Não houve jornalista da esquerda (e os que o não eram calaram-se...) que não aproveitasse para denegrir Salazar falando sem conhecimento de causa mas repetindo invariavelmente os lugares-comuns postos a correr sobre ele na base da falsidade e da calúnia. O homem barrara durante quarenta anos o avanço do comunismo, não se conformara com abandonar as províncias do Ultramar português ao primeiro empurrão dos que as queriam transformar (como depois sucedeu) em trampolins de assalto ao chamado "Mundo ocidental", persistitu em sobrepor os interesses reais do povo que governava ao culto das abstracções ideológicas que vão infelicitando a Humanidade... Daí as iras, os ódios, os histerismos, as perfídias, os insultos que a sua figura e a sua acção provocaram em certos meios cada vez mais preponderantes na opinião que se publica.
Na crise de carácter em que soçobrou a sociedade portuguesa após o 25 de Abril de 1974 viu-se um espectáculo que, embora falho de ineditismo na História, não deixou de ser espantoso. Amigos da véspera apressaram-se a negar relações com os vencidos explicando a gaguejar que os contactos havidos tinham ocorrido mau grado deles, sem simpatia pelos chefes nem adesão às suas ideias. Discípulos fidelíssimos de outrora recusaram com vigor quaisquer vinculações aos que diziam antes serem seus mestres. Pessoas favorecidas por Salazar (que as houve e em grande número) clamaram contra a memória do benfeitor, declarando que tinha menosprezado méritos e serviços concedendo-lhes menos do que pretendiam, vítimas assim de tratamento injusto... Ninguém se atreveu - no ambiente das "mais amplas liberdades" em que toda a tolerância pelas ideias contrárias desapareceu - a arriscar uma palavra de tímida justiça no meio da torrente de odiosas mentiras jorrada sobre a memória do grande homem. Até para criticar os desmandos do presente era preciso começar por injuriar o passado. E ao verem o leão, não já moribundo, mas morto e bem morto, acorreram de toda a parte asnos, alguns que dantes orneavam de gozo ao receberem um complacente olhar dele, para despedirem seu par de coices bem puxado no inerte cadáver abandonado.
Fui amigo de Salazar e seu colaborador durante muitos anos. Num convívio tão demorado, com períodos de estreita colaboração, tivemos por vezes naturalíssimas divergências que não oculto, mas que por ele foram sempre aceites com tolerância e que mesmo quando o meu feitio assomadiço dos tempos da juventude lhe davam feição conflituosa nunca o levaram a atitudes radicais. O exemplo das nossas relações parece-me bem demonstrativo da personalidade de Salazar e por isso julgo útil dá-lo a conhecer sem ocultar aspectos que numa apologia talvez devessem ser silenciados. Porque o meu intento é revelar o homem tal como foi ou eu o vi e que, como todas as fraquezas inerentes à condição humana, é muito melhor do que surge na imagem deformada pelo ódio vesgo dos inimigos ou que a falta de informação das novas gerações e dos estrangeiros construiu sobre os lugares-comuns de uma campanha adversa.
Procuro também mostrar o estadista no seu tempo, inserido nas circunstâncias históricas a que teve de fazer face e rodeado pelos homens que com ele colaboraram e que seguiram, melhor ou pior, o seu pensamento e a sua acção ou para qualquer destas contribuíram.
Oliveira Salazar e Óscar Carmona |
Porque começa a ser tempo de conhecer e de tentar compreender Salazar e a sua época antes de julgá-los. Por esse mundo criou-se a lenda do "ditador Salazar". E ao acoimar-se o governante português de ditador, logo aos olhos de muita gente com o cérebro lavado por uma propaganda insistente surge a imagem do tirano, indiferente às leis, absorvente de todos os poderes, espezinhador de todos os direitos, dispondo com arbítrio e arrogância de tudo e de todos numa constante afirmação de posso, quero e mando.
