quinta-feira, 3 de abril de 2014

Uma aula de história económica (Parte 2)

Discordando eu de algumas ideias genéricas que o economista Vitor Bento nos apresenta, prefiro fazer um post novo só para dar algumas dicas:

O argumento de que no período em que mais juros pagámos, ( entre 1985 e 1996 aprox ) foi também o período em que Portugal mais cresceu, para mim, não colhe, porque a tendência de redução do crescimento do PIB vem desde a década de 70. Houve realmente períodos de forte contração (83-85), e outros de crescimento mais interessante, mas se formos ver a taxa de crescimento em séries mais longas, há realmente uma tendência de decréscimo. Na década de 60 o crescimento médio rondava os 6% e desde aí foi sempre a cair. Na década de 2000 o crescimento médio acho que andou nos 0,8% ou coisa que o valha. Na presente década as coisas estão ainda pior, porque 2011, 2012 e 2013 tiveram recessão; um péssimo arranque.

Referir que houve um crescimento interessante no período em que mais juros pagámos, relativizando o aspeto negativo de pagarmos muitos juros não me parece adequado. Houve realmente uma coincidência, mas duvido que tenha havido causalidade.
Na mesma linha de raciocínio, mas em sentido oposto, também poderíamos afirmar que na década de 60 foi quando mais crescemos "porque" menos juros pagámos, porque havia pouca dívida.
Como vêm, posso usar a mesma linha de raciocínio e "provar" exatamente o oposto.
A isto chama-se uma falácia - querer atribuir nexos de causalidade quando não passam de coincidências.


Afirmar que o peso dos juros que hoje pagamos em relação ao PIB é o mais baixo das últimas décadas, desculpabilizando assim o que realmente andamos a pagar, não deixa de ser verdade mas é um mau princípio na avaliação da nossa realidade. É que na economia está tudo agarrado, e se entre 85 e 96 pagávamos juros elevados, outras despesas que hoje são monstruosas, na altura eram bem menores, como subsídio de desemprego e pensões.
Hoje pagamos menos de juros mas mais de outras coisas, e enquanto que a redução dos juros se deve a fatores externos, como a entrada do €, já o aumento das despesas do Estado é política interna, são decisões nossas de corpo e alma, que para as desfazer é um problema. O juro baixo, só é baixo por causa do capital de confiança que a entrada de Portugal no € deu aos credores. Vejam o juro médio a 10 anos com que Portugal se financiava no exterior antes da adesão ao € e percebe-se logo.

Basta o capital de confiança ir embora que em 3 meses o juro baixo torna-se alto. Somando às despesas a mais que já temos, o castelo de cartas desmorona-se.
Ou seja, manter o juro baixo não depende diretamente das nossas decisões. É preciso sermos bem comportados e acreditar que os credores nos olham dessa forma.

E lá porque pagamos os juros mais baixos das últimas décadas, tal não significa que possamos assobiar para o lado com a enormidade de dívida que temos nas nossas mãos. São 230 mil milhões que têm que ser rolados com operações mensais. Tal rotação também cria a perceção nos investidores de que "estes gajos estão sempre a precisar de rolar". Nenhum credor gosta de ter no seu portfolio grandes quantidades de dívida de um país que está sempre dependente de roll-overs a cada mês, e portanto, dependente do capital de confiança de muita gente credora. É um equilíbrio frágil, ainda mais com um mercado de dívida secundária totalmente globalizado, em que o bater de asas de uma borboleta na China sabe-se nos EUA em milisegundos.

A tensão social e financeira que se vive hoje em Portugal resulta destes potenciais desequilíbrios que a todo o momento podem descambar.
Há bombinhas em todo o lado. Podem detonar ou não, mas elas estão lá, e chamam-se défices de exploração cobertos por dívida nova.

Concordo inteiramente com a análise que Vítor bento faz das consequências de exigirmos um perdão de dívida aos nossos credores e de como esses mecanismos de ricochete funcionam. Parece-me que a realidade é mesmo assim.

Sobre o manifesto dos 70 e o pedido de renegociação da dívida, é um documento legítimo. As pessoas têm direito a fazê-lo e a apresentá-lo à sociedade. Cabe-nos a nós aceitá-lo ou não. Na minha opinião, o foco do manifesto está errado. Não é a dívida que devemos combater, mas sim o défice, já que a dívida é uma consequência deste. E combatê-lo significa assumir que não podemos ir mais pelo aumento de impostos nem aumento da receita. Temos que ir pela redução da despesa, mas como isso põe em causa o Estado social, aumenta a pobreza, reduz cuidados de saúde, aumenta mortalidade infantil, etc, etc, etc, ninguém quer meter as mãos nesse monte de merda que cheira tão mal.

Mas a realidade é que manda, e o que eu vejo no dia-a-dia é MESMO toda a gente desesperada para fugir e contornar o pagamento de impostos. A receita tenderá a cair, e portanto a despesa nunca poderia continuar nos 85 mil milhões, ou 50% do PIB como foi em 2011. Tinha que cair e ainda vai cair mais, porque cobrir défice com dívida nova é hoje objeto de escrutínio por muita gente na Europa. Não irá passar

Tiago Mestre

2 comentários:

Anónimo disse...

então com que logica se diz que tudo esta a tentar fugir aos impostos mas o numero defacturas aumentou...e so contadições neste texto

Tiago Mestre disse...

Caro anónimo, não conheces aquele estudo que todos os anos sai do peso da economia paralela ?

E não falas com empresários, com pedreiros, com técnicos de ar condicionado, com canalizadores, com pessoas que recebem heranças, etc, etc no teu dia-a-dia?