When the shit hits the fan
É esta a expressão que me ocorre quando vou lendo aqui e acolá as notícias da fuga da família Espírito Santo às armadilhas que foi deixando nas suas empresas, incluindo o BES...
A situação é verdadeiramente ridícula porque à medida que vão saindo, vão dizendo à imprensa que é para dar condições à nova administração para se instalar e começar a trabalhar. Bullshit
Eles querem sair porque a merda é tanta e as soluções/aldrabices financeiras e jurídicas há muito que se esgotaram. Já não dá para enganar mais com o dinheiro dos outros. Era preciso entrarem com o dinheiro, se é que o têm, da família, e que a existir mesmo, andará escondido algures. Mas isso nem pensar, até porque de certeza que não iria chegar.
O caso do BES e dos seus prejuízos acumulados é já um clássico.
Com o advento do crédito barato em Portugal surgiu uma mina de ouro para os bancos, em que pediam emprestado ao estrangeiro a 3% com maturidades de 10 anos e vendiam esse mesmo dinheiro ao Zé e ao Manel para comprarem cada um o seu apartamento, com juros de 5% e maturidades de 30 ou 40 anos.
Era perfeito, porque este mecanismo, ao contrário do arrendamento, imprimia na mente do comprador a sensação de ser "dono" do seu apartamento. Passava agora a ser proprietário, subindo na escala social. Falei com várias pessoas sobre esta falsa questão e a opinião era unânime: "A casa vai ser minha", diziam eles.
Pata os bancos, pedir dinheiro era acessível, e emprestá-lo ao tuga mais ainda. Não faltavam clientes. Os lucros foram crescendo, crescendo e neste ponto há que fazer a pergunta mais incómoda a um empresário, que é:
O que fazer com os lucros?
A pergunta tem rasteira porque qualquer empresário sabe que os lucros, ou pelo menos parte, devem-se guardar para quando o sol se esconde por uns tempos, mas a tentação do curto prazo diz-lhe que deve gastar já. E foi isso que foram fazendo.
Tudo isto corria sobre rodas até 2008, quando os bancos americanos mais incautos começaram a não receber as prestações do John e do Joe. Uns faliram e outros não, mas a sua condição era toda igual:
Muita dívida contraída, muito crédito concedido e pouco capital próprio para fazer face a dias mais turbulentos. Bastava que os seus ativos (crédito concedido) tivessem uma perda de 1 ou 2 % e o banco entrava em falência. Porquê? Porque o seu capital social era 1% do total dos seus ativos. É ridículo mas foi assim.
Em Portugal não se fugiu à regra americana e europeia, e entre 2002 e 2008 não houve limites para o disparate, estando o BES à frente de todo este esquema de ganhar dinheiro endividando brutalmente o seu balanço sem reforçar na mesma proporção o capital próprio com os lucros gerados.
Se a crise só durasse um ano ou dois, haveria espaço para esconder daqui e tapar de acolá, na esperança que logo a seguir a economia recuperasse e os negócios voltassem ao mesmo índice de rentabilidade.
Mas não. 2008 foi mau, 2009 muito mau, 2010 foi bom, mas entre 2011 e 2014 a coisa foi péssima. Foram não sei quantos trimestres seguidos de queda do PIB.
Para um banco com a dimensão do BES e respetivos negócios da família, uma quebra destas sente-se na sua atividade. Não têm como escapar. Se houvesse muito capital próprio, poder-se-ia ir compensando os prejuízos com esse tesouro. Mas na família, se há tesouro, está escondido, porque o que aparece nas notícias é só dívida e mais dívida.
Os azares foram caindo em catadupa:
Primeiro foi a quebra da economia em 2008,
Depois foi a crise das dívidas soberanas da periferia em 2010, em que a juntar à recessão veio a queda do rating da dívida pública e dos ativos dos bancos.
As ações caíram imenso, colocando a capitalização bolsista em mínimos,
Toda a dívida que os bancos precisavam de contrair quase diariamente para fazer o roll-over de dívida que vencia tornou-se demasiado cara,
E para juntar a tudo isto, milhares e milhares de milhões de € de crédito delinquente, dinheiro que precisavam de receber todos os meses do Zé e do Manel para poderem pagarem às instituições estrangeiras a quem ficaram a dever.
