segunda-feira, 31 de março de 2014
A propósito do 25 de Abril
Com a data a aproximar-se e 40 anos cumpridos, já começa a ser hora de analisar os erros, os erros monstruosos que se cometeram neste período e que nunca mais deverão ser repetidos.
Comemorar não chega, e só fazendo uma análise sincera e realista do que somos hoje poderá ajudar a vislumbrar as soluções e as ideias mais adequadas para o futuro do nosso povo.
Tiago Mestre
Em quem devemos confiar?
Ministério das Finanças da Alemanha acredita que juros da Grécia e de Portugal vão chegar aos 3% este ano
Vamos confiar nos alemães ou nos socialistas do manifesto?
Vamos confiar nos alemães ou nos socialistas do manifesto?
A importância da redução do défice
A malta do costume desvaloriza a importância da redução do défice.
Um défice de 4,9%, como aquele hoje comunicado pelo INE para o ano de 2013, representa um aumento da dívida de cerca de 8 mil milhões de euros.
Nos saudosos anos de 2009 e 2010, registaram-se défices de 10,2% e 9,9%, respectivamente.
O que, em conjunto, determinou um aumento da dívida de, aproximadamente, 34 mil milhões de euros. Ou seja, mais de metade do empréstimo da Troika ao Estado, cifrado em 66 mil milhões de euros (desconsiderando os 12 MM/€, destinados à recapitalização na banca).
Podemos continuar entretidos com a discussão sobre o não-pagamento/reestruração da dívida. Ou centrar a discussão na diminuição (eliminação...) de acumulação dessa mesma dívida.
É uma discussão menos popular. Mas bastante mais séria.
Carlos Sá Carneiro
Um défice de 4,9%, como aquele hoje comunicado pelo INE para o ano de 2013, representa um aumento da dívida de cerca de 8 mil milhões de euros.
Nos saudosos anos de 2009 e 2010, registaram-se défices de 10,2% e 9,9%, respectivamente.
O que, em conjunto, determinou um aumento da dívida de, aproximadamente, 34 mil milhões de euros. Ou seja, mais de metade do empréstimo da Troika ao Estado, cifrado em 66 mil milhões de euros (desconsiderando os 12 MM/€, destinados à recapitalização na banca).
Podemos continuar entretidos com a discussão sobre o não-pagamento/reestruração da dívida. Ou centrar a discussão na diminuição (eliminação...) de acumulação dessa mesma dívida.
É uma discussão menos popular. Mas bastante mais séria.
Carlos Sá Carneiro
A pesada herança da longa noite fascista
(via impertinêncincias)
Mitos (159) - a pesada herança da longa noite fascista (VIII)
«Average 9» Alemanha, França, Reino Unido, Holanda, Itália, Noruega, Dinamarca, Suécia e Bélgica (*) |
As Liberdades essenciais
As
liberdades essenciais são três: liberdade de cultura, liberdade de organização
social, liberdade económica.
Pela liberdade de cultura, o homem poderá
desenvolver ao máximo o seu espírito crítico e criador; ninguém lhe fechará
nenhum domínio, ninguém impedirá que transmita aos outros o que tiver aprendido
ou pensado.
Pela liberdade de organização social, o homem intervém no arranjo
da sua vida em sociedade, administrando e guiando, em sistemas cada vez mais
perfeitos à medida que a sua cultura se for alargando; para o bom governante,
cada cidadão não é uma cabeça de rebanho; é como que o aluno de uma escola de
humanidade: tem de se educar para o melhor dos regimes, através dos regimes
possíveis.
Pela liberdade económica, o homem assegura o necessário para que o
seu espírito se liberte de preocupações materiais e possa dedicar-se ao que
existe de mais belo e de mais amplo; nenhum homem deve ser explorado por outro
homem; ninguém deve, pela posse dos meios de produção e de transporte, que
permitem explorar, pôr em perigo a sua liberdade de Espírito ou a liberdade de
Espírito dos outros.
Agostinho da Silva, in 'Textos e
Ensaios Filosóficos'
domingo, 30 de março de 2014
Suécia, esse modelo inspirador
Durante 100 anos, a Suécia perseguiu e esterilizou ciganos
A Suécia não é esse mítico modelo democrático que muitos por cá gostam de aplaudir?
E existem imensas histórias nos mesmo moldes que a maioria dos portugueses simplesmente desconhecem…
E existem imensas histórias nos mesmo moldes que a maioria dos portugueses simplesmente desconhecem…
E em Portugal? Também houve esse tipo de práticas “fascistas”?
Para aqueles que acreditam que existiu fascismo em Portugal será que não estamos antes perante um “fassismo” inventado a martelo e a foice pela esquerdalha para dar cobertura a uma agenda horrorosa de engenharia social?
Para aqueles que acreditam que existiu fascismo em Portugal será que não estamos antes perante um “fassismo” inventado a martelo e a foice pela esquerdalha para dar cobertura a uma agenda horrorosa de engenharia social?
Portugal fez mais engenharia social antes ou depois do 25 de Abril?
sábado, 29 de março de 2014
Diário de 74
A Última "Conversa em Família" de Marcello Caetano
(via História Maximus)
Difundida através da televisão e da rádio no
dia 28 de Março de 1974, poucos dias volvidos após a malograda tentativa do
golpe militar de 16 de Março, das Caldas da Rainha, a última "Conversa em
Família" do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, deixa transparecer
as graves dificuldades que o regime vinha sentindo para se manter no poder.
Aumentava a pressão diplomática na frente externa e o regime estava esmagado
entre os interesses soviéticos e americanos que competiam pela África
Portugesa. Fica aqui a transcrição daquela que foi talvez a mais sincera e
justa comunicação de Marcello Caetano aos portugueses do Minho a Timor:
«Desde meados de Fevereiro até agora tenha recebido de todos os recantos do
País, de aquém e além-mar, milhares de mensagens de apoio, de incitamento, de
estímulo. Tantas que não é possível acusar aos remetentes a sua recepção. Nem
sequer responder às centenas de cartas de pessoas amigas, algumas delas tão
comoventes. Fica aqui o meu agradecimento a todos. Deus permita que eu seja
sempre digno da confiança dos bons portugueses. Por isso me tenho esforçado.
Olhando para o trabalho realizado nos cinco anos e meio de governo, fazendo
exame de consciência sobre as intenções que me têm norteado e os actos que
tenha cometido, fica-me a tranquilidade de ter sempre procurado cumprir
rectamente o meu dever para com o País, que o mesmo é dizer, para com o Povo
Português.
Consola-me ouvir dizer a muitos, estrangeiros ou que no estrangeiro residam
habitualmente, mas que nos visitam de quando em vez, que é visível a profunda
transformação da vida nacional e todos os sectores, a partir de acentuada
melhoria económica e da aceleração da política social. Essa transformação
rápida tem um custo. A muita gente aflige ver a modificação de hábitos, de
mentalidade e de costumes que se processa na sociedade portuguesa. E que nem sempre
é para melhor. Tínhamos, e graças a Deus ainda há muito quem tenha, uma bondade
natural no trato com os outros um espírito de afabilidade no acolhimento dos
estranhos, um respeito recíproco nas relações sociais, uma compreensão das
dificuldades alheias, uma contenção púdica de sentimentos, que vão cedendo cada
dia mais aos impulsos do egoísmo. O egoísmo é a lepra da humanidade
contemporânea. À medida que se vai implantando a convicção de que esta vida
são dois dias, dos quais importa tirar o máximo do prazer sem qualquer esforço
e suceda aos outros o que suceder, desfazem-se as famílias, desmoronam-se os
exércitos e ruem os Estados.
A vida em sociedade implica numa atitude de solidariedade e de colaboração que
exige dádiva de si próprio, sacrifício de interesses, espírito de serviço,
integração em planos colectivos. Mas o egoísmo materialista desfaz tudo isso.
Nega-se ao sacrifício, escusa-se a servir o próximo, aborrece a obediência às
leis e a quem as executa, instaura a indisciplina em todos os sectores,
recusando-se a acatar outra norma que não seja a das conveniências pessoais de
cada um.
Quantas vezes as pessoas se queixam de injustiças, por não lhes ser feita a
vontade! Para muitos justiça é o que lhes convém.
Estamos perante a invasão de uma mentalidade que grassa já na maior parte dos
países e que, infelizmente, está longe de ser um sinal de progresso. Por esse
caminho progride-se sim, mas para a anarquia. E como os povos não podem viver
anarquicamente, é fatal que a reacção virá sob a forma de um férreo regime de
autoridade. Os regimes comunistas são implacáveis para com os anarquistas. E,
não tenhamos dúvida, se alguma fórmula socialista viesse a estabelecer-se no
Ocidente — do que Deus nos defenda! — não seria anarquismo romântico nem sequer
a social-democracia conformista, mas sim um colectivismo tirânico, cuja
ditadura levaria muitos anos a evoluir para regimes mais humanos.
