1. Necessidade de captação de depósitos para reforçar capital e rácios
2. Remuneração atrativa de depósitos com juros atrativos
3. Necessidade de optar por investimentos mais arriscados em busca de juros
4. Aquisição massiva de obrigações soberanas portuguesas como forma de obter essa mesma rentabilidade
5. Necessidade de reportar prejuízos caso o preço destas desça e a yield suba
6. Necessidade de aumentos de capital e captação de depósitos para reforçar capital e rácios
E o ciclo repete-se...
Quando descrevi este ciclo, os bancos estavam temporariamente na mó de cima, já que desde Julho que Draghi vinha prometendo que compraria tudo o que mexesse, mesmo com colaterais miseráveis. O sentimento era de compra, claro, e obviamente que quando escrevi isto ciclo, ele vinha em "contra-ciclo".
E estando os bancos desesperados para compensar os prejuízos de créditos delinquentes, abrandamento da atividade económica e remunerações loucas dos depósitos, era preciso comprar "ativos" com boa yield e minimamente seguros. Do que é que se foram lembrar?
Da dívida pública portuguesa.
E realmente a dívida teve mais compradores do que vendedores... durante algum tempo! O valor destas subiu e a yield desceu, tendo há 3-4 semanas chegado a valores inferiores aos 8%. Tudo parecia correr bem, já que, "gazeados" com as palavras de Draghi, o futuro só poderia ser promissor. Ainda há 2 semanas ouvíamos Ulrich dizer que o BPI, com a valorização atual do seu portfolio, já nem precisava da tal capitalização que o Estado o "forçara" a aceitar em Junho, as tais CoCo bonds.
Pois, imaginem lá porque é que Ulrich cantou de galo?
Porque viu que a dívida que tinha adquirido em Agosto e Setembro valorizou-se em Outubro, e só esta mais valia era suficiente para repor os rácios pretendidos. Afinal, as obrigações cócó já não eram precisas para nada, pois, mas como Ulrich não possui uma máquina do tempo, o que está feito, está feito.
Tudo parecia fazer sentido:
A dívida pública estava segura por Draghi
A de 10 anos rendia ao início 9,2%, depois 8,5% e já na fase mais inferior, 7,8%.
Os depósitos remunerados a 3 e a 4% estavam perfeitamente suportados por estes "ativo"
ERRADO...
Houve umas alminhas que começaram a vender a dívida portuguesa, superando os compradores disponíveis. Resultado:
Em 3 semanas, a yield subiu de 7,8% para roçar novamente os 9% nesta sexta-feira. Oops!
O que é que correu mal? Então ela não estava segura por Draghi?
Pois, mas toda a gente estava à espera que Espanha e Itália pedissem resgate. Não pediram, e por conseguinte, milhares de investidores que apostaram na antecipação comprando dívida, viram que afinal foram objeto de mais uma manipulação (já tinham esquecido todas as outras a que se tinham sido submetido nos últimos 3 anos, mas enfim)
Vai daí, e até Portugal, que está submetido a resgate, sofreu com tudo isto. Suspeito muito mais que tenham sido investidores internacionais a despejar do que domésticos. Posso estar enganado, mas pelo modo que Ulrich falou, fiquei com a ideia que para ele, o assunto ainda estava muito bem "controlado".
Não estava, porque com Estados falidos como o português, a pouca confiança que ainda resta em alguns investidores só emerge à superfícies quando lhes prometem este mundo e o outro. Dragi fê-lo mas a promessa não foi cumprida. O desânimo apareceu e a frustação tomou conta. Toca a vender.
E os bancos portugueses, ainda motivados com o impulso comprador de Ago/Set, e esperançados que iriam ganhar dinheiro, deixaram-se enganar e não apanharam a carruagem. Estarão novamente a por-se a jeito para repetirem o tal ciclo mortífero de que falei. Carregados de dívida comprada a 8 e 9% em Setembro, percebem agora em meados de Novembro que esta já não mais lhes valoriza o portfolio. Se o mantiver já não é nada mau.
Bom, enquanto, a yield render 9% já não é nada mau. Mas até nisso as coisas podem correr mal, na medida em que já há vozes oficiais, como a do FMI, a pedir que Portugal exija bancarrota aos seus credores oficiais. Os bancos privados poderão não ficar de fora, obviamente. E aí a coisa dói ainda mais.
A memória dos mercados financeiros e dos banqueiros portugueses parece mais curta do que a dos peixinhos. Será que já se esqueceram do que aconteceu em 2010/2011?
Mas esperem, ainda há 7-8 mil milhões guardados numa conta à ordem do Banco de Portugal emprestados pela troika, destinados a continuar com a recapitalização dos bancos. Dos 12 mil milhões que havia inicialmente, já se gastaram, através da aldrabice das CoCo bonds (obrigações cócó), 3,5 mil milhões para o BCP, e não me recordo quanto usufruiu o BPI, mas deve ter rondado mil milhões. É este empréstimo que o Ulrich diz já não precisar dele. Tendo ele que pagar 8 ou 9% de juros deste empréstimo, percebe-se que o homem queira ver esta dívida fora da porta o mais rapidamente possível. Mas na altura em que foi obrigado a aceitar, não tinha outro remédio: ninguém lhe emprestava dinheiro e a recapitalização urgia fazer-se.
