terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O submergente Brasil

Uma das passagens mais memoráveis dos últimos anos foi quando eu ouvi, em uma entrevista para uma rede de televisão inglesa, determinado operador de mercado metendo a língua entre os dentes. "Goldman Sachs's rules de world" - ele disse. Que coisa! O espanto! Os jornalistas seguraram o fôlego preenchendo seus pulmões com aquele ar seco de estúdio fechado. Aquilo havia sido uma grande revelação; como assim um banco comandava o mundo? E a liga das nações, a comunidade européia, Otan, ONU, FMI, o raio que o parta? Uma entidade PRIVADA comandando o mundo? Que coisa horrorosa! 

Tenho certeza que ele disse isso por falta de tempo, pois sabia que a sua janela de entrevista seria curta, mas, se pudesse desenvolver, com certeza a sua ideia seria: Existe um pequeno grupo com mais de oitenta por cento do capital circulando no mundo em suas mãos que ditam as regras. E as regras são antigas, elaboradas e muito bem sacramentadas desde a época dos Rothschild's e todo aquele que quiser ir de encontro ao que se exibe no teatro será lançado para fora, rumo ao picadeiro. 

Os países ricos não são ricos porque nasceram assim. Se tornaram ricos após séculos de uma estrutura social, cultural, mercantil, filosófica e, principalmente, comercial muito bem definidas. Eles criaram o mundo que enxergamos e determinaram como deveria ocorrer o dia a dia, do nascimento ao por do sol, do ônibus que você pega ao almoço que consome, do jornal nacional que assiste a novela que exibe o beijo gay. Tudo é controlado por uma enorme mão invisível chamada capital. E tem sido assim desde sempre. 

O que ocorreu nos últimos dez anos é que um evento chamado SUPER CICLO DAS COMMODITIES proporcionou a países terceiro mundistas - como o Brasil e Índia - determinado grau de evidência após anos com crescimento acima um dígito alto. Estes cresceram, pleitearam, gritaram: "O mundo não é só Estados Unidos e mais uma dúzia! O mundo está aqui! Nós somos o futuro!" - lembro como se fosse hoje quando os BRICS - hoje five fragiles - se reuniram para criar uma moeda nova, alternativa ao Dólar e ao Euro, para que pudessem transacionar com uma pecúnia MAIS SEGURA do que essa droga que havia se tornado a moeda primeiro mundista. Todos estavam adorando isso. Lembro, inclusive, que um político havia falado que o Real seria a moeda mais forte do mundo, após o episódio da Marolinha, do Banco do Brasil e tudo mais. 

O fato é que o Brasil não é livre. Longe disso. Eu adoro quando as pessoas comentam que países como a Suécia, Finlândia e Islândia são exemplos de mercados planificados que deram certo. Todos esses países possuem um mercado mais capitalista que o Brasil. Todos! Nós só ficamos atrás da Coréia do Norte, Venezuela, Argentina e mais umas republiquetas da antiga união soviética. Somos, das 10 maiores economias do mundo, a mais fechada e de longe; de muito longe! 

O fato é que a água baixou e quem estava nú mostrou a pistolinha de fora. O ciclo de commodities acabou, duas crises ocorreram - na verdade uma só, pois, na minha opinião, a crise européia foi uma exportação da sub-prime dos EUA para o resto do mundo, em mais uma jogada genial dos Americanos - e todo mundo retraiu. Sentaram-se nas cadeiras, viram os bônus baixarem e disseram: "Espera ai, que droga é essa de países do futuro que nem trem possui? Que país do futuro é esse que possui uma malha viária equiparada a dos anos 50 dos EUA?". Pois bem. O capital foi embora. 

O que os "donos da bola" - nesse enorme jogo - estão fazendo não é nada mais do que dizerem: "Ah, é? São grandinhos? Vamos ver como se saem, agora". Retiram o dinheiro, o mercado mingua, revela a nossa essência: Bananeiros rudes, traficantes de pau Brasil, eternos índios e tudo mais. Só falta o arco e a flecha. Tudo que conseguimos com esses anos de "prosperidade" aplicamos em consumo. Zero em infraestrutura ou reformas necessárias. Foi tudo para tanque, máquina de lavar, televisão de LCD e casa de reboco. 

Nossa poderosa classe média? Meu Deus, parem com isso. São empregadas domésticas, porteiros, vendedores de sapato, barbeiros que tiveram crédito em suas mãos em juros menores e parcelas infinitas. A grande maioria - 85% deles, de acordo com uma pesquisa da folha - sequer faz qualquer tipo de controle de orçamento. DANÇAM FUNK, pelo amor de Deus. É isso que levará o nosso país a um futuro retumbante? 

O Brasil sempre foi o melhor país do mundo para se ganhar dinheiro, se você está de fora. O que farão agora é, simplesmente, repetir a cena. Baterão no país até que ele caia de joelhos, sem dinheiro, ou melhor, de quatro, lambendo o chão pedindo pela volta do capital. Aumentaremos os juros até 12.50% ainda em 2014, na tentativa de convencê-los de que estamos arrependidos, de que aprendemos que o nosso lugar é na cozinha, de onde jamais deveríamos ter saído sem antes aprendermos a usar os talheres. E, por incrível que pareça, ainda baterão mais um pouco, apenas para termos consciência do castigo. 

Com as costas marcadas, com a bolsa próxima do fundo dos fundos, com as Estatais valendo 1/3 do que valiam há apenas meia década, falarão: "Beleza, vamos voltar" e comprarão tudo lá embaixo. Veremos inúmeros modelos de "concessões" surgindo e sendo arrematada pelos investidores de fora. Agradeceremos, com nossos poucos dentes, pelo retorno dos comandantes, porque, capitão, só lá de fora, mesmo. A história provou que o Brasil é terra de marujo, onde todos dizem saber aonde fica o norte, mas ninguém sabe usar uma bússola. 

E o mundo volta a sua normalidade.



Ícaro Carvalho



1 comentário:

Anónimo disse...

O texto é o retrato de um qualquer país neste Planeta, pois todos os países neste planeta usam o mesmo sistema monetário, com as mesmas regras...

A única parte que me deixou surpreso foi a afirmação "E tem sido assim desde sempre"... Desde sempre, quando? Da teoria do grande estoiro? Desde que a subespécie Homo sapiens sapiens surgiu?