A melhoria das condições económicas e sociais da vida portuguesa tem-se assim
processado num clima de dificuldades de toda a ordem — de ordem externa e de
ordem interna — num mundo a braços com uma alta generalizada e incontida de
preços, a que corresponde a crise do valor das moedas, numa época politicamente
agitada e na qual Portugal é obrigado a sustentar a defesa de uma grande parte
do território nacional.
Poucos se aperceberão do esforço titânico que tem sido realizado pelos homens
do Governo para, no meio de tantos obstáculos, com serviços administrativos
inadequados às circunstâncias, tendo de vencer hostilidades incontáveis e de, a
cada passo, ocorrer a situações inesperadamente graves, ir prosseguindo no
caminho traçado de proporcionar ao País, com a rapidez necessária, os meios
indispensáveis à valorização da nossa gente e ao fomento das riquezas
nacionais.
Tem-se a Nação recusado a abandonar as terras de além-mar onde grandes
comunidades vivem e progridem como núcleos integrantes da Pátria Portuguesa.
Não se trata de territórios adquiridos de fresca data, onde meia dúzia de
funcionários e de empresários explorem velhas nações subjugadas. Mas de grandes
regiões descobertas pelos portugueses de há cinco séculos, ocupadas, primeiro,
nas costas marítimas de onde irradiou a influência para vastos sertões
despovoados, ou quase, pelos quais divagavam tribos selvagens nas mais
primitivas condições de vida.
Foi Portugal que fez Angola; foi Portugal que criou Moçambique. E nessas duas
grandes províncias se fixaram milhares de famílias que para lá levaram as
concepções e as técnicas da civilização, lá plantaram fazendas, lá
estabeleceram indústrias, lá rasgaram estradas e disciplinaram rios, lá
ergueram cidades modernas, que são o orgulho de Portugal e da África.
De todas as infâmias que os adversários da nossa presença em África têm posto a
correr contra nós e alguns portugueses infelizmente repetem, confesso que me
fere mais a de que defendemos o Ultramar para favorecer os grandes interesses
capitalistas.
Os comunistas e seus aderentes professam uma doutrina simplista que fornece
explicações fáceis e unilaterais para todas as coisas. O capitalismo, para
eles, está por toda a parte e explica tudo quanto se faz e não faz. Já mais de
uma vez tenho declarado que, se em Angola e Moçambique houvesse apenas grandes
interesses capitalistas, bem nos podíamos desinteressar da sua defesa, porque
empresas poderosas defendem-se muito bem a si próprias e encontram sempre
maneira de se entender com quem manda e pode. Não. O que defendemos em África
são os portugueses, de qualquer raça ou de qualquer cor, que confiam na
bandeira portuguesa; é o princípio de que os continentes não são reservados a
raças, mas neles deve ser possível, para aproveitar os espaços vazios e
valorizar as riquezas inertes, o estabelecimento de sociedades multirraciais; é
o direito dos brancos a viver nos lugares que tornaram habitáveis e trouxeram à
civilização, e a participar no seu governo e administração. Num mundo que
proclama a luta contra o racismo, que nega a legitimidade das discriminações
raciais, é isso mesmo que defendemos: a possibilidade de, na África Austral,
onde de longa data os europeus se fixaram, prosseguirem a sua evolução para
sociedades políticas não baseadas na cor da pele.
Manter o carácter português que há-de moldar o futuro das nossas províncias
ultramarinas, conferir segurança a quantos, sob a égide de Portugal, vivem em
África e contribuem para nela se radicar a civilização e a cultura que
representamos — eis uma causa que justifica os sacrifícios económicos e o
tributo de sangue da Nação. Os soldados que em África se batem, defendem valores
indestrutíveis, e uma causa justa. Disso se devem orgulhar e por isso os
devemos honrar.
Contrariam esta política os racistas africanos que hoje pretendem a expulsão
dos brancos da África e só admitem que a África seja governada por pretos. E
nisto são acompanhados por muitos países que não conhecem ou não compreendem a
orientação portuguesa ou pensam convir-lhes não se oporem ao que julgam ser a
fatalidade da História.
Para todos esses não há outra coisa a fazer por Portugal senão o abandono puro
e simples do Ultramar Português. Ainda há pouco isso foi afirmado uma vez mais.
A propósito da publicação em Portugal de um livro em que se faz a análise da
nossa posição frente ao problema ultramarino, a Imprensa internacional e os
nossos costumados adversários apressaram-se a perfilhar e proclamar tudo o que
nessa análise lhes pareceu favorável às suas teses. Mas repudiando
simultâneamente qualquer solução que não fosse a entrega imediata do Ultramar
aos movimentos chamados “de libertação”.
Num “Comitê”, chamado dos 24, das Nações Unidas, que se ocupa da descolonização
e por isso nos tem continuamente sob o fogo cerrado dos seus ataques, o repúdio
de tudo quanto não seja a entrega aos movimentos terroristas nos termos
preconizados na célebre resolução da ONU nº 1514, a que já noutras ocasiões me
referi, foi repetidas vezes afirmado pelo observador do M. P. L. A., pelos
delegados da Tanzânia, da Indonésia, da Austrália, da Tunísia, do Congo, da
Etiópia... E na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos o deputado negro
Sr. Diggs, bem nosso conhecido, claramente afirmou que a solução federal para
as províncias ultramarinas não poderia ser aceite pelos Estados Unidos nem
pelos países africanos.
No que todos os estrangeiros, desejosos de nos ver despojados do Ultramar
jogam, é no colapso da retaguarda em Portugal. Isso viu-se no entusiasmo com
que os meios de informação de tantos países seguiram e avolumaram o episódio
militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais,
lamentavelmente, produziu há poucos dias nas Caldas.
Ficou o mundo mais bem informado do que se passa em Portugal?
Há por aí frequentes queixumes de que não temos por cá informação completa.
Nada, porém, do que de verdadeiro se passa e que ao público interesse deixa de
ser trazido ao conhecimento dele.
Mas não é informar bem o público deitar mão a todos os mexericos, a todas as
intrigas, a todas as fantasias, ouvidas nas mesas dos cafés ou a algum intrujão
imaginativo, para as lançar cá para fora como grandes e sensacionais revelações.
Inventam-se tremendas oposições entre pessoas que mutuamente se respeitam e de
comum acordo actuam; divisões internas onde só reina harmonia de vistas;
conluios suspeitos em casos em que estão perfeitamente definidas as posições e
assumidas as responsabilidades...
Não fica informado o público que escuta mentiras. O facto de o boato ser
propalado por jornais ou por emissoras não lhe tira o carácter de boato. Na
guerra de 1914-18, quando Portugal começou a mandar tropas para a França e para
a África, as paredes encheram-se de cartazes em que o Governo aconselhava,
entre outras coisas: despreza os boateiros...
Está claro que em tempo de guerra ou quando há soldados a arriscar as suas
vidas não se pode estar a revelar factos ou planos que permitam ao inimigo
trabalhar pelo seguro e matar a nossa gente.
Devo dizer que nisto não somos suficientemente cautelosos. Fala-se demais. E ao
condicionar-se a informação não pode deixar de se ter em conta que, de um
deslize ou de uma imprudência, pode depender a segurança e a vida de quem está
na área da acção dos terroristas ou na zona dos combates contra eles.
É inegável que entre a mera curiosidade de alguns senhoritos, que gostam de
saber novidades, enquanto tomam o seu café, e a vida dos nossos colonos e dos
nossos soldados, não há que hesitar. Gemam embora alguns por não saberem tudo
quanto quereriam da marcha das campanhas — não é só a salvação pública que está
em causa, é a segurança dos nossos, tantos deles filhos ou parentes de muitos
de nós.
Todavia, os comunicados periódicos dos comandos das Forças Armadas não ocultam
nada do que pode e convém ser conhecido.
Voltando ao alvoroço de certos meios de informação estrangeiros, quando
vislumbraram a divisão das Forças Armadas em Portugal: não acham que é motivo
de meditação?
Há pouco, referi-me à irreflexão dos oficiais que se lançaram na aventura de há
dias. Irreflexão, por não considerarem que em tempo de guerra subversiva toda a
manifestação de indisciplina assume particular gravidade. Irreflexão, por não
terem em conta que há manobradores políticos, cá dentro e lá fora, prontos a
explorar todos os episódios de que possam tirar partido, para cavar dissensões
internas e minar os alicerces do Estado, e para fazer beneficiar interesses do
estrangeiro.
Não nos esqueçamos de que o estrangeiro trabalha, sobretudo, para o que lhe
convém: não está empenhado em, generosa e desinteressadamente, cuidar do bem do
povo português. Pode dizê-lo: mas não é verdade. Como recordava há pouco, neste
mundo selvagem em que vivemos, cada um trata de si. Ai de nós se não tivermos
perfeita consciência dos nossos interesses e não soubermos defendê-los.
Os estrangeiros não podem sentir o que nós sentimos quando estamos em África e
passamos por Massangano, onde os portugueses do século XVII defenderam Angola,
ou pela ilha de Moçambique, onde no século XVI residiu Camões.