Enfim, uma bola de neve difícil de controlar.
No caso do BES e da família Espírito Santo, com tanta ramificação e tanto negócio a gravitar na família, era de esperar até há pouco tempo que toda essa robustez empresarial ajudasse o BES em momentos mais conturbados. Foi ao contrário. Pelos vistos essas empresas endividaram-se até aos cabelos para se meterem em negócios que afinal andam a dar pouco ou nenhum lucro. Afinal, nas empresas da família também não há tesouro nenhum. Só há dívida.
Com toda esta lenga-lenga acho difícil o BES sair incólume de toda esta trapalhada dos negócios da família Espírito Santo. Eventualmente teremos que ser nós, contribuintes, a blindar o BES com um plano congeminado pelo governo, obviamente assente num qualquer mecanismo europeu de emissão de dívida. Não deveria ser assim, mas não vejo qualquer sinal de coragem política para deixar o BES cair por ele.
Vitor Bento, economista reputado, e recém nomeado manda-chuva do BES, faz-me lembrar Cadilhe no BPN, com a diferença que o Bento tem (ainda) o beneplácito de todos enquanto que o Cadilhe foi chutado por Teixeira dos Santos no dia da nacionalização do BPN.
Mas com isso não quero dizer que Bento esteja numa posição melhor, antes pelo contrário, porque em breve irá deparar-se com problemas morais bem complicados. É que se ele vem dizer a verdade tal e qual como ela é, os investidores poderão muito bem fazer umas contas e perceber que só com intervenção estatal é que a instituição se segura. E aí preferem sair a tempo e não perder mais dinheiro. Bento torna-se incompetente.
Se Bento começa a mentir ou a omitir buracos negros que mais cedo ou mais tarde se irão revelar, quer ele queira quer não, passará por aldrabão e também por incompetente.
Há uma terceira via, que se chama Carlos Costa do BdP. Todos os buracos negros são comunicados ao BdP, e Carlos Costa, tomando real consciência do tumor que o banco é, começa a fazer os preparativos para uma nacionalização soft, sempre pela calada. Mas isto só acontecerá se os políticos aceitarem, o que não será fácil, sobretudo se o plano exigir mais dívida em nome dos portugueses.
E Carlos Costa acaba a sua carreira no BdP manchado de incompetência por não ter visto esta calamidade a tempo.
Com tudo isto, já os ES se livraram do BES, da ESFG, da Rioforte e sei lá que mais, vivendo do tesouro escondido/sacado às empresas desde o início da década de 80.
Estão de parabéns porque souberam extirpar até à última gota de sangue aquilo que as empresas e os negócios lhes puderam proporcionar, adaptando-se às muitas benesses que os governos lhes iam proporcionando, desde a enxurrada dos fundos europeus até ao advento do crédito barato. Foram 30 anos sempre a ganhar. Mas isto não dura sempre, e como qualquer outra empresa que vai à falência, deveriam estar agora a sofrer as agruras dessa coisa terrível.
Mas não, vão saindo a pouco e pouco, ainda ontem foi o comandante Ricciardi (dá vontade de rir a imprensa escrever mesmo a palavra comandante)
Estão de parabéns sobretudo por terem criado uma instituição too big to fail.
Tiago Mestre
6 comentários:
Julgo que em lugar de Catroga queria dizer Cadilhe.
Boa analise.
O CARLOS COSTA ESTA NO BANCO DESDE 2012 E FICA MANCHADA A REPUTAÇÃO?????????????????????????ENTÃO NAO FOI ELE E ESTE PRIMEIRO MINISTRO QUE PELA 1 VEZ NA HISTORIA DE PORTUGAL ONDE OS INTERESSES DE FAMILIAS NAO SE VÃO IMPOR AO ESTADO
Caro Dudu, desculpa-me a imprecisão. Obrigado pelo reparo.
Onde diz Carlos Costa Incompetente, seria talvez o VP do ECB?
;)
Excelente análise, Tiago!
Mantenham a CALMA ESCRAVOS... E continuem a CONSUMIR, com recurso ao CRÉDITO (dívida) PREFERENCIALMENTE.
Caso contrário o SISTEMA COLAPSA e vocês morrem!
E isto até que é divertido...
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