quarta-feira, 1 de maio de 2013

Consolidação orçamental - O exemplo da Irlanda


Por José Ferreira  - (artigo publicado no Jornal "Vida Económica"- 19-04-2013)

O programa de consolidação orçamental adoptado após o resgate financeiro está longe de ser considerado um sucesso, não só pelo facto das metas estabelecidas serem anualmente revistas para serem cumpridas, mas sobretudo pelos efeitos devastadores que o mesmo tem provocado na economia portuguesa. Apenas em 2012, verificou-se um aumento de 18,7 mil milhões de euros da dívida das administrações públicas, o desemprego atingiu um valor recorde de 16,9%, as receitas correntes do Estado (mesmo com o aumento generalizado de impostos) contraíram 6,1% face a 2011 e a actividade económica degradou-se com uma contracção do PIB equivalente a 5,6 mil milhões de euros. 
Perante estes números, torna-se inevitável questionar se as medidas adoptadas no âmbito do programa de consolidação orçamental foram de facto as que surtiram a relação custo-benefício menos lesiva para o país. Na verdade, existem evidências de consolidações orçamentais que ao invés do que defende a teoria keynesiana (consolidações orçamentais têm necessariamente efeitos contraccionistas), obtiveram no mesmo período da sua execução crescimentos económicos e reduções das taxas de desemprego. Exemplos disso foram as consolidações orçamentais implementadas na Irlanda (1987-1989) e na Dinamarca (1983-1986). 
Especificamente no caso irlandês, de acordo com um artigo publicado por Jim O’Leary na National University of Ireland, a Irlanda tinha registado elevados défices orçamentais nas décadas de 70 e 80, os quais resultaram numa dívida pública equivalente a 113% do PIB em 1987. No entanto, mesmo tendo registado défices orçamentais superiores a 2 dígitos, a Irlanda teve a audácia de implementar uma consolidação orçamental que associou uma drástica redução da despesa pública, combinada com uma diminuição dos impostos directos e indirectos. Durante o processo de consolidação orçamental (1987-1989), a Irlanda diminuiu a despesa pública num valor equivalente a 6,9% do PIB, e, entre 1989 a 2001, o crescimento do país rondou em média os 7,2%. A Irlanda efectuou uma das maiores reduções do peso do sector público entre os países da União Europeia, a qual em Portugal corresponderia a uma redução de 11,4 mil milhões de euros. Paralelamente, implementou uma diminuição de impostos que aumentaram significativamente a atractividade fiscal e a competitividade-preço do país provocando um efeito crowding-in do investimento privado, o qual resultou numa redução da taxa de desemprego de 18% para 5% entre 1991-2000.
Tal como no caso irlandês da década de 80, a actual crise económica que Portugal enfrenta é o resultado do acumular de excessos públicos e privados financiados até então com dívida, essencialmente, externa. Perante uma dívida pública excessiva e em crescimento é essencial que a mesma seja compensada por um crescimento económico, de forma a serem criadas condições para diminuir a representatividade da dívida e garantir a sua sustentabilidade. Por esta mesma razão, a adopção de um processo de consolidação orçamental essencialmente sustentado pelo ajustamento da despesa à receita e não oposto, seria provavelmente uma melhor opção. Porém, a recente decisão de chumbo do Tribunal Constitucional à suspensão dos cortes na função pública e pensionistas dificulta, ainda mais, a execução do reequilíbrio orçamental via redução da despesa pública. Segundo afirmações do actual executivo, o chumbo destas medidas será compensado através de outros cortes na despesa pública. De facto, num contexto em que a carga fiscal é já elevada, a reestruturação da despesa pública é uma condição necessária não só para reequilibrar a consolidação orçamental, mas também para a redução das necessidades de financiamento do Estado e sustentabilidade das Finanças Públicas.


Adenda (comentário recebido do estimado leitor e amigo Paulo Monteiro Rosa)




Um texto interessante, bastante bom e que vem ao encontro do nosso pensamento e da realidade, que custa a muitos aceitar.

Só um aparte: Não existe crowding-in, porque jamais um euro gasto pelo Estado trará mais que 1 euro sustentável no futuro (pode no muito curto prazo trazer alguma dinâmica à economia, com o aumento do consumo que só agravará no futuro as contas das famílias e investimentos errados, em rentabilidade baixa e de curto prazo como o imobiliário e além disso é financiado pelo aumento de dívida, de impostos e não pela não redução da despesa pública)o multiplicador é sempre inferior a 1 no longo prazo.