Suspeito que a obstinação do PSD em não querer usar este dinheiro que ainda sobra da troika para financiar um banco de investimento, como sugeriu o PS há uma semana ou duas, já tem em conta os receios que aí vêm.
Se se recordam, as obrigações cócó foram um expediente inventado por uns juristas e economistas muito criativos, e que é mais ou menos isto:
Eu, Estado, empresto dinheiro a um banco, não sob a forma de uma dívida contraída, mas sim como uma recapitalização, ou seja, em vez deste dinheiro entrar no passivo do banco, entra nos capitais próprios.
Desta forma, cria-se a aparência de que o banco apresenta rácios melhores do que aqueles que efetivamente possui.
O compromisso do Estado é este:
Se o banco não cumprir com determinados rácios (não sei quais) e se as ações deste cairem abaixo de um determinado valor em bolsa, eu, Estado, começo a comprar ações, tornado-me assim acionista e "dono" do banco. É este o esquema montado das obrigações cócó.
Sugiro a leitura do post que escrevi a 4 de Junho no Contas
No
Cheguei a escrever também por volta de Maio/Junho, antes de conhecer os termos da recapitalização, que quando os resistentes dos 10 cêntimos fossem derrotados em bolsa (e havia muitos), as ações poderiam muito bem cair para 0 cêntimos e o BCP seria atirado para a falência.
Não tinha lido isto em lado nenhum mas mesmo assim decidi arriscar com a afirmação.
Se perceberam este esquema como eu o percebi, o Estado português, mais uma vez, obriga-se ele mesmo a comprar as ações destes bancos quando estes estão mais fragilizados, mais próximo da falência. Até pode nem acontecer, mas o facto do Estado se comprometer a fazê-lo é já de si altamente condenável.
E imaginem de onde virá o dinheiro?
Da troika, da dívida que contraímos: DE TODOS NÓS, contribuintes, que mais cedo ou mais tarde teremos que arcar com mais esta dívida que nos impuseram sem perguntarem primeiro. É o contribuinte, mais uma vez, e sem saber, a contribuir para a salvação daqueles que fizeram as asneiras mas que não irão pagar pelos seus erros. Como eu gostaria antes de ter um banco em vez de ter uma empresa "normal".
É inqualificável esta aldrabice das obrigações cócó. Escrevi-o em Junho e volto a escrevê-lo agora. Estamos a ser comidos de lorpa, e como ao Estado não lhe interessa dizer que NÃO aos bancos, já que precisa destes para que a sua própria dívida seja comprada para que as yields desçam (supostamente em Set2013 as yields a 10 anos deverão andar pelos 5-6% para que o tão almejado "regresso" aos mercados seja uma realidade).
Está-se a hipotecar tudo, mas tudo, para que regressemos ao mecanismo que nos levou ao estado a que chegámos: o acesso ilimitado e desregrado aos mercados da dívida. A tal fonte de poder de compra que tanto gostamos, já que não nos obriga a trabalhar para ganhar dinheiro e depois para comprar - compra-se logo e pronto, e amanhã logo se vê.
Como eu preferiria que se estivesse a discutir que não deveríamos regressar tão cedo a este veneno, já que foi o uso e abuso deste instrumento pelo IGCP e pelos sucessivos governos que nos permitiu manter despesas muito acima das receitas, acumulando défices e amontoando todos os anos esse mesmo défice à dívida total acumulada.
Não sejam favoráveis à emissão de mais dívida pelo Estado, por favor, e exijam ao governo que o défice venha tão depressa quanto possível para ZERO.
Tiago Mestre
4 comentários:
Como alguém já escreveu, mais valia o estado nacionalizar a banca portuguesa para libertar-se da dívida pública e daqui a uns anos tornaria a privatizar. Como estão as coisas o esquema está podre de mais e quem mais perde é o cidadão comum.
Excelente raciocinio mais uma vez Tiago, sempre a ver mais além.
Mas neste momento tão apertado, a não ser que se corte fortemente na despesa, despesas sociais principalmente, como podemos sair disto?
O estado como não quer motins nas ruas, piores que as que já há, que não são aconselháveis, tem de baixar custos de endividamento e endividar-se um bocado para poder repor as coisas.
Porque sem dinheiro para pagar salários, juros e suas funções também não consegue repor a ordem.
A maneira como o faz pode ser condenável mas o estado não pode simplesmente deixar de ir aos mercados (depois de se livrar da troika) porque não tem dinheiro para funcionar! E assim, a médio-longo prazo, diminuir o défice para 0%.
Agora passar desta situação catastrófica para uma situação de défice 0% em poucos anos e sem recorrer ao endividamento não me parece possível...
A é cortar fortemente na despesa, e endividarmo-nos o menos possível ao menor custo possível, só para manter o país a funcionar, até atingirmos essa meta dos 0%.
Se o governo está a fazer isso é outra conversa. Mas cortar na despesa é inconstitucional por isso não é fácil
O que eu quero neste momento é o Inseguro a PM para a população aprender de vez o que é a demagogia.
Com este circo que é a AR não vamos lá.
Obrigações cócó, é esse mesmo o termo! O BCP nunca irá reembolsar essas obrigações, nem que a economia e por consequência os lucros do banco crescessem a 10% ao ano.
O primeiro grande banco privado português a ser nacionalizado, tirando o BPN, claro...
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