quinta-feira, 5 de abril de 2018

Miguelismo: errâncias e destino - Parte 3



(da guerra civil a Salazar) 

Chegada a República não há vestígios de permanência miguelista. Pelo menos enquanto movimento organizado. Enquanto que os Carlistas em Espanha permanecem activos e, quantas vezes, encontrando no povo o móbil da sua acção e, no espírito tradicional de regiões como a Catalunha, um verdadeiro repositório de contra-revolução, pois, em Portugal, o miguelismo vai-se dissipando, o espírito de luta, a missão de cruzada, a permanência regionalista enquanto guardiões da tradição, ou constituindo uma subcultura que fizesse frente à ideologia liberal, essa tendência, no final do século XIX, já quase não se encontra, apenas de forma relativa, ou apenas circunstancialmente, em jornais efémeros, em polémicas, grandemente entre os movimentos católicos que são a salvaguarda do espírito legitimista.
De resto, sobrevivem poucos nomes que guardam o espírito de resistência que aos mais novos nem sempre atrai, pois, uma nova força política vinha atiçar a luta contra o constitucionalismo da Carta: o republicanismo. Ainda que o republicanismo mais não fosse do que uma evolução consequente do regime liberal e os próprios políticos liberais, desligados do culto monárquico, preferiam definir o regime como “uma república com um rei”. O passo do constitucionalismo liberal, com o rei, para o constitucionalismo liberal, republicano, foi mínimo.
O grande milagre foi, sem dúvida, o Integralismo Lusitano, que, a partir de 1915 vai reunir a juventude decepcionada quer com a república, quer com os monárquicos constitucionalistas, novamente devolvendo a vida à literatura miguelista e contra-revolucionária. Mas, ainda assim, o Integralismo ficou longe do ensejo, preso ao discurso erudito e académico, nunca desceu às bases, não se constituiu enquanto movimento que conseguisse novamente reafirmar na sociedade a presença contra-revolucionária. Mas devemos aplaudir o esforço e a frontalidade com que arriscaram quantas vezes a vida e a carreira. Para todos os efeitos, o legado das ideias integralistas permanece como força para combater os erros do liberalismo revolucionário. E, se não constituiu uma força de massas, pelo menos constituiu uma força na inteligência. Tão pouco seria o ensejo alargar à força multitudinária este projecto, pois as maiorias, dominadas pelas paixões mais irracionais e tendentes à pouca percepção, levariam certamente à degenerescência dos princípios.
O salazarismo vingaria depois o vazio da contra-revolução. Com o Estado Novo, e com a Constituição de 1933, demolir-se-á definitivamente o regime liberal, à boa maneira portuguesa: por decreto. Pois que os movimentos políticos em Portugal actuam de cima para baixo, primeiro cabe conquistar o Estado e, só depois, procedem ás reformas, quantas vezes perpetradas de forma violenta, confundindo a necessidade da reforma com a revolução.
Depois de Mouzinho, Salazar, terá sido dos mais incansáveis legisladores, conquanto em sentido contrário: Mouzinho legislara pela revolução, enquanto que Salazar, fazendo jus ao famoso dito de Joseph de Maistre, não fará simplesmente a revolução contrária, mas verdadeiramente o “contrário de uma revolução”.
Em 1933 Salazar consuma o que os miguelistas não conseguiram cem anos antes, em 1834, destruir a “hidra revolucionária”, e consolidar-se no estado, embora com todas as dissonâncias, e todas as errâncias de um “Portugal velho”, que separam o salazarismo e o miguelismo. O certo, é que depois da constituição de 1933, ainda que formalmente adaptando os modelos anteriores e ainda que conservando o que, depois da revolução, era impossível reverter, pois que soube adaptar e dotar de novo fôlego aquele corpo defunto do constitucionalismo, uma "ideia nova", como escrevia João do Ameal, em suma, a "revolução da ordem". Foi a contra-revolução adaptada ao século e verdadeiramente a reacção, no sentido de reagir frontalmente e decididamente contra o avanço de forças quantas vezes mais destrutivas no mundo moderno.
Independentemente das dissonâncias e críticas possivelmente legítimas (como Hipólito Raposo e Almeida Braga atacaram), ainda assim, com o Estado Novo, o mundo do constitucionalismo liberal e da revolução ficará por quase meio-século subterrado.

(Fim)


Causa Tradicionalista


1 comentário:

Anónimo disse...

Gostando de ser 'advogado do diabo', pergunto-me, e pergunto, se os miguelistas com cabecinha não se terão aplicado a norma de 'alias-te a eles'.
Manobrando 'com eles' chegaram até à altura, à ocasião, segura de 'acabar com eles'.
O seu post não me contradiz, creio.