O efeito crownding in refere que, principalmente em épocas de recessão, o aumento dos gastos públicos trarão um aumento da actividade económica no sector privado, ou seja o contrário do crownding out assente no afastamento e na diminuição do sector privado quando aumentam os gastos públicos. Crowding-in designa o efeito de aumento do investimento privado resultante do aumento da despesa pública. Como o autor refere uma diminuição dos impostos não se pode traduzir em mais despesa pública. Um pequeno lapso num texto excelente e que vem ao encontro do que eu defendo há muito tempo. Desde que ando pelas teorias económicas e me tornei economista.

O crowding-in, segundo a mainstream é virtuoso em economias em recessão. O aumento da despesa pública (e consequente aumento da dívida) pode estimular o investimento das empresas. Segundos a corrente principal, uma política de orçamental expansionista levará provavelmente à recuperação dos níveis de actividade económica, através do consumo e as empresas poderão de novo expandir as suas vendas e lucros e consequentemente terão mais incentivos ao investimento. Este raciocínio está totalmente errado no longo prazo pelo acima referido: há uma aumento do consumo e de incestimento errados que se traduzem em mais actividade económica, mas que terá que ser corrigida no longo prazo com uma nova e mais forte recessão, é a prova cabal para a existência de ciclos económicos. Nós precisamos de poupança, para não dependermos de recursos externos e lançarmos produtos de valor acrescentado sustentáveis e com mais estágios de produção como seja a I&D e não de consumo com crédito, que empurra com a barriga os problemas. Além disso já não temos quem nos empreste dinheiro.

Em suma o que deve ser feito, 3 coisas: diminuição da despesa pública, dos impostos e da dívida pública. Precisamente foi tudo feito ao contrário quer em Portugal quer na Europa. O forte ajustamento surgirá no futuro. Os alicerces para uma nova crise financeira estão criados e ainda esta não está resolvida. 1929 está cada vez mais perto.

2 comentários:

Paulo Monteiro Rosa disse...

Um texto interessante, bastante bom e que vem ao encontro do nosso pensamento e da realidade, que custa a muitos aceitar.

Só um aparte: Não existe crowding-in, porque jamais um euro gasto pelo Estado trará mais que 1 euro sustentável no futuro (pode no muito curto prazo trazer alguma dinâmica à economia, com o aumento do consumo que só agravará no futuro as contas das famílias e investimentos errados, em rentabilidade baixa e de curto prazo como o imobiliário e além disso é financiado pelo aumento de dívida, de impostos e não pela não redução da despesa pública)o multiplicador é sempre inferior a 1 no longo prazo.

O efeito crownding in refere que, principalmente em épocas de recessão, o aumento dos gastos públicos trarão um aumento da actividade económica no sector privado, ou seja o contrário do crownding out assente no afastamento e na diminuição do sector privado quando aumentam os gastos públicos. Crowding-in designa o efeito de aumento do investimento privado resultante do aumento da despesa pública. Como o autor refere uma diminuição dos impostos não se pode traduzir em mais despesa pública. Um pequeno lapso num texto excelente e que vem ao encontro do que eu defendo há muito tempo. Desde que ando pelas teorias económicas e me tornei economista

O crowding-in, segundo a mainstream é virtuoso em economias em recessão. O aumento da despesa pública (e consequente aumento da dívida) pode estimular o investimento das empresas. Segundos a corrente principal, uma política de orçamental expansionista levará provavelmente à recuperação dos níveis de actividade económica, através do consumo e as empresas poderão de novo expandir as suas vendas e lucros e consequentemente terão mais incentivos ao investimento. Este raciocínio está totalmente errado no longo prazo pelo acima referido: há uma aumento do consumo e de incestimento errados que se traduzem em mais actividade económica, mas que terá que ser corrigida no longo prazo com uma nova e mais forte recessão, é a prova cabal para a existência de ciclos económicos. Nós precisamos de poupança, para não dependermos de recursos externos e lançarmos produtos de valor acrescentado sustentáveis e com mais estágios de produção como seja a I&D e não de consumo com crédito, que empurra com a barriga os problemas. Além disso já não temos quem nos empreste dinheiro.

Em suma o que deve ser feito, 3 coisas: diminuição da despesa pública, dos impostos e da dívida pública. Precisamente foi tudo feito ao contrário quer em Portugal quer na Europa. O forte ajustamento surgirá no futuro. Os alicerces para uma nova crise financeira estão criados e ainda esta não está resolvida. 1929 está cada vez mais perto.



Anónimo disse...

POIS MAS A IRLANDA TINHA MOEDA PROPRIA, COMPARAR O INCOMPARAVEL,OK