terça-feira, 5 de agosto de 2014

Mas, como foi possível tudo isto acontecer?

Muita pergunta surge nos jornais e nas redes sociais a propósito do escândalo do BES, nomeadamente:

COMO FOI POSSÍVEL TAL TER ACONTECIDO?

COMO FOI POSSÍVEL O BANCO DE PORTUGAL NÃO TER VISTO ISTO MAIS CEDO?

COMO FOI POSSÍVEL RICARDO SALGADO TER ENGANADO TODA A GENTE?

Tentar responder detalhadamente dava uma longa redação, e portanto vou já ao cerne da questão.

O grande motivo que levou Ricardo Salgado a abusar do sistema prendeu-se (gosta da palavra) justamente por causa das regras e dos estímulos que a classe política implementou ao longo de décadas, senão vejamos:

Desde que a classe política "descobriu" que era imperativo que os países crescessem, caso contrário deixariam de conseguir servir os défices, as dívidas e o castelo de cartas chamado "Estado Social", engendraram-se uma data de esquemas financeiros que visavam estimular todo e qualquer crescimento económico. O grande instrumento para esta política chamava-se Banco Central. E no caso da Europa, já com o € à vista (ali a meio da década de 90), como o crescimento natural dos países já dava mostras de alguma fadiga, mesmo com as massivas transferências de dinheiro dos países ricos para os pobres, não havia outro remédio senão atuar.
E foi aqui que os estímulos errados começaram a meter veneno, porque quando se tenta manipular a realidade num certo sentido, é normal que esta reaja e traga consequência inesperadas, que voltam depois a ser contrariadas por mais políticas públicas, e por aí fora até a coisa estourar.

O primeiro grande desleixo foi a aceitação de que os bancos pudessem aumentar os seus ativos e passivos sem acompanharem no capital próprio. No fundo permitia-se que estes se endividassem com as maturidades que entendessem, emprestando esse dinheiro a clientes com a maturidade que também entendessem, e como seria de esperar, para maximizar lucros, os banqueiros pediam emprestado a curto prazo para pagarem juro baixinho e emprestavam a longo prazo com juro alto. O lucro estava neste carry trade. Mas há um senão neste esquema, é que o banqueiro precisa de fazer com mais frequência o roll-over da sua dívida, já que esta vence de forma mais frequente. O outro senão era a fé que banco e cliente tinham que um empréstimo a 30 ou 40 anos (como foi para a habitação) pudesse ser sempre pago pelo cliente, ou seja, como se não houvesse oscilações na economia e no mercado de emprego durante tanto tempo. Demasiado otimista. Esta fé foi alimentada por uma permanente queda das taxas de juro pelos bancos centrais ao longo de anos, bonificações aos jovens em que o Estado pagava uma parte do juro e sei lá que mais, reforçando o estímulo para que bancos e clientes contratualizassem cada vez mais dívida entre eles.

Neste contexto, quem é que queria reforçar capitais próprios? Ninguém. Primeiro porque não era exigido, e segundo porque os lucros sobravam em menor quantidade para os acionistas. Foi assim que chegámos ao ridículo de haver bancos com 3 ou 4% de capital próprio para 100% dos seus ativos, que são todos financiados com dívida, ou seja, com um passivo também ele gigantesco.
Poupar e guardar para um futuro nublado era exercício para pessimistas fundamentalistas.

Estando já este modus operandi implementado, surgem as primeiras estaladelas no mercado de capitais, nomeadamente em 2008. Com muitos John e Joes a não pagarem a renda do seu empréstimo subprime das suas McMansion's, as instituições bancárias que eram devedoras umas das outras também claudicaram, suspendendo-se pagamentos em cadeia. Não havia tesouro para o dia nublado e dum dia para o outro os bancos mundiais entravam em falência. Moral da história: Governos e Bancos Centrais tinham que intervir em força, novamente!

Entrávamos num novo capítulo de estímulos errados e contraproducentes.
Agora eram os bancos centrais quase a exigir aos bancos privados que não parassem de emprestar dinheiro, porque era fundamental recuperar as economias após o tombo de 2009. Inventaram-se toda a espécie de esquemas para que o dinheiro fosse de graça: taxas de juro a 0%, ofertas ilimitadas de dinheiro pelos bancos centrais, etc. Neste contexto, 2010 até nem foi mau, mas foi à custa de muita emissão de moeda e dívida. Os Estados endividaram-se de tal forma num tão curto espaço de tempo, promovendo subsídios, investimentos em estradas e sei lá que mais, que a desconfiança estalou para com as obrigações de certos países, incluindo Portugal. A aposta na emissão de dívida e criação de défices de 10% ao ano para que a economia levitasse levantaram suspeitas, e muita gente não acreditou. Em semanas instalou-se a derrocada.

