Verdades incómodas
por JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Existem algumas verdades sobre a crise que muitos tentam esconder.
Elas perturbam o mito confortável de que as culpas pertencem a um grupo de
malfeitores, quase todos políticos. O melhor é deixar as coisas como estão,
pois assim todos podemos considerar-nos vítimas, sem arrependimento ou remorso.
Recomenda-se então que não leia o resto deste texto, revelador de factos
subversivos.
Os
reformados estão hoje entre os críticos mais vociferantes. Mas seria bom que
notassem que não descontaram o suficiente para as reformas que agora gozam.
Basta uma continha simples para perceber que a contribuição de uma pequena
parcela do ordenado nunca permitiria vir a receber um montante quase igual a
essa remuneração durante um período quase igual ao do desconto. Isto chama-se
"crise da segurança social" e é tema de estudos e debates há décadas.
Pode
dizer-se que têm direito a receber o que diz a lei, aliás escrita pela geração
agora reformada. Mas o que não faz sentido é protestar abespinhado contra o
corte como se fosse um roubo dos montantes acumulados. Desde 1974 que o nosso
sistema de pensões não é de capitalização, sendo pagas as reformas pelos descontos
dos trabalhadores do momento. Quando uma geração concede a si própria benesses
superiores ao que pôs de parte, não se deve admirar que mais tarde isso seja
cortado, por falta de dinheiro. Se alguém pode dizer-se roubado, não são os
actuais pensionistas, mas os nossos filhos e netos, que suportarão as enormes
dívidas dos últimos 20 anos, e não apenas na segurança social.
Outro
mito cómodo é o que diz que os direitos dos trabalhadores e o Estado social
estão a ser desmantelados. De facto, os direitos que a lei pretendeu conceder
nunca foram dos trabalhadores, mas de alguns trabalhadores. Muitos empregados
no privado nunca tiveram aquilo que agora cortam aos funcionários públicos.
Além disso, a percentagem média de contratados a prazo é, desde 1983, quase
18%, ultimamente sempre acima dos 20%. Somando isto aos desempregados,
inactivos, clandestinos, etc, vemos a larga privação dos supostos direitos. Os
exageros das regulamentações neste campo são só benefícios que um grupo
atribuiu a si mesmo. Como isso aumenta os custos do trabalho, prejudica
fortemente o crescimento e o emprego, agravando as condições dos mais
necessitados.
Quanto
ao Estado social, ele teve como principais inimigos aqueles que durante décadas
acumularam supostos direitos sem nunca se preocuparem com o respectivo
financiamento. Aproveitaram os aplausos como defensores do povo, receberam
benefícios durante uns tempos e, ao rebentar a conta, zurzem agora aqueles que
limpam a sujidade que eles criaram. Em todos os temas políticos, como no campo
ambiental, esquecer a sustentabilidade é atentar contra aquilo mesmo que se diz
defender.
Finalmente,
no que toca à dívida, é importante considerar que a maior parte não é do
Estado. As empresas estão descapitalizadas, as famílias endividadas, os bancos
desequilibrados. Todos participámos da loucura dos últimos 20 anos; não apenas
os políticos. As maiores responsabilidades são dos dirigentes, mas o povo não
foi só vítima inocente de uma festa de que gozou durante décadas.
A
culpa até é dos credores, que alimentaram a mesma loucura. Esta é a última
verdade incómoda. A nossa dívida, das maiores do mundo, nunca poderá ser paga.
Assim, todos os envolvidos terão de suportar algum custo, devendo encontrar-se
uma partilha razoável. Mas para isso Portugal não deve fazer de galaró
arrogante, repudiando o débito ou exigindo renegociações. Prudente é uma
atitude serena e negociada, mostrando que es- tamos dispostos a assumir culpas
e suportar sacrifícios, mas pedindo que se encontre um equilíbrio que,
aliviando parte da carga, nos permita limpar o longo disparate e abrir um novo
ciclo de progresso e prosperidade que beneficiará tanto credores como
devedores.
Estas
são algumas verdades do momento. Indiscutíveis, mas incómodas, que muitos
preferem ignorar. Por isso foi avisado que não devia ler este texto.
2 comentários:
Muito bom este artigo, vai directo a um dos grandes problemas que temos para resolver.
até que enfim que alguém fora do espectro do pcp e do bloco vem dizer aquilo que qualquer economista junior já percebeu .Obrigado prof JCN.
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