Não o esqueço eu. Não esqueço a jubilosa multidão nativa que espontâneamente me
cercou em Bissau, quando, de surpresa, entrei sozinho na Catedral. Nem o
acolhimento entusiasta da população de Luanda. Nem a chegada a Lourenço
Marques, numa atmosfera de indescritível alegria, que fez durar horas o
trajecto do aeroporto à Ponta Vermelha, constantemente saudado e abraçado por
gente de todas as etnias. Nem a juventude da Beira, que me acompanhou nas suas
motocicletas, e o colorido da visita à cidade com passagem pelos bairros
chineses e industânicos. Nem o espantoso remate com a visita a Nova Lisboa, e a
caminhada, a pé, do aeroporto ao Palácio do Governo, no meio de milhares de
brancos e pretos, cercado de jovens, na mais exaltante e esfuziante
manifestação de patriotismo que me foi dado até hoje viver e que culminou, à
noite, com a multidão iluminada por archotes, ao redor da estátua de Norton de
Matos, em frente da varanda do palácio onde me encontrava, a entoar, num coro
grandioso, o Hino Nacional.
Julgam que posso abandonar esta gente que tão eloquentemente mostrou ser
portuguesa e querer continuar a sê-lo?
Não. Enquanto ocupar este lugar não deixarei de os ter presentes, aos
portugueses do Ultramar, no pensamento e no coração. Procuremos as fórmulas
justas e possíveis para a evolução das províncias ultramarinas, de acordo com
os progressos que façam e circunstâncias do mundo: mas com uma só condição, a
de que a África portuguesa continue a ter a alma portuguesa e que nela prossiga
a vida e a obra de quantos se honram e orgulham de portugueses ser!.»
Difundida através da televisão e da rádio no
dia 28 de Março de 1974, poucos dias volvidos após a malograda tentativa do
golpe militar de 16 de Março, das Caldas da Rainha, a última "Conversa em
Família" do Presidente do Conselho, Marcello Caetano, deixa transparecer
as graves dificuldades que o regime vinha sentindo para se manter no poder.
Aumentava a pressão diplomática na frente externa e o regime estava esmagado
entre os interesses soviéticos e americanos que competiam pela África
Portugesa. Fica aqui a transcrição daquela que foi talvez a mais sincera e
justa comunicação de Marcello Caetano aos portugueses do Minho a Timor:
«Desde meados de Fevereiro até agora tenha recebido de todos os recantos do País, de aquém e além-mar, milhares de mensagens de apoio, de incitamento, de estímulo. Tantas que não é possível acusar aos remetentes a sua recepção. Nem sequer responder às centenas de cartas de pessoas amigas, algumas delas tão comoventes. Fica aqui o meu agradecimento a todos. Deus permita que eu seja sempre digno da confiança dos bons portugueses. Por isso me tenho esforçado.
Olhando para o trabalho realizado nos cinco anos e meio de governo, fazendo exame de consciência sobre as intenções que me têm norteado e os actos que tenha cometido, fica-me a tranquilidade de ter sempre procurado cumprir rectamente o meu dever para com o País, que o mesmo é dizer, para com o Povo Português.
Consola-me ouvir dizer a muitos, estrangeiros ou que no estrangeiro residam habitualmente, mas que nos visitam de quando em vez, que é visível a profunda transformação da vida nacional e todos os sectores, a partir de acentuada melhoria económica e da aceleração da política social. Essa transformação rápida tem um custo. A muita gente aflige ver a modificação de hábitos, de mentalidade e de costumes que se processa na sociedade portuguesa. E que nem sempre é para melhor. Tínhamos, e graças a Deus ainda há muito quem tenha, uma bondade natural no trato com os outros um espírito de afabilidade no acolhimento dos estranhos, um respeito recíproco nas relações sociais, uma compreensão das dificuldades alheias, uma contenção púdica de sentimentos, que vão cedendo cada dia mais aos impulsos do egoísmo. O egoísmo é a lepra da humanidade contemporânea. À medida que se vai implantando a convicção de que esta vida são dois dias, dos quais importa tirar o máximo do prazer sem qualquer esforço e suceda aos outros o que suceder, desfazem-se as famílias, desmoronam-se os exércitos e ruem os Estados.
A vida em sociedade implica numa atitude de solidariedade e de colaboração que exige dádiva de si próprio, sacrifício de interesses, espírito de serviço, integração em planos colectivos. Mas o egoísmo materialista desfaz tudo isso. Nega-se ao sacrifício, escusa-se a servir o próximo, aborrece a obediência às leis e a quem as executa, instaura a indisciplina em todos os sectores, recusando-se a acatar outra norma que não seja a das conveniências pessoais de cada um.
Quantas vezes as pessoas se queixam de injustiças, por não lhes ser feita a vontade! Para muitos justiça é o que lhes convém.
Estamos perante a invasão de uma mentalidade que grassa já na maior parte dos países e que, infelizmente, está longe de ser um sinal de progresso. Por esse caminho progride-se sim, mas para a anarquia. E como os povos não podem viver anarquicamente, é fatal que a reacção virá sob a forma de um férreo regime de autoridade. Os regimes comunistas são implacáveis para com os anarquistas. E, não tenhamos dúvida, se alguma fórmula socialista viesse a estabelecer-se no Ocidente — do que Deus nos defenda! — não seria anarquismo romântico nem sequer a social-democracia conformista, mas sim um colectivismo tirânico, cuja ditadura levaria muitos anos a evoluir para regimes mais humanos.
A melhoria das condições económicas e sociais da vida portuguesa tem-se assim processado num clima de dificuldades de toda a ordem — de ordem externa e de ordem interna — num mundo a braços com uma alta generalizada e incontida de preços, a que corresponde a crise do valor das moedas, numa época politicamente agitada e na qual Portugal é obrigado a sustentar a defesa de uma grande parte do território nacional.
Poucos se aperceberão do esforço titânico que tem sido realizado pelos homens do Governo para, no meio de tantos obstáculos, com serviços administrativos inadequados às circunstâncias, tendo de vencer hostilidades incontáveis e de, a cada passo, ocorrer a situações inesperadamente graves, ir prosseguindo no caminho traçado de proporcionar ao País, com a rapidez necessária, os meios indispensáveis à valorização da nossa gente e ao fomento das riquezas nacionais.
Tem-se a Nação recusado a abandonar as terras de além-mar onde grandes comunidades vivem e progridem como núcleos integrantes da Pátria Portuguesa.
Não se trata de territórios adquiridos de fresca data, onde meia dúzia de funcionários e de empresários explorem velhas nações subjugadas. Mas de grandes regiões descobertas pelos portugueses de há cinco séculos, ocupadas, primeiro, nas costas marítimas de onde irradiou a influência para vastos sertões despovoados, ou quase, pelos quais divagavam tribos selvagens nas mais primitivas condições de vida.
Foi Portugal que fez Angola; foi Portugal que criou Moçambique. E nessas duas grandes províncias se fixaram milhares de famílias que para lá levaram as concepções e as técnicas da civilização, lá plantaram fazendas, lá estabeleceram indústrias, lá rasgaram estradas e disciplinaram rios, lá ergueram cidades modernas, que são o orgulho de Portugal e da África.
De todas as infâmias que os adversários da nossa presença em África têm posto a correr contra nós e alguns portugueses infelizmente repetem, confesso que me fere mais a de que defendemos o Ultramar para favorecer os grandes interesses capitalistas.
Os comunistas e seus aderentes professam uma doutrina simplista que fornece explicações fáceis e unilaterais para todas as coisas. O capitalismo, para eles, está por toda a parte e explica tudo quanto se faz e não faz. Já mais de uma vez tenho declarado que, se em Angola e Moçambique houvesse apenas grandes interesses capitalistas, bem nos podíamos desinteressar da sua defesa, porque empresas poderosas defendem-se muito bem a si próprias e encontram sempre maneira de se entender com quem manda e pode. Não. O que defendemos em África são os portugueses, de qualquer raça ou de qualquer cor, que confiam na bandeira portuguesa; é o princípio de que os continentes não são reservados a raças, mas neles deve ser possível, para aproveitar os espaços vazios e valorizar as riquezas inertes, o estabelecimento de sociedades multirraciais; é o direito dos brancos a viver nos lugares que tornaram habitáveis e trouxeram à civilização, e a participar no seu governo e administração. Num mundo que proclama a luta contra o racismo, que nega a legitimidade das discriminações raciais, é isso mesmo que defendemos: a possibilidade de, na África Austral, onde de longa data os europeus se fixaram, prosseguirem a sua evolução para sociedades políticas não baseadas na cor da pele.
Manter o carácter português que há-de moldar o futuro das nossas províncias ultramarinas, conferir segurança a quantos, sob a égide de Portugal, vivem em África e contribuem para nela se radicar a civilização e a cultura que representamos — eis uma causa que justifica os sacrifícios económicos e o tributo de sangue da Nação. Os soldados que em África se batem, defendem valores indestrutíveis, e uma causa justa. Disso se devem orgulhar e por isso os devemos honrar.
