«O crédito "neoliberal" possibilitado pelo euro passou a ser a primeira
ferramenta dos governos socialistas, do keynesianismo alcatroado e do
Estado social. Guterres e Sócrates não reduziram a função pública e
também recusaram qualquer reforma no sistema de pensões, porque tinham à
mão o tal crédito "neoliberal". É por isso que é tão absurda a falácia
dos últimos anos. Não, não há um abismo entre Estado social e mercados,
porque o Estado social é o maior cliente das praças financeiras;
sem os mercados, os salários da função pública seriam infinitamente
mais pequenos porque dependeriam apenas da nossa receita fiscal. Neste
momento, os cortes austeros são necessários porque são a única forma de
travarmos esta dependência extrema dos merca- dos e a perpetuação-do
endividamento. É assim tão difícil compreender isto? A austeridade não é
a defesa dos merca- dos, é o oposto, é a negação do Estado viciado no
crédito. Por outras palavras, Sócrates e Guterres, e não Gaspar, é que
são os verdadeiros "neoliberais" desta história. Aqueles que gritam
"queremos as nossas vidas de volta" é que são os principais aliados do
"capitalismo de casino".
Mas, como relembra Vítor Gaspar, a
governação não foi a única culpada. As famílias começaram a consumir
importações com dinheiro que não tinham, isto é, pediram crédito aos
bancos portugueses, que, por sua vez, pediram crédito aos bancos
estrangeiros porque a taxa de poupança de Portugal desceu para os 10%
negativos ao ano. Resultado? Numa década, a dívida externa passou de 64%
para 230% do PIB. A ausência do mercado de arrendamento e a inevitável
compra de casa através do banco só reforçou esta tendência suicida. E as
empresas? Viciaram-se no consumo interno e no keynesianismo alcatroado,
deixando de lado as exportações. Em consequência, acumulámos um défice
externo brutal. Tendo em conta este cenário, Vítor Gaspar relembra que
Portugal só tinha dois caminhos em 2011: ou fazíamos um ajustamento em
câmara lenta com a troika ou tínhamos uma bancarrota abrupta; ou
empobrecíamos uns pontos percentuais dentro do euro ou conhecíamos o
terror argentino no regresso ao escudo.»
Henrique Raposo, «Gaspar tem razão», no Expresso
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