domingo, 2 de dezembro de 2012

Novo plano europeu para a Grécia: breve explicação e análise

Agora que os contornos do acordo que foi conseguido para a Grécia há uma semana começam a ser vislumbrados, vale a pena tentar aprofundar o nosso conhecimento sobre o que foi acordado:

Em termos de objetivos gerais, para que em 2020 a dívida pública grega se mantenha nos 120% do PIB, será necessário aumentar o PIB em 50 mil milhões e reduzir a dívida em 40 mil milhões.

Para um país que vive em recessão desde 2009 e que já viu o seu PIB cair de 232 em 2008 para 205 mil milhões em 2012 e que prevê recessão em 2013, voltar a crescer 50 mil milhões até 2020 parece-me obra de Zeus. Oxalá que os deuses acompanhem os gregos.
Desconheço o que estarão os políticos europeus a planificar "centralizadoramente" para que o PIB cresça milagrosamente até 2020, mas coisa boa não será certamente.

E em relação à dívida, pretende-se que esta reduza 40 mil milhões. E como?

1ª Medida:
Baixar um ponto percentual nos juros respeitantes ao primeiro resgate da Grécia pelos países "amigos" da UE. Com esta medida será possível reduzir 2 mil milhões de euros.

2ª Medida:
Adiar o pagamento do capital por 15 anos e os juros da dívida por 10 referentes ao dinheiro que o EFSF emprestou.
Sendo um adiamento, este é apenas um mecanismo de apoio à tesouraria, segundo percebi. Não há abate de nenhuma rúbrica.
Fiquei sem saber como irá o EFSF pagar aos seus credores, já que se não receber da Grécia nos prazos acordados, como irá pagar aos credores? Emitem dívida pelo ESM e emprestam ao EFSF? Sinceramente não percebi, mas certamente que é mais um mecanismo de adiamento das decisões difíceis.

3ª Medida:
O BCE devolve os lucros da dívida que comprou à Grécia em 2010 e 2011. Representa 7 mil milhões de euros, que a juntar aos 2 da primeira medida, totaliza 9 mil milhões. Ficam a faltar 31 mil milhões.

4ª Medida:
EFSF empresta à Grécia 16 mil milhões, e com este dinheiro o governo helénico tentará comprar aos credores privados 47,7 mil milhões. Parece magia, mas para os líderes europeus não.
Como esta dívida circula, ou circulava, no mercado secundário a 35% do seu valor inicial, a intenção será adquiri-la e deixá-la maturar em "solo helénico". Nas contas da Grécia, 47,7 - 16 = 31, o tal valor que falta para chegarmos à redução dos 40 mil milhões na dívida até 2020.

Qual é o problema aqui? Convencer os detentores desta dívida a vendê-la por 35% do seu valor inicial.
Pelos vistos, bancos e fundos de pensões gregos têm na sua posse aproximadamente 23 mil milhões, e o restante, 38 mil milhões, é detido por credores estrangeiros.
Aos bancos e aos fundos de pensões gregos o governo poderá sempre agir de forma coersiva para que estes vendam sem apelo nem agravo. Tal deixará estas instituições ainda mais falidas, mas com o BCE por trás a garantir liquidez, para quê preocuparmo-nos com a solvência destas instituições?

Mas ir só aos credores domésticos não chega. É preciso convencer credores estrangeiros, e aqui a coisa se complica, porque como sabem, a dívida grega circula no mercado secundário, e tanto o preço como a yield das obrigações variam em função da oferta e da procura. Bastou aos investidores saberem que havia intenção do Eurogrupo em adquirir dívida grega no mercado secundário para desatarem a comprá-la. Consequência:
O preço subiu e a yield desceu, e portanto a dívida já não se transaciona a 35% do valor inicial, mas num valor superior. Paradoxalmente, tal fenómeno só dificultará ainda mais a compra de dívida pelo governo grego, que terá que ser mais ardiloso do que a lei da oferta e da procura. Boa sorte!

Depois de ter sintetizado aqui o plano, acham que este tem pernas para andar?

A minha opinião é que o plano sairá furado porque é demasiado ambicioso, tanto do lado do crescimento do PIB como do lado da redução da dívida.

Mas não espanta, porque já é tradição da UE conceber planos muito light com a intenção de obter grandes resultados. Ou seja, adia-se para o futuro as grandes decisões, na esperança de que estas sejam obtidas e os resultados apareçam.
São muitas as variáveis que estão em jogo e que não se controlam, aumentando fortemente as probabilidades de fracasso. É típico da planificação centralizada.

Se me escapou alguma coisa, podem ler o artigo original aqui para melhor compreensão.

Tiago Mestre

3 comentários:

vazelios disse...

Continuar a enganar muito bem!

Mas apesar de tudo, sempre é melhor descer.

http://www.bloomberg.com/quote/GGGB10YR:IND

http://www.bloomberg.com/quote/GSPT10YR%3AIND

Engraçado não ter visto nenhuma noticia a dizer que os juros Portugueses desceram abaixo dos 7,5%. Mas se tivessem subido uma décima era capa de jornal.

Tiago Mestre disse...

Com todos estes estímulos que a UE está a sugerir junto dos detentores de dívida tóxica, parece-me que o caminho descendente das yields não irá parar por aqui.

Desde que a UE deixe a porta aberta para a compra de dívida detida pelos credores internacionais, haverá sempre algum esfomeado de yield a aventurar-se na compra de dívida tóxica, e eles sabem isso muito bem.

A manipulação centralizadora está a ter resultados positivos no curto prazo, resta-nos esperar pelas consequências não previstas a médio e longo prazo.
Mas como é o JÁ que interessa, o DEPOIS que se lixe

Sobre não noticiarem a queda das yields, parece-me que é mais coincidência do que outra coisa.

Qd há muitas notícias, deixam-se algumas de fora, sobretudo as boas.
Qd não há notícia nenhuma, até a morte do cão da vizinha pode ser notícia. Tem é que ter desgraça

Coisas boas vendem pouco, à exceção das vitórias do Benfica!

vazelios disse...

Aí disseste tudo, quando há muitas noticias - e há sempre muita porcaria para por no online - Deixam-se as boas de fora.

Mas por acaso o negócios calou-me e noticiou, umas horas depois de eu ter posto aqui