Contrariam esta política os racistas africanos que hoje pretendem a expulsão dos brancos da África e só admitem que a África seja governada por pretos. E nisto são acompanhados por muitos países que não conhecem ou não compreendem a orientação portuguesa ou pensam convir-lhes não se oporem ao que julgam ser a fatalidade da História.
Para todos esses não há outra coisa a fazer por Portugal senão o abandono puro e simples do Ultramar Português. Ainda há pouco isso foi afirmado uma vez mais. A propósito da publicação em Portugal de um livro em que se faz a análise da nossa posição frente ao problema ultramarino, a Imprensa internacional e os nossos costumados adversários apressaram-se a perfilhar e proclamar tudo o que nessa análise lhes pareceu favorável às suas teses. Mas repudiando simultâneamente qualquer solução que não fosse a entrega imediata do Ultramar aos movimentos chamados “de libertação”.
Num “Comitê”, chamado dos 24, das Nações Unidas, que se ocupa da descolonização e por isso nos tem continuamente sob o fogo cerrado dos seus ataques, o repúdio de tudo quanto não seja a entrega aos movimentos terroristas nos termos preconizados na célebre resolução da ONU nº 1514, a que já noutras ocasiões me referi, foi repetidas vezes afirmado pelo observador do M. P. L. A., pelos delegados da Tanzânia, da Indonésia, da Austrália, da Tunísia, do Congo, da Etiópia... E na Câmara dos Representantes dos Estados Unidos o deputado negro Sr. Diggs, bem nosso conhecido, claramente afirmou que a solução federal para as províncias ultramarinas não poderia ser aceite pelos Estados Unidos nem pelos países africanos.
No que todos os estrangeiros, desejosos de nos ver despojados do Ultramar jogam, é no colapso da retaguarda em Portugal. Isso viu-se no entusiasmo com que os meios de informação de tantos países seguiram e avolumaram o episódio militar que a irreflexão e talvez a ingenuidade de alguns oficiais, lamentavelmente, produziu há poucos dias nas Caldas.
Ficou o mundo mais bem informado do que se passa em Portugal?
Há por aí frequentes queixumes de que não temos por cá informação completa. Nada, porém, do que de verdadeiro se passa e que ao público interesse deixa de ser trazido ao conhecimento dele.
Mas não é informar bem o público deitar mão a todos os mexericos, a todas as intrigas, a todas as fantasias, ouvidas nas mesas dos cafés ou a algum intrujão imaginativo, para as lançar cá para fora como grandes e sensacionais revelações.
Inventam-se tremendas oposições entre pessoas que mutuamente se respeitam e de comum acordo actuam; divisões internas onde só reina harmonia de vistas; conluios suspeitos em casos em que estão perfeitamente definidas as posições e assumidas as responsabilidades...
Não fica informado o público que escuta mentiras. O facto de o boato ser propalado por jornais ou por emissoras não lhe tira o carácter de boato. Na guerra de 1914-18, quando Portugal começou a mandar tropas para a França e para a África, as paredes encheram-se de cartazes em que o Governo aconselhava, entre outras coisas: despreza os boateiros...
Está claro que em tempo de guerra ou quando há soldados a arriscar as suas vidas não se pode estar a revelar factos ou planos que permitam ao inimigo trabalhar pelo seguro e matar a nossa gente.
Devo dizer que nisto não somos suficientemente cautelosos. Fala-se demais. E ao condicionar-se a informação não pode deixar de se ter em conta que, de um deslize ou de uma imprudência, pode depender a segurança e a vida de quem está na área da acção dos terroristas ou na zona dos combates contra eles.
É inegável que entre a mera curiosidade de alguns senhoritos, que gostam de saber novidades, enquanto tomam o seu café, e a vida dos nossos colonos e dos nossos soldados, não há que hesitar. Gemam embora alguns por não saberem tudo quanto quereriam da marcha das campanhas — não é só a salvação pública que está em causa, é a segurança dos nossos, tantos deles filhos ou parentes de muitos de nós.
Todavia, os comunicados periódicos dos comandos das Forças Armadas não ocultam nada do que pode e convém ser conhecido.
Voltando ao alvoroço de certos meios de informação estrangeiros, quando vislumbraram a divisão das Forças Armadas em Portugal: não acham que é motivo de meditação?
Há pouco, referi-me à irreflexão dos oficiais que se lançaram na aventura de há dias. Irreflexão, por não considerarem que em tempo de guerra subversiva toda a manifestação de indisciplina assume particular gravidade. Irreflexão, por não terem em conta que há manobradores políticos, cá dentro e lá fora, prontos a explorar todos os episódios de que possam tirar partido, para cavar dissensões internas e minar os alicerces do Estado, e para fazer beneficiar interesses do estrangeiro.
Não nos esqueçamos de que o estrangeiro trabalha, sobretudo, para o que lhe convém: não está empenhado em, generosa e desinteressadamente, cuidar do bem do povo português. Pode dizê-lo: mas não é verdade. Como recordava há pouco, neste mundo selvagem em que vivemos, cada um trata de si. Ai de nós se não tivermos perfeita consciência dos nossos interesses e não soubermos defendê-los.
Os estrangeiros não podem sentir o que nós sentimos quando estamos em África e passamos por Massangano, onde os portugueses do século XVII defenderam Angola, ou pela ilha de Moçambique, onde no século XVI residiu Camões.
Não o esqueço eu. Não esqueço a jubilosa multidão nativa que espontâneamente me cercou em Bissau, quando, de surpresa, entrei sozinho na Catedral. Nem o acolhimento entusiasta da população de Luanda. Nem a chegada a Lourenço Marques, numa atmosfera de indescritível alegria, que fez durar horas o trajecto do aeroporto à Ponta Vermelha, constantemente saudado e abraçado por gente de todas as etnias. Nem a juventude da Beira, que me acompanhou nas suas motocicletas, e o colorido da visita à cidade com passagem pelos bairros chineses e industânicos. Nem o espantoso remate com a visita a Nova Lisboa, e a caminhada, a pé, do aeroporto ao Palácio do Governo, no meio de milhares de brancos e pretos, cercado de jovens, na mais exaltante e esfuziante manifestação de patriotismo que me foi dado até hoje viver e que culminou, à noite, com a multidão iluminada por archotes, ao redor da estátua de Norton de Matos, em frente da varanda do palácio onde me encontrava, a entoar, num coro grandioso, o Hino Nacional.
Julgam que posso abandonar esta gente que tão eloquentemente mostrou ser portuguesa e querer continuar a sê-lo?
Não. Enquanto ocupar este lugar não deixarei de os ter presentes, aos
portugueses do Ultramar, no pensamento e no coração. Procuremos as fórmulas
justas e possíveis para a evolução das províncias ultramarinas, de acordo com
os progressos que façam e circunstâncias do mundo: mas com uma só condição, a
de que a África portuguesa continue a ter a alma portuguesa e que nela prossiga
a vida e a obra de quantos se honram e orgulham de portugueses ser!.»
sexta-feira, 28 de março de 2014
Vem aí a Europa das nações
Com 89% dos votos a favor, os cidadãos de Veneza decidiriam em um
referendo se separar da Itália (veja a notícia em italiano, em inglês e em português).
Na prática, o que isso realmente significa é que os venezianos não mais
estão a fim de serem obrigados a pagar impostos para sustentar Roma.
Aparentemente, os venezianos — que residem naquela que foi a histórica capital
de uma das mais ricas e mais bem-sucedidas repúblicas da história da
humanidade — não querem mais subsidiar os notoriamente
corruptos burocratas de Roma.
O sul da Itália sempre foi considerado pelos habitantes do norte — que é
mais rico, mais limpo e mais eficiente — como um sorvedouro de recursos.
Os habitantes do norte trabalham para sustentar, via impostos, o dolce
far niente dos habitantes do sul. De acordo com a reportagem do jornal The Daily Mail,
já há movimentações para estender o movimento secessionista para outras áreas
do norte da Itália.
Um dos organizadores do movimento secessionista é seguidor das ideias de Hans-Hermann Hoppe:
O ativista Paolo Bernardini, professor de história europeia da Universidade de Insubria, em Como, no norte da Itália, disse que 'já era hora' de Veneza voltar a ser um estado autônomo.
'Embora a história jamais se repita, estamos hoje vivenciando um forte
retorno ao arranjo de pequenas nações, de países pequenos e prósperos, capazes de
interagir entre si em um mundo globalizado.'
'O povo veneziano
percebeu que somos uma nação digna de autonomia e que não mais deve ser
abertamente oprimida por uma burocracia longínqua. Todo o mundo está se
movendo em direção à fragmentação; trata-se de uma fragmentação positiva, em
que as tradições locais se misturam às trocas comerciais globais'.
Luca Zaia, membro da separatista Liga do Norte, exultou: "O desejo
e o clamor pela secessão estão crescendo de forma muito robusta. Estamos
apenas no Big Bang do movimento separatista — mas revoluções são originadas de
fome, e estamos muito famintos. Veneza pode agora se libertar."
