quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A dita dura

Em reunião do Conselho de Ministros, ouvi-lhe um dia, estas palavras: 

«Há quem diga que sou ditador, mas não é verdade. Cumprir escrupulosamente a lei e integrar-me no seu espírito é minha preocupação permanente... Nem sequer me permiti, alguma vez, alterar ou revogar qualquer despacho de um Ministro, por mais que dele discordasse. Não tenho para tanto poderes legais, nem os quero, e duvido que, nos outros países, os Chefes do Governo se privem dessa faculdade. Quando não concordo com a orientação geral de um Ministro só me resta propor a sua exoneração ao Chefe do Estado».

Recorde-se que, ao tempo, nenhum decreto-lei poderia ser enviado para promulgação do Presidente da República e publicado no «Diário do Governo», sem que todos os Ministros o subscrevessem - prática que foi posta de parte logo que Salazar deixou de ser o Presidente do Conselho.

Anoto ainda que, como deputado, e mesmo quando simultaneamente presidia à Comissão Executiva da União Nacional, sempre na Assembleia Nacional, votei de acordo com os meus pontos de vista, e não raro tomei posições contrárias às do Governo, no plenário, e nas Comissões Parlamentares, sem que me fossem feitos quaisquer reparos.

Esta prerrogativa essencial, possível num regime apartidário, não o é num regime de partido único (não confundir, como é frequente, estes dois tipos diferenciados de regimes), nem tão-pouco num regime de partidos, o que se me afigura inadmissível quando penso na liberdade que os deputados devem ter para votarem sempre, e só, de acordo com o seu parecer e a sua consciência.

Hábil, realista, pragmático por conta e medida, sem nunca pôr em causa os valores essenciais da Constituição, Salazar sempre se empenhou na busca de soluções de equilíbrio e estabilidade. Daí a configuração pluralista dos seus governos, que integravam, por sistema, personalidades de formações e tendências ideológicas diversas ou mesmo alheias da política ou a esta avessas. E, quase sempre, eram minoria os ministros que se identificavam com o seu pensamento político, e mais raros ainda os filiados na União Nacional. Salazar sabia que a política era não só a arte do possível, mas também a de interessar e responsabilizar os homens e os grupos sociais no projecto político, em ordem a dar-lhe mais alargado consenso e maiores probabilidades de êxito.


Henrique Veiga Macedo aqui


1 comentário:

Anónimo disse...

Porquê esta tentativa quase diária de branquear o antigo regime?
O salazarismo é uma ditadura, ponto final, podia não ser das piores é certo. O Homem morreu pobre, mas não podemos esquecer as perseguições a quem não apoiava o sistema. O salazarismo está morto e bem morto, não volta mais.