Assim se criou ao seu governo a reputação de um regime sinistro, sufocando o País onde as pessoas viviam oprimidas nos seus anseios, vigiadas nos seus passos, ameaçadas nos seus actos, amordaçadas na expressão dos seus sentimentos e opiniões, sujeitas a prisão por dá cá aquela palha com o risco de serem torturadas por uma polícia cruel.
Como era diferente a realidade! Poucos períodos da histórica política portuguesa decorreram sob tão grande preocupação da legalidade por parte dos governantes como os da vigência da Constituição de 1933. A experiência anterior demonstrara a tendência dos portugueses para confundirem liberdade com anarquia e a facilidade com que a vontade da maioria era manipulada por pequenos grupos e facções partidárias. Em 1926 existia um profundo e vigoroso anseio nacional de modificação das instituições e dos costumes governativos. E aceitava-se como verdade apodíctica que seria necessário limitar o exercício de algumas liberdades públicas interessando directamente a poucos para garantir a plenitude do gozo das outras que a generalidade das pessoas queria possuir e até aí não tinha. Porque destas dependia a segurança individual, a possibilidade do trabalho fecundo, o progresso real do País, a efectiva convivência cívica, a almejada paz social. E tudo isto Salazar garantiu durante quase meio século, com serenidade e com prudência, à sombra das leis e com o regular funcionamento das instituições, usando embora da autoridade.
Guerra Civil de Espanha (1936-1939) |
Teria havido abusos da parte dos agentes da autoridade? Decerto que sim. Não conheço, porém, país ou regime que, no decorrer dos quarenta anos cobertos pelo governo de Salazar, anos de guerras quentes e frias, de revoluções, revoltas, conspirações e subversões, possa gabar-se de não ter conhecido abusos, e grandes, da autoridade ou da liberdade. Sim, também desmandos de liberdade, com avultada conta de vítimas e sequelas trágicas, como os da República espanhola - para não falar nas violências cometidas após a libertação de França ou com a queda do fascismo na Itália. O que se instaurou foi uma jurisprudência que perdoa e aplaude tudo quanto se passa desde que favoreça o que se julga ser a marcha progressista da História e condena em altos gritos, rasgando as vestes imaculadas da humanidade ofendida, aquilo que seja considerado ao arrepio do que convém.
Se não fosse o largo consenso em que se fundava o regime da Constituição de 1933, acaso teria sido possível mantê-lo durante quase meio século num pequeno País do extremo ocidente europeu, constantemente aberto à devassa indiscreta de todo o mundo e sujeito à influência das crises exteriores?
Quando após o 25 de Abril o atrevimento comunista quis impor-se ao País, o povo português soube repelir energicamente o totalitarismo marxista, mostrando com clareza que sabia o que queria. E era o mesmo povo que por diversas formas, incluindo o sufrágio livremente exercido, apoiara antes o regime cujo governo concebia a política como instrumento ao serviço do bem-estar da colectividade e não como jogo de egoísmos malabaristas em que, à sombra de bandeiras ideológicas alistadas em conluios internacionais, os partidos joguem aos dados as ambições de poderio.
Trata-se de um passado próximo. Mas que importa recordar, explicar, revivendo factos, ressuscitando personalidades, rectificando versões falsas ou tendenciosas. Porque esse passado está esquecido por muitos, é ignorado pela gente nova e está desfigurado, deturpado e vilipendiado pelo ódio de alguns».
Marcello Caetano («Minhas Memórias de Salazar»).
«Continuamos a gramar com uma das maiores falsificações jamais empreendidas em toda a história portuguesa, no âmbito da qual se procuram omitir os mais variados e hediondos crimes, traições e depredações perpetradas em nome da liberdade e dosocialismo revolucionário. Referimo-nos, obviamente, ao 25 de Abril de 1974, na sequência do qual o povo português ficou definitivamente amordaçado por poderes e organizações internacionais apostadas na instauração da Nova Ordem Mundial. A campanha, já um tanto desesperada, recebe o apoio incondicional de escolas, fundações, universidades e de quase todos os meios de comunicação de massas em que se perpetua a enormidade vil e falaciosa de que devemos aos "capitães de Abril" a suposta liberdade e a nominal democracia que não vemos em lado nenhum.