A nova Repubblica Veneta seria formada por cinco milhões de habitantes da região de Veneto. Caso a secessão de Veneza realmente aconteça, a região da Lombadia e a província de Trento provavelmente farão o mesmo, gerando uma profunda partição da Itália.
Naturalmente, as grandes nações-estado da Europa odeiam — e estão
apavoradas com — ocorrências como essa. Porém, como bem sabe qualquer um
que conheça minimamente a história da Europa, não há praticamente nenhuma
"tradição" no atual formato das fronteiras europeias. Logo, os
burocratas das grandes nações simplesmente não têm argumentos para dizer que as
"tradições" devem ser mantidas. O atual formato da Itália foi
desenhado por políticos, assim como o da Alemanha, que foi moldada à força por
políticos autoritários como Otto von Bismarck, que obviamente odiava o
liberalismo clássico e o capitalismo com todas as fibras do seu ser.
A Europa em polvorosa
Os movimentos secessionistas estão se espalhando por toda a Europa.
Ao prepararem seu referendo, os venezianos foram à Escócia para observar
todos os preparativos que estão sendo feitos pelo Partido Nacional da Escócia
para o referendo que irá ocorrer no dia 18 de
setembro deste ano. A intenção dos escoceses é abolir o Tratado de União de 1707, e com isso se separar em definitivo da Inglaterra.
Também observando os preparativos da Escócia estavam representantes da
Catalunha, que irão fazer um referendo similar no segundo semestre para se separar da Espanha. Secessionistas do País
Basco também estavam presentes na Escócia.
Em um relatório publicado recentemente intitulado de "A Europa sob julgamento", uma pesquisa feita
com 20.000 britânicos descobriu que a Rússia (antes da crise com Kiev e da
anexação da Criméia) era vista mais positivamente do que a União Europeia e o
Parlamento Europeu.
Por uma diferença de 49 a 31, os cidadãos da Grã-Bretanha acreditam que
os custos da filiação à União Europeia sobrepujam os benefícios, e estão igualmente
divididos, 41-41, sobre se devem ou não sair totalmente da União Europeia.
O primeiro-ministro britânico David Cameron já marcou para 2017 um
referendo sobre a continuidade da filiação à União Europeia. Ao que tudo
indica, o Partido Trabalhista britânico — até então o mais favorável à
manutenção da união —, percebendo a impopularidade de UE, também parece mais
aberto a alterar o tratado da UE e a fazer um referendo para se despedir da
Europa caso voltem ao poder em 2015.
Por que a UE está sob esta crescente pressão centrífuga? Por que
várias nações da Europa estão no limiar da secessão?
Não há uma explicação única ou simples.
Veneza e todo o norte da Itália se sentem explorados. "Por
que temos de subsidiar um sul que é menos trabalhador e mais preguiçoso, e que
consome os impostos que geramos aqui?", perguntam eles. Vários italianos
do norte acreditam terem muito mais em comum com os suíços do que com os
romanos, napolitanos e sicilianos.
Na Bélgica, a região de Flandres pensa o mesmo sobre os valões.
Escoceses e catalães acreditam ter uma cultura, uma história e uma identidade
totalmente distinta das nações às quais pertencem.
Por toda a Europa, há também um temor de que o caráter étnico de seus
países esteja sendo alterado permanentemente, e contra a vontade de sua
população. Búlgaros, romenos e ciganos chegam em levas do Leste Europeu,
buscando asilo e refúgio econômico no lado ocidental. Migrantes
desembarcam aos milhares anualmente na ilha italiana de Lampedusa e nas
Canárias espanholas. Recentemente, o The New York Times relatou
um surto de 80.000 migrantes africanos buscando refúgio nos pequenos enclaves
espanhóis de Ceuta e Melilha na costa do Marrocos.
O objetivo dessas pessoas desesperadas? Usufruir o rico estado
assistencialista oferecidos pelos países do Velho Continente. Pessoas
reagem a incentivos e, se há o estímulo do assistencialismo, é impossível
conter o desejo delas. A culpa não é dos imigrantes, que
compreensivelmente querem melhorar de vida, mas sim do generoso estado
assistencialista, que utiliza os impostos incidentes sobre a população que trabalha
para bancar os privilégios de quem não trabalha. E os gastos dessa
"caridade" não param de crescer.
Obviamente, aqueles que sustentam tudo isso já estão previsivelmente
fartos, e buscam na secessão uma maneira de preservar suas riquezas.
Os filhos da Europa estão hoje se rebelando contra as consequências
daquilo que seus pais, paralisados pelo temor do politicamente correto, se
recusaram a atacar.
Era previsível, foi previsto, e vai acontecer.
O futuro
No caso específico de Veneza, será interessante ver o que Roma irá
fazer. Será que seus burocratas mandarão um exército para coletar seus
impostos? Talvez irão apenas fazer uma guerra cultural e recorrer a algum
tipo de campanha de ódio contra os venezianos, apelando a um suposto
patriotismo italiano. Essas coisas quase sempre funcionam.
Dado que Obama recentemente declarou que todos os movimentos de secessão
são ilegítimos (exceto aqueles apoiados pelo governo americano, é claro), ainda
não dá para prever qual será o apoio que Veneza pode esperar da comunidade
internacional.
Em uma entrevista concedida em 2004, Hans-Hermann
Hoppe falou sobre as vantagens de um arranjo formado por países pequenos e
independentes:
Ao contrário, a maior
esperança para a liberdade vem justamente dos países pequenos: Mônaco, Andorra,
Liechtenstein, e até mesmo Suíça, Hong Kong, Cingapura, Bermuda etc. Quem
preza a liberdade deveria torcer e fazer de tudo pelo surgimento de dezenas de milhares
destas entidades pequenas e independentes. Por que não uma Istambul e uma
Esmirna livres e independentes, que mantêm relações cordiais com o governo
central da Turquia, mas que não têm de pagar impostos e nem receber repasses, e
que não mais reconhecem as leis impostas pelo governo central, pois têm as suas
próprias?
Os apologistas de um estado forte e centralizado alegam que tal proliferação de unidades políticas independentes levaria à desintegração econômica e ao empobrecimento. No entanto, não apenas a evidência empírica contradiz esta alegação — todos os pequenos países citados acima são mais ricos que seus vizinhos —, como também uma reflexão teórica mostra que tal alegação não passa de mais um mito estatista.
Governos pequenos
possuem vários concorrentes geograficamente próximos. Se um governo
passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população
emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo
ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas
confiscatórias. Quanto menor o país, maior a pressão para que ele adote
um genuíno livre comércio e maior será a oposição a medidas
protecionistas. Toda e qualquer interferência governamental sobre o
comércio exterior leva a um empobrecimento relativo, tanto no país quanto no
exterior.
Porém, quanto menor
um território e seu mercado interno, mais dramático será esse efeito. Se
os EUA adotarem um protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos
americanos cairá, mas ninguém passará fome. Já se uma pequena cidade,
como Mônaco, fizesse o mesmo, haveria uma quase que imediata inanição
generalizada.
Imagine uma casa de
família como sendo a menor unidade secessionista concebível. Ao praticar
um livre comércio irrestrito, até mesmo o menor dos territórios pode se
integrar completamente ao mercado mundial e desfrutar todas as vantagens
oferecidas pela divisão do trabalho. Com efeito, seus proprietários podem
se tornar os mais ricos da terra. Por outro lado, se a mesma família
decidir se abster de todo o comércio inter-territorial, o resultado será a
pobreza abjeta ou até mesmo a morte. Consequentemente, quanto menor for o
território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre
comércio.
Por fim, irei apenas mencionar, mas sem no entanto adentrar em detalhes explicativos por pura falta de espaço, que a secessão também promoveria uma integração monetária e levaria à substituição do atual sistema monetário baseado em moedas fiduciárias nacionais — que flutuam entre si e se desvalorizam diariamente — por um padrão monetário baseado em uma commodity totalmente fora do controle dos governos. Em suma, o mundo seria formado por pequenos governos liberais e seria economicamente integrado por meio do livre comércio e por uma moeda-commodity internacional, como o ouro. Seria um mundo de prosperidade, crescimento econômico e avanços culturais sem precedentes.
______________________________________
Participaram deste artigo:
Ryan McMaken, editor do site do Ludwig von Mises Institute dos EUA
Patrick Buchanan, co-fundador e editor da revista The American Conservative, e também autor de sete livros, dentre eles Where the Right Went
Wrong, A Republic Not An Empire, e o polêmico Churchill, Hitler, and
the Unnecessary War.
Hans-Hermann Hoppe, membro sênior do Ludwig von Mises Institute,
fundador e presidente da Property and Freedom Society. Recebeu seu
Ph.D e fez seu pós-doutorado na Goethe University em Frankfurt, Alemanha.
É o autor, entre outros trabalhos, de Uma Teoria sobre Socialismo
e Capitalismo e The Economics and Ethics of Private Property.
