Filipe Faria é docente
e doutorando em Teoria Política no King’s College, em Londres, e um colaborador
do nosso jornal. O DIABO entrevistou-o sobre a dicotomia Direita/Esquerda, a
Direita em Portugal e os novos movimentos tradicionalistas que surgem na Europa.
Ainda
faz sentido falar em Direita e Esquerda?
É
importante lembrar que a dicotomia Esquerda/Direita é produto da revolução
liberal (francesa), onde a primeira tenta aprofundar os valores da revolução
(igualdade e liberdade) e a segunda tenta defender a velha ordem aristocrática,
tradicionalista e hierárquica. Olhando para o que chamamos de Direita em 2014 é
possível perceber a dimensão da vitória das forças de Esquerda, pois há muito
que estas últimas suprimiram a própria Direita original; o “direitismo”
institucional contemporâneo não é muito mais do que a defesa de um elementar
igualitarismo individualista com umas temporadas de atraso em relação à
vanguarda de Esquerda. Esta derrota não é surpreendente, jogando com as regras
instituídas pela Esquerda, a Direita limita-se a tentar marcar alguns pontos
num campo institucional claramente inquinado. Aqueles que rejeitaram jogar este
jogo não estão no mundo político.
Qual é
a Direita que Portugal precisa?
A Direita
que Portugal precisa é uma Direita que recusa jogar com os valores da revolução
francesa; que está determinada a inverter o paradigma moral de forma a que as
ideias igualitárias que tomaram o ocidente passem a ser vistas como
degenerativas para a civilização e não como uma opção de 50 por cento entre
Direita ou Esquerda. Ao rejeitar-se a moralidade igualitária que se implantou
com o iluminismo, acabar-se-á esta dicotomia ao nível político; mais especificamente,
a Direita portuguesa precisa de novas referências morais e intelectuais do que
as que tem agora. Agora, esta divide-se entre a tecnocracia anti-intelectual
dos gestores económicos (i.e. economia de mercado mais ou menos
social-democrata) e, em menor grau, entre a justificação moral
(consequencialista ou deontológica) da soberania do indivíduo e da sua
propriedade via autores como John Locke, F. A. Hayek ou até a famigerada Ayn
Rand (corrente muito influenciada pela hegemonia cultural americana). Ademais,
parece-me claro que o que mais caracteriza a Direita geral é uma obsessão
inusitada pelo crescimento económico como se este fosse o imperativo categórico
da praxis política, relegando praticamente tudo o resto para planos
insignificantes.
Como tal,
esta Direita que Portugal necessita é uma que rompe com a ideia de que a
soberania do indivíduo é o fim último da política e abraça fins comunitários.
Isto é, que identifica o grupo que representa e ambiciona elevar, rejeitando
universalismos abstractos; uma Direita que rejeita a ideia de que a função da
política é libertar o indivíduo das amarras da tradição comunitária e
hierárquica. Será uma Direita mais intelectualizada e revitalizada para agir.
Necessita igualmente de conhecer a identidade particular portuguesa e a nossa
identidade civilizacional europeia para as defender, sabendo que ambas são unas
e indivisíveis. Ao nível intelectual, irá requerer uma consiliência
multidisciplinar onde autores como o católico Alasdair MacIntyre e a sua
crítica à soberania moral do indivíduo será tão familiar como Friedrich
Nietzsche e a sua análise da função da moralidade, assim como implicará
conhecimento de sociobiologia para melhor entender as forças da natureza e
perceber as potencialidades de cada ideia política. Por certo, existirá algo de
renascentista nos requisitos desta força motriz que conceptualizo . Acima de
tudo, será uma Direita civilizacionista que ambicione deixar de ser Direita.
Quem
são os principais inimigos de Portugal?
Os
principais inimigos de Portugal são todos aqueles que deliberadamente promovem
uma agenda que visa distorcer a sua génese e a sua identidade. Estes estão
tanto à Direita como à Esquerda. Tanto o podem fazer por ideologia, por
intenções meramente auto-interessadas ou por simples ignorância histórica. A
Direita e a Esquerda estão unidas no universalismo individualista e na
destruição da tradição e integridade comunitária portuguesa (e europeia); os
primeiros acreditam no mundo interdependente ligado pelo mercado onde as
fronteiras identitárias são obstáculos a ultrapassar para potenciar o
crescimento económico; já os segundos seguem religiosamente o universalismo dos
direitos humanos, a versão secular e distorcida da doutrina teísta dos direitos
naturais, essencialmente para fins de homogeneização e igualitarização do
mundo.
Utilizam
argumentos diferentes para atingirem os mesmos fins?
Curiosamente,
por vezes os primeiros usam os argumentos dos segundos para atingirem os seus
fins e vice-versa, criando assim um bloco central que domina a nossa política.