Para se tentar "corrigir" este novo problema, mais um pacote de estímulos por parte do BCE: aquisição pontual de obrigações do tesouro portuguesas, gregas e irlandesas ainda no tempo de Trichet; depois vieram os LTRO's com Draghi e sucessivos abaixamentos das taxas de juro que duram até hoje. O FED foi ainda mais longe, já com a taxa de juro a 0,25% e sem a economia descolar, iniciou uma política de aquisição direta de obrigações meio manhosas, tipo subprime, a bancos privados, para que estes, com dinheiro fresco do FED e balanços renovados, voltassem a emprestar entre si com mais confiança, investir em novas obrigações, ações, emprestar à economia privada, etc, etc. O intuito é sempre o mesmo: recuperar a economia e o emprego.
E para dar alguma credibilidade a todo o processo de recuperação na Europa, exigiu-se a certos países, como Portugal, que iniciassem a redução de défices, tarefa que tem vinda a ser feita mas com muito custo e pouquíssimos resultados.

Como era de imaginar, tanto estímulo teria que promover reações inesperadas, e o que a realidade nos veio dizer é que os banqueiros de grandes instituições marimbaram-ser ainda mais para o reforço dos seus capitais próprios, indo muito mais longe: começaram a investir doses maciças de dinheiro em projetos que dificilmente se pagariam. Onde se julgava haver oportunidades, não hesitavam, tudo financiado com dívida, dívida essa que os bancos pediam emprestado a outros bancos maiores, que por sua vez pediam dinheiro ao BCE ou ao FED, exigindo estes em troca (veja-se o ridículo) obrigações públicas com notação de lixo como colateral. Quanto mais nos queríamos endividar, mais teríamos que comprar obrigações junk (forçando a queda de juros dessas obrigações no mercado secundário) para que o BCE nos fizesse a vontade. É tão ridículo que custa a acreditar que embarcámos nesta loucura.

Tendo os políticos constatado que tanto estímulo só trazia comportamentos perversos no meio bancário, lembraram-se de exigir aos bancos que cumprissem certos rácios de liquidez e património, emanados dos acordos de Basileia III. Tais exigências não eram possíveis de cumprir com bancos tão endividados e acionistas sem capacidade de lá meter dum dia para o outro biliões de euros, ou seja, criaram-se as condições para inventar novos esquemas de aldrabice:
- Transformar, como que por magia, créditos que eram delinquentes, em créditos que afinal já não o eram, recorrendo a todo o tipo de trafulhices
- Reengenharia nas contas dos bancos, etc, etc

Agora é tarde para se voltar atrás, porque em vez de haver tesouro em certos oásis, o que há é uma conexão fortíssima entre instituições baseada em doses gigantescas de dívida. Por muita supervisão e fiscalização que haja por parte dos bancos centrais às contas dos bancos privados, a fragilidade no sistema será sempre mais do que muita. Pedem-se milagres hoje em dia aos governadores dos bancos centrais de cada país.
As reservas gastaram-se e a única que há chama-se emissão de moeda por parte dos bancos centrais, que em abono da verdade não é reserva nenhuma. Para se salvar o BES bom, vejam lá, tem que ser o Estado, entidade super endividada, a pedir dinheiro à troika, também ele emprestado. Não há tesouros, só há dívida.

Mas não há um só culpado, daí Ricardo Salgado ser, na minha opinião, mais uma vítima do sistema e da sua própria ganância do que propriamente um criminoso. Foi o relaxe nas regras deste novo sistema financeiro mundial que deixaram Salgado pôr-se a jeito.
Foram milhões de cabeças pensantes a engendrarem múltiplos esquemas, uns legais e outros fraudulentos, diferenciados na forma e no tempo consoante as circunstâncias do momento e as exigências dessa realidade. Criaram-se muitas "soluções" para muitas realidades que se nos iam apresentando. A falência do BES é uma espécie de corolário de toda esta montanha russa de estímulos que visavam um tipo de objetivo mas que pelo meio foram criando monstrinhos escondidos sem se dar conta.