A prova que o manifesto foi escrito por lunáticos...
A Argentina está sendo avisada de que seus credores irão além dos limites da Terra para conseguir seu dinheiro de volta.
Em sua última tentativa de fazer cumprir o pagamento, definido em julgamentos, de US$ 1,7 bilhão em bônus da moratória da Argentina em 2001, o bilionário Paul Singer está processando o país e a Space Exploration Technologies, de Elon Musk, para travar dois contratos de serviços de lançamentos de propriedade do país sudamericano. Em 2012, Singer arrestou um navio militar que estava atracado em Gana e entre os esforços de outros credores estão a apreensão de armas armazenadas nos EUA e a tentativa de confiscar o avião presidencial.
quinta-feira, 27 de março de 2014
Privados mas pouco...
O BES e o regime
João Miguel Tavares,
A decisão do Banco de Portugal de obrigar o Grupo Espírito Santo a fazer provisões de 700 milhões de euros, devido a receios sobre a capacidade de reembolsar a totalidade de emissão de dívida vendida a clientes do BES, é um momento muito importante para o sistema financeiro português. Por um lado, porque mostra finalmente o nosso banco central a actuar como um verdadeiro regulador, após anos e anos de uma supervisão narcoléptica, que acabou por enterrar o país no caso BPN. Por outro, porque é um sinal público de que o BES, eterno banco do regime e porta-giratória de inúmeros ministros e deputados, tem, de uma vez por todas, de mudar de cultura e de vida.
Manda
o rigor, e a boa tradição portuguesa, sublinhar que muitos destes casos
resultaram em absolvição dos arguidos. Mas, das duas, uma: ou o BES é
menos popular no DCIAP do que Hitler entre os judeus, ou, de facto, há
uma cultura de gestão altamente problemática, a que urge pôr cobro.
Tendo em conta a importância da reputação num banco sistémico, é
impossível viver com a sensação de que valia a pena a polícia abrir uma
dependência dentro do BES, tendo em conta o tempo que passa a investigar
o banco. Daí a importância simbólica do gesto do Banco de Portugal – é
um enorme passo em frente na transparência do nosso sistema financeiro
e, sobretudo, um motivo para termos esperança de que fazer negociatas à
moda antiga venha a ser, no futuro, muito mais difícil.
aqui
João Miguel Tavares,
A decisão do Banco de Portugal de obrigar o Grupo Espírito Santo a fazer provisões de 700 milhões de euros, devido a receios sobre a capacidade de reembolsar a totalidade de emissão de dívida vendida a clientes do BES, é um momento muito importante para o sistema financeiro português. Por um lado, porque mostra finalmente o nosso banco central a actuar como um verdadeiro regulador, após anos e anos de uma supervisão narcoléptica, que acabou por enterrar o país no caso BPN. Por outro, porque é um sinal público de que o BES, eterno banco do regime e porta-giratória de inúmeros ministros e deputados, tem, de uma vez por todas, de mudar de cultura e de vida.
Na última década, o nome Espírito Santo esteve
envolvido em investigações relacionadas com: 1) o caso Portucale, que
meteu o abate de sobreiros numa zona protegida, após a aprovação de
empreendimentos imobiliários em contra-relógio, em vésperas das
legislativas de 2005, por parte de ministros do CDS-PP; 2) o caso dos
submarinos, onde se suspeitou de financiamento partidário por parte do
consórcio vencedor; 3) o caso Mensalão, mais financiamento partidário,
desta vez do PT de Lula da Silva (as notícias do caso levaram a um corte
de relações entre o BES e a Impresa); 4) o caso das contas de Pinochet,
com dinheiro do ditador chileno a passar, segundo uma investigação
americana, pelo banco português, via Miami; 5) o caso das fraudes na
gestão dos CTT, incluindo a mediática venda de um prédio em Coimbra,
valorizado em mais de cinco milhões de euros num só dia; 6) a
interminável Operação Furacão, megaprocesso de investigação de fraude
fiscal; 7) o caso Monte Branco, onde Ricardo Salgado constava da lista
de clientes da Akoya, rede suíça de fraude fiscal e branqueamento de
capitais; 8) o caso dos 8,5 milhões de euros que Salgado se esqueceu de
declarar ao fisco, detectados na sequência das investigações à Akoya, e
que teria recebido por alegados serviços de consultadoria prestados a um
construtor português a actuar em Angola; 9) o caso da venda das acções
da EDP pelo BES Vida, feita dias antes da aprovação da dispersão em
bolsa da EDP Renováveis, o que levantou suspeitas de abuso de informação
privilegiada; 10) o caso do BES Angola, uma investigação por
branqueamento de capitais que acabou por transformar Álvaro Sobrinho,
antigo presidente do BESA, num dos inimigos de Ricardo Salgado (o BES,
por sua vez, veio acusar Sobrinho de utilizar os jornais da Newshold – o i e o Sol
– para ataques pessoais ao presidente do banco); 11) o caso da recente
multa (1,1 milhões de euros) em Espanha, devido a infracções “muito
graves” de uma norma para a prevenção de branqueamento de capitais (em
2006, a Guardia Civil já havia feito uma rusga a uma dependência
espanhola do BES). É possível que me esteja a esquecer de alguma coisa.
aqui
Sobre as eleições europeias
Não votem nas eleições europeias... Não alimentem os burrocratas pela vossa saúde mental.
A democracia só é válida em eleições de âmbito local, votar em eleições centralistas é o mesmo que assinar um cheque em branco.
quarta-feira, 26 de março de 2014
terça-feira, 25 de março de 2014
Calma
Como pode ter a austeridade tirado 29 mil milhões aos portugueses se esse dinheiro nem sequer existia?
Seria mais correto assim:
Austeridade tirou a hipótese dos portugueses se endividarem em mais 29 mil milhões de euros
Mas a brincadeira ainda não acabou, porque com um défice de 7 mil milhões em 2013 recheado de receitas extraordinárias e uma carga de impostos que inibe empresários de arriscarem, muito ainda há por fazer.
Tiago Mestre
Portugueses ficaram mais ricos durante o Estado Novo
Afinal, Salazar não era um lacaio da Igreja. Afinal, a integração europeia não começou com Soares. Estas e outras conclusões estão no terceiro capítulo do livro de Henrique Raposo, "História Politicamente Incorrecta de Portugal Contemporâneo", que o Dinheiro Vivo publica em exclusivo.
"A taxa de crescimento de Portugal durante os anos 2000 foi de 0,6%; nos anos 90 e 80, o país cresceu a 3,1% e 3,6% respetivamente; nos anos 70, cresceu a 4,9% e nos anos 60 a taxa atingiu 5,8%. Os anos 60 são, portanto, o período dourado da nossa economia e, apesar do caos pós-1974, os anos 70 também merecem destaque. Como é que isso foi possível? Em 1970, 1971 e 1972, Portugal conheceu taxas de crescimento chinesas: 8,47%, 10,49% e 10,38%. E estes picos de crescimento asiáticos também surgiram obviamente nos anos 60: 8,8% (1960), 10,53% (1962), 6,05% (1964), 9,41% (1965). Estas taxas de crescimento representaram um quarto de século de convergência em relação aos clubes dos mais ricos.
Entre 1961 e 1973, a média de crescimento dos países da OCDE foi de 5%; no mesmo período, Portugal cresceu a 6,9% [...] A percentagem da população beneficiada pelos diferentes regimes da segurança social passou de 13,3% (1960) para 27,5% (1970) e 37,4% (1974). Olhe-se, por exemplo, para os pensionistas: em 1960, existiam 119 586 (56 296 no regime geral e 63 290 na CGA); em 1970, os sistemas abrangiam 260 807 reformados e o número já estava nos 607 084 em 1973; no final deste processo, em 1974, existiam 780 399 pensionistas em Portugal (701 561 no regime geral e 78 838 na Caixa Geral de Aposentações). Terá havido até hoje uma expansão do Estado social tão rápida como esta? [...]
E aqui entra em jogo um facto curioso: entre 1975 e 1980, o ritmo de subida do número de consultas médicas baixou. Pior: o número de consultas entrou em queda na primeira metade da década de 80. Resultado? Em meados da década de 80, o número de consultas era quase idêntico ao número de consultas de meados da década de 70 [...] Se a linha do analfabetismo continuou a descer nos primeiros anos da democracia, o mesmo não se verificou na linha ascendente das conclusões do ensino secundário. Na segunda metade dos anos 70 e na primeira metade dos anos 80, a percentagem de população com liceu concluído desceu para os níveis do início dos anos 70 [...] Estes números dizem uma coisa muito simples: o Estado social depende da riqueza produzida pela sociedade e não de leis que procuram garantir juridicamente aquilo que não tem garantia jurídica possível. Seja qual for o regime político, uma sociedade só pode criar e manter um Estado social se gerar a riqueza necessária para o pagar.