Querem-nos, pois, fazer crer que a revolução comunista de 74 nem sequer chegou ao ponto de derramar sangue, salvo um ou outro episódio esporádico. E perante esta manobra de desinformação sustentada por praticamente toda a classe jornalística, política e universitária, fazem vista grossa das centenas de milhares de mortos em Angola, Moçambique e na Guiné Portuguesa, de que - verdade se diga - os tais capitães são tão criminosamente responsáveis que só um Tribunal de Guerra poderia ter feito justiça perante a barbárie e a selvajaria para as quais tão zelosamente contribuíram. Aliás, não há nada como ler a seguinte passagem sobre o primeiro êxodo na Província Ultramarina de Angola:
«Desde 4 de Fevereiro de 1961, a guerra em Angola causara 3 423 mortos - menos de metade dos quais em combate e, entre estes, a maioria por rebentamento de minas. Mas entre Maio e Agosto de 1974, morreram mais soldados portugueses do que durante todo o ano de 1973» (in Alexandra Marques, Segredos da Descolonização de Angola, D. Quixote, p. 49).
Ou pior ainda:
«(...) À Rádio Voz do Zaire [o] conselheiro da Revolução [Vítor Alves] referiu que "o número de vítimas provocado desde Março pela violência em Angola já era superior ao causado pela guerra colonial naquela ex-colónia". Ferreira de Macedo falara em 2.000 a 3.000 mortos, mas ter morrido durante três meses mais gente do que em 14 anos de guerra colonial era um termo de comparação pouco lisonjeiro para os nacionalistas» (ibidem, p. 320).
Segue-se ainda outro passo referente a Luanda:
«(...) Depois dos seus domínios serem invadidos por indivíduos armados à procura de armas, de serem despejados à força das suas casas, de serem ameaçados, agredidos ou mortos, no dia seguinte (1 de Maio de 1975) centenas de brancos protestaram junto ao Palácio, exigindo meios para deixar Angola. A multidão insultou a tropa por não os proteger: "Derrubaram o gradeamento e os portões mas foram travados na porta pelo PM. [...] Queriam ir embora de Angola e gritavam: 'Estamos a ser mortos. Estão a violar as nossas mulheres'"» (ibidem, p. 303).
Por fim, fiquemos com mais este passo de contornos dantescos e apocalípticos entre os demais:
«(...) Malange tornara-se um imenso cemitério a céu aberto: "Milhares de pessoas mortas, na sua maioria africanos, que estavam ainda insepultas quando se abandonou a cidade. O Batalhão apenas conseguiu enterrar numa vala comum com cerca de 100 metros, cobrir de cal viva ou queimar no local onde se encontravam, umas escassas centenas de mortos"» (ibidem, p. 388).
De resto, e a par da impunidade relativa a todos os agentes criminosos implicados no 25 de Abril de 1974, o subterfúgio ardiloso mas rotundamente perverso e idiota tem passado pelo seguinte: a culpa é toda do ditador que não soube negociar, entregar ou vender a tempo o Ultramar Português. Pois claro: se Salazar, perante uma ofensiva mundial com vista a expulsar os Portugueses de África, enveredasse por um tal caminho, seria então fácil - e com razão - dizer que todo e qualquer descalabro tinha sido responsabilidade sua. Mas como o não fez, ou como, no seu zelo pelas populações de Além-Mar, quis salvaguardar a segurança, a prosperidade e a vida dessas mesmas populações - e com elas Portugal -, passa a serretroactivamente culpado pelo acto de quem realmente se comprometeu numa escalada de violência - mais que prevista e antecipada -, conducente à total destruição do que fora património nacional adquirido com muito sacrifício ao longo de inúmeras gerações.
Entretanto, a verdade continua a não ter pressa. Mas, como tudo na vida, virá sempre ao de cima. É apenas uma questão de tempo».
Miguel Bruno Duarte
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