vícios dos comerciantes não são próprios do comércio, mas das pessoas que o exercem"? E que hoje, 460 anos depois, uma parte importante da Igreja continue incapaz de distinguir - tanto no mercado económico como político - entre as regras de jogo e os jogadores? Distinção que Francisco acarinha ao invés: "A ideologia marxista está equivocada, mas na minha vida conheci muitos marxistas boas pessoas". Deus queira que o Papa, que gosta muito de conversar, não acabe, nas mãos dos media, como capa que vende bem...

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