As liberdades políticas, civis e religiosas, sim, podem ser defendidas juridicamente, porque não dependem de qualquer condição material. Mas os direitos sociais só podem ser defendidos através da criação de riqueza e da revitalização demográfica. Entre 1950 e 1973, o PIB per capita português convergiu em relação à Europa ocidental a uma média anual de 1,85%, mas, entre 1973 e 1986, a riqueza dos portugueses entrou em divergência (-0,49%). A divergência foi o sintoma da crise que assolou o país; uma crise provocada por causas externas que afetariam o país mesmo num cenário sem 25 de Abril (crise do petróleo) e por causas internas (o PREC e os seus efeitos) [...]
Como tem uma conceção exclusivamente material e económica da política e da democracia, a intelligentsia portuguesa assume, de imediato, que um intelectual que regista a boa performance económica do Estado Novo só pode estar interessado no branqueamento de Salazar. Convém perceber que estas febres progressistas nascem da deturpação dos conceitos de democracia e de legitimidade política, um problema que infeta o debate intelectual em Portugal [...] Estão aqui em causa dois erros da visão economicista que a esquerda tem da democracia: supõe-se que a democracia cria mais riqueza do que as ditaduras e, logo a seguir, afirma-se que a democracia é superior do ponto de vista moral, precisamente porque cria mais riqueza e proteção social. Por outras palavras, coloca-se um princípio moral na dependência de uma variável económica.
Esta visão da democracia e da legitimidade política está errada, e até se torna perigosa em tempos de crise. Porquê? Se fosse levada até à conclusão lógica, esta mundividência progressista teria de retirar legitimidade a uma democracia em empobrecimento económico e social, e teria de dar legitimidade a uma ditadura em enriquecimento e em processo de construção de uma rede de proteção social. Como é que se anula esta falácia? Com uma declaração moral: o constitucionalismo liberal e democrático é um princípio moral que vale por si, logo a sua legitimidade não pode ser transformada numa mera dependência de variáveis económicas que muitas vezes não são controláveis pelos governos (ex.: demografia). A utilidade económica de um regime vai e vem, mas a legitimidade da democracia constitucional não vai nem vem: está sempre no mesmo sítio.
A democracia dos EUA não deixou de ser legítima por causa do empobrecimento dos anos 20 e 30. A democracia indiana de Nehru (anos 40 e 50) não deixou de ser legítima por causa das políticas socialistas que empobreceram ainda mais os indianos. E esta moralidade política também funciona no sentido inverso: apesar de ter enriquecido os chilenos com acertadas políticas económicas, Pinochet não foi um líder legítimo. Embora apresente taxas de crescimento maiores, a autoritária China não é mais legítima do que a democrática Índia [...] Da mesma forma, a ilegitimidade autoritária de Salazar e Marcelo não é atenuada pelo desempenho económico e social do Estado Novo. O regime de Salazar e Caetano será sempre ilegítimo, porque usou censura, polícia política, tortura e corrupção eleitoral. Para diminuir o Estado Novo não é necessário esconder a formidável evolução económica e social de 1930 a 1973. As críticas morais e políticas chegam e sobram para deslegitimar o salazarismo [...]."
A democracia dos EUA não deixou de ser legítima por causa do empobrecimento dos anos 20 e 30. A democracia indiana de Nehru (anos 40 e 50) não deixou de ser legítima por causa das políticas socialistas que empobreceram ainda mais os indianos. E esta moralidade política também funciona no sentido inverso: apesar de ter enriquecido os chilenos com acertadas políticas económicas, Pinochet não foi um líder legítimo. Embora apresente taxas de crescimento maiores, a autoritária China não é mais legítima do que a democrática Índia [...] Da mesma forma, a ilegitimidade autoritária de Salazar e Marcelo não é atenuada pelo desempenho económico e social do Estado Novo. O regime de Salazar e Caetano será sempre ilegítimo, porque usou censura, polícia política, tortura e corrupção eleitoral. Para diminuir o Estado Novo não é necessário esconder a formidável evolução económica e social de 1930 a 1973. As críticas morais e políticas chegam e sobram para deslegitimar o salazarismo [...]."
De olhos em bico
Um ano depois, quais os resultados dos estímulos econômicos no Japão?
por Juan Ramón Rallo,
Em dezembro de 2012, Shinzo Abe foi eleito primeiro-ministro do Japão com a promessa de reanimar a economia japonesa, estagnada desde o estouro da bolha imobiliária em 1990. Após 25 anos de estagnação econômica, muitos japoneses receberam a "Abenomics" — o apelido dado a essa "nova" matriz econômica — com uma mescla de ilusão e esperança.
A receita do primeiro-ministro nipônico, especificada ainda em dezembro de 2012, seduziu os analistas nacionais e estrangeiros: intensa expansão monetária, aumento dos gastos públicos e reformas estruturais. Essas seriam as três famosas flechas com as quais Abe dizia que iria acertar o alvo.
Keynesianos e monetaristas imediatamente se mostraram deslumbrados: finalmente, o helicóptero japonês entraria em pleno funcionamento, e seria utilizado para financiar um ambicioso plano de obras públicas que faria renascer o crescimento japonês.
Um ano depois, essa bolha de otimismo ainda está longe de se traduzir em fundamentos reais.
Comecemos recordando em que consiste o Abenomics. Ao longo de 2013, o Banco Central do Japão aumentou suas compras de títulos da dívida pública em 60%, ou seja, em 50 bilhões de euros (algo equivalente a todo o gasto público anual da Espanha). Adicionalmente, para 2014, já está prevista a compra de outros 50 bilhões, desta maneira duplicando a base monetária japonesa em relação ao nível vigente em 2012.
No que mais, também em 2013, os investimentos públicos vivenciaram seu maior aumento desde o início da década de 1990 (em 11,3%), elevando os gastos do governo ao nível mais alto de sua história e o déficit orçamentário a um dos mais elevados (cerca de 9% do PIB).
Dito de outra forma, é indubitável que o estado nipônico tenha desempenhado uma influência notável ao longo de 2013 para tentar aditivar a atividade econômica japonesa, se esforçando para aumentar a quantidade de dinheiro nas mãos de seus cidadãos, seja por meio de expansões da base monetária, seja por meio de aumentos nos gastos públicos e, consequentemente, nos déficits orçamentários (cujo financiamento resulta em criação de dinheiro pelos bancos).
O resultado sobre os preços dos ativos foram sentidos de maneira muito clara: o índice Nikkei aumentou mais de 50% em 2013, os preços dos imóveis (segundo o TSE Home Price Index) subiram mais de 5% — o maior ritmo desde o estouro da bolha imobiliária em 1990 —, e o iene se desvalorizou quase 20% em relação ao dólar.
Tudo parecia preparado para que a economia japonesa decolasse ao longo de 2013: iene barato para promover as exportações, expectativas exuberantes para a bolsa de valores, o que podia proporcionar financiamento barato para as empresas fazerem novos investimentos, e preços imobiliários crescentes para reanimar o moribundo setor da construção civil.
No entanto, o Japão, até o presente momento, segue tão estancado quanto antes: em 2013, o PIB cresceu apenas 1,5%, a mesma taxa obtida em 2012, quando ainda não havia a Abenomics. Mas a coisa piora: os dois últimos trimestres de 2013 exibiram um crescimento quase zero, chegando a ser inferior ao espanhol. Com efeito, o setor privado está em recessão desde meados de 2013, e os únicos setores que estão indo bem são o da construção civil (entorpecido pelas injeções monetárias e estímulos fiscais) e o das exportações (entorpecido pela desvalorização do iene).
Um problema adicional é que este aumento das exportações de modo algum constitui um consolo para a economia japonesa: sim, é verdade que o setor exportador registrou, em janeiro de 2014, receitas 9% maiores do que as do ano anterior; porém, os custos para o setor importador dispararam 25% em decorrência da desvalorização do iene, gerando o maior déficit comercial da história do país (mais do que o dobro do recorde histórico anterior, alcançado em dezembro de 2013).
Traduzindo: é como se uma empresa aumentasse suas receitas, mas seus gastos disparassem ainda mais, sobrepujando em muito as receitas.
Pode ser que ainda seja cedo para se declarar o completo fracasso do Abenomics; porém, desde já, os resultados alcançados até o momento não apenas são decepcionantes, como estão muito aquém do prometido: o Japão segue obstinado em não sanear seus grandes desequilíbrios financeiros (a bolha imobiliária da década de 1980 gerou um hiperendividamento, e seu consequente calote descapitalizou todo o conjunto da sociedade: pessoas, empresas a bancos) e optou por continuar incorrendo nos mesmos erros.
Entre 1990 e 2012, a dívida pública do país aumentou 260%. Qual foi o glorioso resultado? Neste mesmo período, o PIB nominal caiu 0,2%. Após este retumbante fracasso, os keynesianos nipônicos voltaram a demonstrar o mesmo entusiasmo com o Abenomics, o qual até agora só consolidou as piores tendências: continuar postergando o reajuste à custa de mais endividamento. Só que agora com um agravante: destruindo o poder de compra da moeda.