Existem por certo excepções individuais a esta lógica, e raramente alguém se
encaixa perfeitamente nestas descrições; porém, esta é a força hegemónica que
caracteriza a modernidade política portuguesa e europeia. As identidades grupais
estão no caminho desta força, como tal, estas são as primeiras a serem
obliteradas.
Quem
são os principais aliados de Portugal?
Os aliados
serão, como tradicionalmente, outros Europeus que estejam dispostos a inverter
esta utópica homogeneização em curso. Só na sua família Europeia Portugal se
poderá encontrar. Serão Europeus que conhecem o seu passado e a sua história,
que conhecem as suas origens e antepassados, que não acreditam que o ocidente
só existe depois da implantação dos valores igualitários e universalistas de
1789 (“Liberté, Egalité, Fraternité”) e de 1776 (“All men are created equal”) e
que rejeitam a actual ideia prevalente de que defender a Europa é defender tais
valores. Estes Europeus terão um objectivo comum de defender não uma ideologia
fechada mas sim um legado milenar que será a identidade europeia e sua
perpetuação qualitativa pelo tempo.
Há quem
deposite esperança em alianças com uma Rússia mais tradicionalista para
“livrar” a Europa da actual subjugação à ideologia americana do ‘melting-pot’
anti-tradição; porém, independentemente da viabilidade de tal opção, é
importante perceber que para Portugal os interesses comuns últimos estão
sempre, por defeito, na sua família civilizacional que é a Europa. Será por aí
que o caminho deve começar. Na questão geopolítica a solução mais simples e
intuitiva é provavelmente a correcta.
Nascem
vários movimentos políticos com alguma envergadura pela Europa fora, como a
Genération Identitaire em França, ao mesmo tempo que surgem novas formas de
pensar a política de um espectro tradicionalista, como o eurasianismo. Onde
está a contribuição de Portugal nesses movimentos, e o que falta para que
Portugal veja o surgimento de um movimento particularmente seu?
Parece-me
claro que o tradicionalismo está em ascensão meteórica, o que se deve muito aos
problemas de carácter cultural, demográfico e existencial que a
euro-modernidade nos trouxe. Este tradicionalismo é plástico e revela-se de
inúmeras formas, quer através do conservadorismo tradicional, do comunitarismo,
do arqueofuturismo, do localismo nacional, do imperialismo histórico, do
identitarismo, etc., sendo uns mais intelectualizados e contemplativos e outros
mais pró-activos. O Euroasianismo está hoje em dia muito ligado ao pensamento
do académico russo Aleksandr Dugin, e é uma adaptação do modelo etno-pluralista
europeu do filósofo francês Alain de Benoist ao caso russo. Para a
situação portuguesa imediata, penso que as contribuições do autor francês são
mais relevantes do que o Euroasianismo.
Apesar de
não existirem actualmente movimentos políticos ou intelectuais “com
alguma envergadura” em Portugal sente-se um interesse crescente dos jovens
portugueses pelo tradicionalismo geral e pelo futuro da integridade de Portugal
e da grande Europa, muitos deles já com experiência de viver em vários pontos
do velho continente. Um contributo português importante poderia ser uma
meditação sobre o que é ser português e europeu no antigo mundo imperial. Quais
os erros que cometemos e quais as virtudes que adquirimos. Isto é algo que nem
todos os países europeus podem testemunhar. Ademais, o facto de Portugal ser o
princípio e o fim da Europa dá-lhe uma responsabilidade acrescida para
delimitar fronteiras não só territoriais mas civilizacionais.
Chegará
a Portugal em movimento semelhante?
Praticamente
tudo o que de importante aconteceu na Europa alastrou pela mesma como fogo em
gasolina, o que atesta os laços familiares de união entre europeus mesmo na
ausência de uma entidade política una. Penso que tal irá acontecer de novo e se
esta fonte de mudança viesse de Portugal para a Europa em vez do inverso, mais
relevante seria para os portugueses, mas não mudaria a lógica
fundamental. O que falta para tal acontecer é difícil dizer; contudo, o
mais importante é que seja o que for será feito sempre em parceria com o rumo
europeu, tal como sempre foi em tempos monárquicos, republicanos, democráticos,
autocráticos, etc. Enquanto Portugal for Portugal e a Europa for Europa, o
nosso contributo estará sempre limitado pela nossa civilização e será dado em
concerto com esta última.
Diz-se
que os chineses, munidos pela filosofia budista, quando querem amaldiçoar
alguém dizem “espero que vivas em tempos interessantes”. Parece-me que nos
esperam tempos interessantes; mas no sentido europeu do termo... pois essa é a
nossa tradição.
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