quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A idade da dívida


Por Pedro Braz Teixeira, 


Estamos a viver uma idade da dívida, que marca a ruptura do contrato entre gerações


Niall Ferguson, um dos mais influentes historiadores mundiais, deu recentemente um conjunto de conferências em que descreve as últimas décadas como “A Idade da Dívida”. Esta dívida é particularmente grave porque marca uma ruptura do contrato entre gerações, que pode gerar uma ruptura social muito grave.
O historiador britânico aponta o caso extremo do Reino Unido, que atingiu uma dívida pública e privada que totaliza 500% do PIB, um valor sem paralelo na história, com excepção do actual Japão.
Ferguson contesta o debate estritamente económico entre mais dívida e mais austeridade, quando o “elefante no meio da sala” é a dívida gigantesca que está a ser deixada às gerações futuras. Esta dívida, segundo o autor, deverá implicar um crescimento económico muito limitado e taxas de desemprego entre os jovens muito elevadas.
Esta acumulação de responsabilidades das duas últimas décadas corresponde à quebra do contrato social entre gerações, nos termos da formulação clássica de Edmund Burke (1729-1797). Ainda de acordo com o historiador, o desafio que se apresenta aos políticos é restaurar este contrato para impedir que os jovens se vejam como herdeiros só de dívidas.
Passando agora ao comentário, parece-me que Niall Ferguson põe a questão em termos que são interessantes, embora, no caso britânico, a sua avaliação me pareça exagerada. O crescimento do sector financeiro nas últimas décadas empolou muito as dívidas brutas, que estarão em máximos históricos, mas, no caso do sector privado, muitas das dívidas têm como contrapartida activos. Ou seja, em vez de se fazerem investimentos directamente, passou a recorrer-se ao sector financeiro como intermediário.
Assim, a medida de dívida total, pública mais privada, não é interessante. As medidas relevantes são a dívida pública e a dívida externa. Se houver uma grande dívida privada mas toda ela for devida a investidores nacionais, em termos nacionais não é uma verdadeira dívida.
Ora no caso do Reino Unido a dívida externa é de apenas 19% do PIB, pelo que a dívida privada não constitui um problema. No entanto, a dívida pública é um problema, por estar em torno dos 90% do PIB.
Curiosamente, as ideias de Ferguson podem ser aplicadas com muito maior propriedade a Portugal. Em primeiro lugar, porque temos uma taxa de natalidade muito mais baixa que o Reino Unido, pelo que a dívida que deixarmos às gerações futuras lhes vai pesar mais, por termos menos crianças, em termos relativos.
Em segundo lugar porque, ao contrário dos britânicos, andámos a endividarmo-nos muito mais para fazer importações do que para investir no país: a nossa dívida externa é das mais elevadas do mundo e já superou os 100% do PIB. Uma das consequências mais imediatas deste facto é assistirmos, a um ritmo crescente, à venda das melhores e maiores empresas nacionais a investidores estrangeiros, à perda de centros de decisão.
Em terceiro lugar, a nossa dívida pública está a caminho de ultrapassar os 120% do PIB, um máximo histórico, ou seja, no caso português é que se justifica – com toda a propriedade – falar em desrespeito pelas gerações futuras.
Há quem defenda a ideia de que o nosso problema é justamente essa dívida e que ela deveria ser, por milagre, suprimida, sem a mais leve consequência. Alguns pretendem ver na criação desta dívida a acção exclusiva de malfeitores externos. Esta é a parte que me parece mais difícil de aceitar: fazer a asneira e a seguir culpar os outros pelos nossos erros, evitando assumir as nossas responsabilidades.
Quem elegeu os políticos portugueses foram marcianos? Quem fez pressão para haver cada vez mais despesa pública foram os habitantes de Júpiter? Quem foi que nunca quis ouvir os chamados “profetas da desgraça”, que vinham avisando há décadas que se estava a viver a fiado e a acumular uma dívida insustentável? Meus caros amigos: neste momento estamos naquela fase desagradável em que chegou a conta para pagar, a conta acumulada nas últimas décadas. Se não a pagarmos, serão os nossos filhos e netos a ter de o fazer.
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1 comentário:

Manuel Galvão disse...

Quem elegeu os políticos portugueses não foram marcianos, foram as corporações finaceiras que, financiando as campanhas dos partidos do poder, induziram-nos a colocarem em posições elegíveis encapotados empregados seus (das corporações), que depois fizeram aquilo que mais convinha e essas corporações: Subsidiar a indústria alemã, francesa, inglesa comprando os produtos industriais desses países com crédito obtido junto dos bancos desses países.
A Alemanha está a fazer tudo para que a Grécia não saia do euro por essa mesma razão. Para a Alemanha seria um desastre muito maior que para a Grécia.