Sempre que os defensores do ativismo estatal e do intervencionismo começaram a repetir o mesmo mantra de sempre — a saber, que o estado deve gastar mais, incorrer em déficits e se endividar para estimular a economia —, relembre-os de que já existe um tenebroso exemplo a este respeito: o Japão. Ou, se quisermos um precedente menos oriental, há um outro ainda mais fácil: a Argentina.
O keynesianismo simplesmente não funciona, exceto para alguns poucos empresários bem relacionados com o governo, tudo à custa do povo. No somatório final, o keynesianismo apenas empobrece a sociedade, afogando-a em um oceano de dívida improdutiva.
segunda-feira, 24 de março de 2014
Se o jornalismo fosse sempre assim II
RESPOSTA DE JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS AOS COMENTÁRIOS PUBLICADOS NESTA PÁGINA À ENTREVISTA FEITA PELO JORNALISTA A JOSÉ SÓCRATES, NO DOMINGO, DIA 23 DE MARÇO DE 2014, NA RTP1:
Devido às minhas funções na RTP, que nada têm a ver com a minha actividade de romancista para a qual esta página foi criada, alguns leitores escreveram mensagens críticas da forma como foi conduzido o espaço com José Sócrates. Repito que isto nada tem a ver com os livros, razão de ser desta página de Facebook, mas não me importo de esclarecer dúvidas e equívocos que me parecem nascer do facto de muitas pessoas, e como é natural, desconhecerem as regras da actividade jornalística.
Uma leitora chega mesmo a perguntar em que escola aprendi jornalismo. A resposta é: na BBC. Sei que se calhar não é suficientemente boa, mas foi o que se pôde arranjar.
O que ensina a BBC? Quais as regras da nossa profissão? É obrigado um jornalista a ser sempre isento? Há ocasiões em que não deve ser isento? São perguntas interessantes e todas elas têm resposta, embora o público em geral, e como me parece normal, não as conheça.
1. A isenção de um jornalista não é obrigatória. Depende da linha editorial do jornal. Não faz sentido esperar que um jornalista do «Avante!», por exemplo, seja isento. A linha editorial do «Avante!» é claramente comunista e um jornalista que não a queira respeitar tem a opção de se ir embora. Há muitos casos que se podem encontrar de linhas editoriais que implicam alinhamentos (partidários, desportivos, ideológicos, etc).
2. No caso da RTP, a linha editorial é de isenção. Isto acontece porque se trata de um meio público, pago por todos os contribuintes, pelo que deve reflectir as diferentes correntes de opinião. Os jornalistas esforçam-se por escrever as notícias com neutralidade e, nos debates, os moderadores esforçam-se por permanecer neutrais.
3. Nas entrevistas, no entanto, as regras podem mudar. Há dois tipos de entrevista: a confrontacional (normalmente a entrevista política) e a não confrontacional. Em ambos os casos a isenção pode perder-se, não porque o entrevistador seja pouco profissional, mas justamente porque é profissional. Por exemplo, numa entrevista não confrontacional com a vítima de uma violação é normal que o entrevistador se choque com o que aconteceu à sua entrevistada. Estranho seria que ele permanecesse indiferente ao sofrimento. Não se trata um violador e uma mulher violada da mesma maneira, não se trata um genocida e uma pessoa que perdeu a família inteira da mesma maneira - a regra da isenção não se aplica necessariamente.
4. As entrevistas políticas são, por natureza, confrontacionais (estranho seria que não fossem e que jornalista e político tivessem uma relação de cumplicidade). Uma vez que o agente político que está a falar não tem ninguém de outra força política que lhe faça o contraditório (como aconteceria num debate), essa função é assumida pelo entrevistador. O entrevistador faz o contraditório, assume o papel de advogado do diabo. Portanto, o jornalista suspende por momentos a sua isenção para questionar o entrevistado. Isto é uma prática absolutamente normal. O entrevistador não o faz para "atacar" o entrevistado, mas simplesmente para fazer o contraditório. Acontece até frequentemente fazer perguntas com as quais não concorda, mas sabe que o seu papel é fazer de "oposição" ao entrevistado.
5. Dizem os manuais de formação da BBC, e é assim que entendo o meu trabalho, que o entrevistador não é nem pode ser uma figura passiva que está ali para oferecer um tempo de antena ao político. O entrevistador não é o "ponto" do teatro cuja função é dar deixas ao actor. Ele tem de fazer perguntas variadas, incluindo perguntas incómodas para o entrevistado. Não deve combinar perguntas com os políticos, mas deve informá-lo dos temas. No acto da entrevista o entrevistado "puxa" pela sua faceta positiva e o entrevistador confronta-o com a sua faceta potencialmente negativa. Espera-se assim que o espectador veja as duas facetas.
6. Uma vez apresentado o princípio geral, vejamos o caso de José Sócrates. É falso que José Sócrates desconhecesse esta minha linha de pensamento. Almoçámos e expliquei-lhe o meu raciocínio. Avisei-o de que, se encontrasse contradições ou aparentes contradições entre o que diz agora e o que disse e fez no passado, as colocaria frente a frente e olhos nos olhos, sem tergiversações nem subterfúgios, como mandam as regras da minha profissão. Far-me-ão a justiça de reconhecer que fiz o que disse que ia fazer.
7. Como todas as figuras polémicas, José Sócrates é amado por uns e odiado por outros. É normal com as figuras públicas, passa-se com ele e passa-se comigo e com toda a gente que aparece em público. Mas o que se está a passar com ele é que muita gente fala mal nas costas e ninguém pelos vistos se atreve a colocar-lhe as questões frontalmente. Fui educado fora de Portugal e há coisas que me escapam sobre o país, mas dizem-me que é um traço normal da cultura portuguesa: falar mal pelas costas e calar quando se está diante da pessoa. Acho isso, devo dizer, lamentável. Quando alguém é muito atacado, devemos colocar-lhe frontalmente as questões para que ele tenha o direito de as esclarecer e assim defender-se. Foi o que foi feito na conversa com José Sócrates. As questões que muita gente coloca pelas costas foram-lhe apresentadas directamente e ele defendeu-se e esclareceu-as. Se o fez bem ou mal, cabe ao juízo dos espectadores.
8. O caso de José Sócrates tem alguns contornos especiais e raros. Ele foi Primeiro-Ministro durante seis anos e acabou o mandato com o país sob a tutela da troika. Quando era chefe do Governo, começou a aplicar medidas de austeridade. No PEC I foram muito suaves (cortes em deduções fiscais e outras coisas), mas foram-se agravando no PEC II (aumento de impostos) e no chamado PEC III, que na verdade era o Orçamento de 2011 (corte de salários no sector público, introdução da Contribuição Especial de Solidariedade aos pensionistas, aumento de impostos, cortes nas deduções, etc). Defendendo estas medidas, afirmou em público que "a austeridade é o único caminho". Agora, nas suas declarações públicas, ele mostra-se contra a austeridade. Estamos aqui, pois, perante uma contradição - ou aparente contradição. Não tem um jornalista o dever de o colocar perante essa (aparente ou não) contradição, dando-lhe assim oportunidade para esclarecer as coisas?
9. Na entrevista não é para mim necessariamente relevante se ele tinha razão quando aplicou a austeridade ou se tem razão agora que critica a austeridade. O que é relevante é que há uma aparente contradição e cabe ao jornalista confrontá-lo com ela. Foi o que foi feito e ele prestou os seus esclarecimentos. Se foi convincente ou não, cabe a cada espectador ajuizar, não a mim. Limitei-me a apresentar-lhe directamente os problemas e a dar-lhe a oportunidade de os esclarecer. O meu trabalho ficou completo.
10. Como disse no ponto 8, o caso de José Sócrates é raro. Não é muito normal termos entrevistados com as circunstâncias dele. O tipo de conversa que era necessário para esclarecer as coisas não nasce do facto de ele ser do PS, mas das suas circunstâncias únicas. Se o entrevistado fosse, por exemplo, Ferro Rodrigues ou Maria de Belém ou Francisco Assis ou qualquer outra figura do partido, o perfil da conversa teria de ser diferente porque nenhum deles teve funções de Primeiro-Ministro durante tanto tempo e imediatamente antes da chegada da troika nem entrou num discurso tão aparentemente contraditório como José Sócrates. São as suas circunstâncias específicas que exigem uma abordagem específica. Se o Primeiro-Ministro que governou nos seis anos antes da chegada da troika fosse do PSD, CDS, PCP, BE, MRPP ou o que quer que seja, e fizesse declarações tão aparentemente contraditórias com o que disse e fez quando governava, não tenham dúvidas de que as minhas perguntas seriam exactamente as mesmas.
11. No final, temos de nos perguntar: José Sócrates esclareceu bem a sua posição? Essa resposta cabe a cada um e aí não meto eu o dedo. Limitei-me a dar-lhe a oportunidade de tudo esclarecer.
12. E aquele espaço?, perguntarão alguns. É entrevista? É comentário? Boa pergunta. A minha resposta está no ponto 5.
Um abraço a todos.
José Rodrigues dos Santos
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