Toda esta conversa estaria na gaveta se as economias voltassem a crescer 3% ao ano, porque as rentabilidades nos negócios seriam outras e os erros de gestão seriam mais facilmente omitidos. Mas como as coisas não estão fáceis, tapar buracos tornou-se muito mais difícil, e é assim que vão emergindo, a pouco e pouco, as pobreza franciscanas de instituições que outrora se consideravam baluartes de riqueza e de poder.

Tiago Mestre

14 comentários:

vazelios disse...

Excelente

Anónimo disse...

Tanta letra e no fim... Toma!

"Toda esta conversa estaria na gaveta se as economias voltassem a crescer 3% ao ano"

Só te falta escrever que como as economias (baseadas nos teoremas actuais em vigor e oriundo do SISTEMA MONETÁRIO CONTROLADO POR OLIGARQUIAS) só crescem se crescer a emissão de dívida... UPS!

Não era para se falar nisto!

Ah! Ok!

Sim... Sim... De facto se as economias voltassem a crescer - baseadas em qualquer coisa - 3% não era preciso sequer a gaveta!

O mito do crescimento infinito continua por aqui!

Lim pó-pó disse...

"Mas não há um só culpado, daí Ricardo Salgado ser, na minha opinião, mais uma vítima do sistema e da sua própria ganância do que propriamente um criminoso."

O capitalismo come capitalistazinhos ao pequeno almoço. Em PT julga-se que não, verberam que os comunistas é que hão de colectivizar a corda com que se vão enforcar!!!

Anónimo disse...

Ó Tiago Mestre alucinado,
Criminoso, Ricardo Salgado?
Não, estás enganado...
Ele só foi incriminado!!!

Tiago Mestre disse...

Pronto, ok, posso estar a ser demasiado benevolente para com Salgado, mas até prova em contrário o homem é inocente chiça. Aguardemos, mas acreditem que nunca fui com o focinho do homem, nunca. Aquele ar de que sabia mais do que os outros irritava-me.

Taawaciclos, até ver tenho tido a coragem de escrever o que me dá na real gana, e portanto aquilo que não escrevo ou é por esquecimento ou por ignorância.
Deixar de escrever isto ou aquilo porque colide com esta ou aquela ideologia com que simpatizo, enfim, não me afeta muito.

É verdade que tenho um carinho muito especial pelo capitalismo de mercado, pela ideologia libertária do Estado mínimo e superavit nas contas públicas, mas estamos cá para analisar as falhas e as virtudes das ideologias e dos sistemas que nos são apresentados.
Não tenho interesse em defender este ou aquele sistema cheio de falhas só por teimosia, te garanto..

Anónimo disse...

Já estou como o vazelios!

Então não achas normal que se estamos a escrever sobre "crescimento económico" se afirme qual a origem de tal crescimento?

Então pelo que posso ver andamos a fazer o mesmo, porque a mim de certeza nunca me leste a defender o sistema abcdefghij...

Eu pessoalmente não tenho nenhum carinho especial por nenhum sistema vigente ou que já vigorou, porque simplesmente estamos neste BELO ESTADO! E por nós não estou apenas a referir Portróical!

Chill out dude

Anónimo disse...

Taawaciclos não defende sistema,
Ele deseja democracia direta!!!
Mas aquando este poema,
A Justiça se aquieta,
Finalizando esta estrofe,
Que recomeçe o rega-bofe!!!

Anónimo disse...

ó anónimo modus vivendi!

Onde é que leste que eu desejo "democracia directa'?

Anónimo disse...

Taawaciclos sente-se atacado,
Anónimo não está importado!!!
Só deseja que se trate,
Injectando profilaxia HAART!!!
Amigos à parte,
Dá para rir que se farte!!!

Anónimo disse...

fazer spam no próprio blogue!

só mesmo tu!

A profilaxia HAART tem efeitos secundários (tirando a morte) que dão nisto!

Anónimo disse...

Taawaciclos diz que não gosta,
Mas está sendo hipócrita,
É melhor o Viriato acordar,
E começar a moderar!!!

Anónimo disse...

"Na minha falta de argumentos, desqualifico o interlocutor”

Assenta-te como uma luva feita por medida!

Assim é o teu modus Vivendi!

Anónimo disse...

Ó Taawaciclos alucinado,
Há que ser bem humorado,
Com este SNS desgastado,
Só Assim poupas $$$ ao Estado!!!

Anónimo disse...

Hi hi hi, :)

Pagava para saber quem te manda estes links,

Ó H acudame,
que Taawaciclos está infectado,
Só lá vai com um exame,
Ou com um colete de cimento armado!!!

Boa, noite...
Certamente que RIR,
Não se aplicará aos que estão por vir!!!