sábado, 23 de agosto de 2014

“Sou um economista austríaco”

O economista-chefe do Deutsche Bank declara: “Sou um economista austríaco”

A pior crise econômica e financeira desde a Grande Depressão tem gerado muita discussão entre os economistas e analistas financeiros. Como ela pode ocorrer? Por acaso não estavam as autoridades e gestores equipados com o melhor armamento técnico-teórico para evitar uma crise como esta? A resposta parece ser não.
O economista-chefe do grupo Deutsche Bank Thomas Mayer, um dos mais respeitados economistas do setor financeiro a nível mundial, causou surpresa com um artigo em que declara ser um “Austríaco em economia“. Assim adere – ainda com nuances – a explicação geral que os teóricos da Escola Austríaca, como Jesús Huerta de Soto, oferecem aos ciclos econômicos recorrentes de crescimento e depressão, e a grande recessão atual.
Diante da generalizada tese que culpa o livre mercado pelos acontecimentos dos últimos anos e cobra uma regulação mais severa, Mayer afirma o contrário: “Tanto a análise em que esta visão se sustenta como as recomendações políticas são erradas”. Declara que “a crise foi causada por uma confiança excessiva na eficácia da planificação econômica e financeira”, e vai mais adiante ao dizer que devemos reconhecer “a superioridade de uma ordem econômica liberal de mercado, onde os estados, as empresas e os indivíduos tornem-se responsáveis por suas decisões financeiras”.
Suas críticas a macroeconomia convencional moderna, ensinada nas universidades – pequenas e grandes, europeias e americanas -, não deixam pedra sobre pedra: tanto keynesianos como monetaristas são questionados. Sua crítica básica consiste em que ambas correntes de pensamento tem exibido uma excessiva confiança na capacidade das autoridades e agentes econômicos em prever o futuro – que é radicalmente incerto – e na “ilusão de controle”, ou seja, de que os riscos aos quais se enfrentam eram conhecidos e estavam controlados. Esta também é uma crítica compartilhada pelo escritor Nassim Nicholas Taleb em seu livro “A Lógica do Cisne Negro“.
Os culpados pela Grande Recessão
Segundo Mayer, esta crença geral e sua manifestação na excessiva confiança de economistas e agentes econômicos no poder dos bancos centrais para controlar a sua vontade a economia tem sido um fato crucial que permitiu a Grande Recessão, ao perverter as práticas de prudência financeira de gestão de riscos e da dívida.
Teorias baseadas nestas ideias geraram consequências altamente perigosas e uma nefasta gestão das entidades financeiras que as levaram a assumir níveis de alavancagem totalmente insustentáveis. Contudo, esta “ilusão de controle” das autoridades e bancos acabou explodindo em suas próprias mãos, como uma bomba-relógio. Assim, sustenta Mayer que essas teorias tem se mostrado perigosas e inadequadas para o mundo real.
No seu artigo, Mayer defende mudanças fundamentais na regulação financeira, advogando pela incrementação da capitalização estrutural e de um nível de reserva e liquidez das entidades financeiras, redução da capacidade de endividamento das mesmas e minimização do “risco moral” mediante a concepção (e implementação) de mecanismo de resolução que permitam a falência organizada das mesmas, sem necessidade de recorrer ao sofrido contribuinte.
Defesa das falências bancárias
Sua mensagem não deixa lugar para dúvidas. Thomas Mayer, que é dentro do setor privado um dos economistas mais influentes do mundo, está dizendo ao paradigma acadêmico dominante: “Senhores, não se esforcem: seus trabalhos não nos ajudam a entender a realidade; de fato, dado o impacto que suas ideias tem tido sobre o desenho institucional da política econômica – muito especialmente no que respeita a política monetária – suas teorias são também danosas”.
Seu artigo é extremamente revelador não só por seu conteúdo, mas sobre tudo por quem o escreve. Mayer não é um acadêmico criticando a teoria de um rival em defesa da sua própria, mas é um consumidor insatisfeito da teoria dominante e esta é sua lista de reclamações.
