quinta-feira, 10 de abril de 2014

Diarreia monetária no Japão


Japoneses açambarcam detergentes e papel higiénico devido a aumento de impostos
Ao fim de 17 anos, o IVA aumentou 60% no Japão, passando de uma taxa de 5% para 8%. Os japoneses estão preocupados com o aumento dos transportes e aproveitaram as últimas horas para encher os depósitos e comprar roupa e alimentos em quantidade.
Na última semana, os japoneses "esvaziaram literalmente as prateleiras de papel higiénico e produtos de limpeza nos supermercados", conta ao Expresso o brasileiro Rómulo Ehalt, locutor e tradutor no serviço de notícias em português transmitido pela "NHK World", estação pública do Japão que emite em 18 línguas.
O aumento [previamente anunciado] do IVA, de 5% para 8%, ditou este açambarcamento de produtos. A preocupação de armazenar papel higiénico e detergentes remonta aos hábitos que surgiram no país durante a crise do petróleo da década de 1970.
"Na altura, havia boatos de que o papel higiénico e detergentes seriam os bens mais afetados pela falta de petróleo. A escassez destes produtos voltou a acontecer quando o IVA foi instaurado em 1989, com uma taxa de 3%, ao subir para 5% em 1997 e nos últimos dias", com a subida para 8%, diz Rómulo Ehalt.
O primeiro aumento do IVA em 17 anos provocou nova corrida aos supermercados. "Quando fui às compras, as marcas mais populares de papel higiénico e produtos de limpeza estavam esgotadas e as filas para comprar bilhetes de comboio e metro antes do aumento, a 31 de março, eram bastante longas", acrescenta Rómulo.

Japoneses estão profundamente desencantados
Este brasileiro de 31 anos viveu pela primeira vez no Japão em 2003. Saiu e regressou em 2006. " Pelo que conversei com amigos japoneses, a insatisfação com este aumento é clara. A população está profundamente decepcionada com o sistema político."
Eric Johnston, autor de um artigo no "Japan Times" sobre o aumento do IVA, disse ao Expresso que "as pessoas estão resignadas e conformadas". "Não são esperadas manifestações" de protesto, até porque desde janeiro que estavam a comprar "produtos mais caros, onde a subida do imposto se sentiria mais".
Rómulo diz que, quando chegou ao Japão em 2003, "as bolsas do governo para universitários estrangeiros eram de cerca de 180 mil ienes [1263 euros] por mês". "Agora, depois de diversas revisões do sistema, os valores mais altos chegam a 145 mil ienes [1017 euros]  para estudantes do doutoramento. Só no fim deste mês é que vamos avaliar melhor o impacto deste aumento do IVA."
Tudo indica que Rómulo está no Japão para ficar. Casou e, além de trabalhar no serviço de rádio em português , prepara o doutoramento sobre as relações entre Portugal e o Japão nos séculos XVI a XVIII: "Atualmente investigo a escravatura de japoneses e chineses no Império Português".
Rómulo tem de fazer contas à vida. Vive na periferia, até porque um "apartamento com quarto e sala em Tóquio costuma ficar entre 60 mil a 90 mil ienes por mês, dependendo da localização". Metade da bolsa de Rómulo. Na maioria dos dias come em casa, mas ao sábado e domingo vai ao restaurante.

Pensionistas mais afetados
A viver há 35 anos em Osaka, o português Eduardo Mira Batista, disse ao Expresso que o sonho de muitos países seria "terem metade da crise económica do Japão", e acrescenta que as "camadas mais afetadas são, naturalmente, aquelas com menor poder económico e os pensionistas".
"Espera-se uma quebra num futuro próximo no consumo em geral, nas refeições fora, e nos produtos que não de primeira necessidade. Mas a médio e longo prazo não haverá grandes diferenças e em breve será business as usual", diz Eduardo Batista: "Pessoalmente, não farei grandes alterações no consumo da minha família".
Apesar deste testemunho otimista, os japoneses que vivem nas grandes cidades como Tóquio e Osaka temem uma subida de preços dos transportes por causa do aumento do IVA, de acordo com o "Japan Times".

A quebra no consumo vai sentir-se sobretudo nos "produtos eletrónicos, automóveis e férias nos estrangeiros", diz Eric Johnston ao Expresso. No "Japan Times", um jornal escrito em inglês, o jornalista referiu que a população queimou os últimos cartuxos nos últimos dias de março, "armazenando comida e roupa e enchendo os depósitos de combustível".


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