sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A nova coqueluche dos mercados financeiros: Dívida Pública Portuguesa

Lendo as notícias um pouco por todo o lado, tanto em Portugal como nos Estados Unidos, a imprensa começou a aperceber-se, talvez com os 2 ou 3 meses de atraso, que o "que está a dar" é comprar dívida soberana portuguesa e espanhola. Porquê? Porque Draghi garante.
E se Draghi garante, qual é o problema?

Na minha vida, tanto pessoal como profissional, fui educado a tentar compreender a causa das coisas, e a partir dessas leituras formulava os meus juízos e avançava com as ações que achava as mais adequadas. É óbvio que nem sempre é assim tão axiomático, até porque se há coisa que faço com frequência é errar, tal é a quantidade de coisas em que me meto. Mas tais asneiras servem, se quisermos, para reaprender, para trocar de lupa e tentar ler a realidade de outra maneira. O objetivo é sempre este: errar o menos possível.

Foi talvez este ímpeto que me levou em 2010 a querer aprender mais sobre assuntos da economia, já que estava curioso em perceber como é que o colapso de 2009 aconteceu, que forças estavam em jogo, e por aí adiante.

Tudo isto para dizer que li ontem o Negócios em edição de papel, e o destaque ia para a coqueluche que se chama dívida soberana portuguesa. Deixo aqui alguns excertos de analistas que o Negócios consultou:

"Ainda pode existir alguma margem para valorização, não só na dívida portuguesa, mas em outros países da periferia"
" Os investidores estão a posicionar-se para a entrada do novo ano, e aqueles com mais tolerância ao risco podem apostar em Portugal."
       Ricardo Santos, BNP Paribas

"Há muitos investidores à espera do novo ano para assumirem maior risco e Portugal é um bom candidato a beneficiar disso. As obrigações estão muito baratas"
      Luca Jellinek, Crédit Agricole

"Os investidores olharam para as taxas, identificaram a oportunidade e hoje estão agradados com as mais-valias"
     Carlos Almeida, Banco Best

A par destas declarações, todo o tom da peça jornalística aponta para os méritos deste produto financeiro, sobretudo pelo retorno que este tem gerado, e que ainda pode gerar, aos seus investidores.

Quando leio tudo isto, não me posso esquecer do que aconteceu há ano e meio. Aliás, fico perplexo ao verificar que o que aconteceu há tão pouco tempo já se evaporou da mente dos investidores e seus corretores.

Bom, podemos sempre alegar que as circunstâncias mudaram. Que com as benesses de Draghi e o apoio implícito de Merkel, só não investiu quem não quis e só não ganhou quem não arriscou. É verdade, mas as variáveis que me pesam na cabeça e que me fazem pensar se esta dívida deve ser comprada ou não são outras:
- É esta dívida sustentável?
- Em que riqueza é que nos vamos basear para a pagar, ou pelo menos não deixar que ela cresça mais?
- Que valores terá esta em 2015, 2016 ou 2020 com défices anuais a rondar os 5 mil milhões c/ receitas extra ou 10 a 16 mil milhões sem receitas extra?
- E que juros estarão agarrados a um stock deste montante?
- Que percentagem irá comer o juro às receitas ordinárias?

Enfim, são perguntas que, na minha opinião, qualquer investidor deveria fazer, e sobretudo atuar em função disso.

Foi exatamente por não se fazerem este tipo de perguntas e respostas em 2008, 2009 e 2010 que os bancos se encheram desta dívida e tiveram que assumir imparidades já em 2011 e 2012.
Mas como a memória é curta, e o que interessa é procurar investimentos que garantam retorno JÁ, o amanhã logo se vê.
No jornal que citei, até já passam a ideia de que a dívida com maturidade a 5 anos e até mais também pode e deve estar na mira dos investidores, já que se acredita que o plano da troika está a resultar em Portugal.

Eu sou português, vivo em Portugal, tenho os meus negócios e a minha vida toda em Portugal e "procuro" uma solução para nós, mas tal condição não me deve perturbar a lucidez na análise das coisas e das contas, e se há coisa que é fácil compreender é que a dívida soberana portuguesa é muito grande, cresce todos os anos 5 a 15 mil milhões, consoante receitas extra ou não, e de um momento para o outro, os juros podem disparar por excesso de desconfiança.
Onde é que há energia acumulada em Portugal para fazer face a todos estes imprevistos? Não há.

Chamem-me pessimista, mas esta história de Draghi garantir tudo e mais umas botas é um jogo mais psicológico do que outra coisa qualquer. Pelos vistos, tem alimentado muita boca e muito produto financeiro, mas caramba, que âncoras e que riqueza é que Draghi tem no cofre em Frankfurt? Não tem...
Tem apenas a confiança dos europeus e dos estrangeiros em recorrer à "sua" moeda Euro.
Mas quando nos enganam, essa confiança é abalada, e mais tarde ou mais cedo o "produto" que Draghi gere e coloca à nossa disposição começa a perder valor intrínseco.
Foi assim no tempo dos Romanos com a permanente redução de prata nas novas moedas emitidas, foi assim na República de Weimar, na Jugoslávia, no Zimbabué, e até certo ponto em Portugal nos anos 80.

O BCE, ao atravessar-se perante toda esta dívida insustentável, está a ganhar tempo já que a confiança das pessoas nas instituições não desaparece da noite para o dia.
Será que algum dia irá desaparecer? Acredito que sim.
E quando será? NÃO SEI.

Oxalá que tal não aconteça, mas como escrevi no início, são os fundamentos da tomada de decisão que mais me interessam perceber e avaliar, e não tanto as consequências nefastas que podem vir a realizar-se ou não, sendo certo que devemos estar sempre atentos aos sinais.
Há uma expressão inglesa que reflete um pouco isto:
"Hope for the best, prepare for the worst"

Quando abusamos de alguém, mesmo sem nos apercebermos que o fizemos, ficamos automaticamente condicionados às decisões do abusado, que até poderemos achar intempestivas, irracionais ou injustas. Mas para quase toda uma reação teve que haver primeiro uma ação, e que ninguém se espante de levar uma "chapada na tromba" quando acabou de dar outra.

Acredito que nas casas de investimento onde se tenta ganhar dinheiro com dinheiro, é provável que a análise da realidade se faça olhando para os resultados, para as consequências, e não tanto para os fundamentos e para as causas das coisas. O imediatismo reina, o longo prazo é algo de distante e cheio de incertezas e o passado é tão só isso mesmo.

Talvez assim se explique porque é que os bancos portugueses começaram a comprar dívida em Agosto 2012, quando tinham assumido prejuízos gigantescos deste mesmo produto financeiro em 2010 e 2011.

Mas aquilo que não me apetecia mesmo que voltasse a acontecer (olhando para as consequências) era o Estado voltar a pagar resgates financeiros com os meus impostos a bancos que investiram o dinheiro dos seus depositantes e dos seus credores em produtos que na sua base são insustentáveis, mesmo que o produto financeiro seja a dívida pública do meu país, que eu tanto gosto e a quem pago escrupulosamente os meus impostos e os da minha empresa (leia-se IRC, que é um imposto que qualquer empresário com uma PME só não foge se não puder.)

Tiago Mestre

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