E são muitos os casos de economistas que, cansados da incapacidade da teoria macroeconômica moderna em dar resposta a uma realidade variável, tem abandonado cargos em departamentos de Economia em universidades de reconhecido prestígio para se dedicarem a prática profissional. Afinal, a prática profissional é a única saída que resta a todos aqueles que divergem do paradigma neoclássico dominante; um paradigma que, como um “pensamento único”, tem ocupado os principais departamentos de economia e publicações científicas do mundo.
Apesar de tudo que tem ocorrido, contudo, a profissão econômica parece não ter aprendido com os erros, critica Mayer. Algo que, por outro lado, não é absolutamente uma novidade. Tal e como analisa em seu texto, as lições que se aprenderam na Grande Depressão e nas estagflação dos anos 70 não foram na direção correta. No primeiro caso, depois dos anos 30, a corrente majoritária passou a confiar nos governos como forma de solucionar as crises econômicas, via o gasto público (keynesianismo).
Quanto esta paradigma entrou em declínio, devido ao período de estagflação, a irracional e desencaminhada confiança para manipular a economia se transferiu dos governos e da política fiscal para os bancos centrais e a política monetária (monetarismo). “O mesmo cachorro com coleira diferente”, define o economista-chefe do Deutsche Bank.
A “grande ilusão” e o risco da crise monetária
Foi Alan Greenspan, no comando do banco central americano (Federal Reserve), quem liderou este novo enfoque, após substituir Paul Volcker em 1987. Neste mesmo ano, em que ocorreu um importante crash, Greenspan aplicou pela primeira vez sua receita mágica para se desfazer das recessões: baixar as taxas de juros quando as coisas ficavam feias. Mais tarde, tanto nas crises de 1990-91 do sistema de poupança e empréstimo (savings and loans), como na falência da Long Term Capital Management(LTCM), como na crise da internet de 2000-2011, Greenspan voltou a atuar da mesma maneira. Todo este período, desde o final da crise da estagflação até a Grande Recessão de 2008, foi conhecido como aGrande Moderação, pela ausência de severas crises.
Contudo, afirma Mayer que o que ocorreu depois de 2007 deixou claro que a Grande Moderação foi uma “grande ilusão”. Na realidade, este período provocou diversos desequilíbrios que desembocaram na Grande Recessão.
As receitas aplicadas até agora – baseadas no paradigma teórico convencional – não tem funcionado completamente na presente crise, segundo Mayer. Tão somente tem transferido a insustentável montanha de dívidas de “ombros débeis” para “ombros mais fortes”, ou seja, a crise tem mudado do setor de hipotecas subprime para os mercados monetários, o setor bancário e mais recentemente para o setor público. “Os velhos truques parecem ter perdido sua magia, e as crises generalizadas por uma desalavancagem maciça parece estarem se descontrolando”.
Mayer teme que a próxima crise seja monetária, como afirmou o site Libre Mercado. Isto colocaria as claras o fracasso da atual configuração do sistema monetário, baseado no dinheiro fiduciário sem nenhum lastro real (padrão monetário). “A tentativa desesperada para evitar uma crise econômica causada pelo necessária desalavancagem poderá levar em última instância a uma crise do mesmo sistema de dinheiro fiduciário. Quando este cair pode muito bem ser substituído por dinheiro respaldado por ativos reais, que não podem ser aumentados com tanta facilidade por bancos centrais”.
Por fim, o economista-chefe do Deutsche Bank conclui que deveria se prestar muito mais atenção nas teorias da Escola Austríaca para uma melhor gestão financeira – tanto por parte das entidades privadas como dos governos -, condição necessária para evitar episódios deste tipo no futuro.



// Tradução e revisão de Adriel Santana. | Artigo original.

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