domingo, 18 de novembro de 2012

As contas politicamente incorrectas da economia portuguesa



"As contas politicamente incorrectas da economia portuguesa", da autoria de Ricardo Arroja,
Acerto de contas IN LIVRO
Leia aqui o "Acerto de contas", publicado no final de cada um dos capítulos do livro "As contas politicamente incorrectas da economia portuguesa" (Guerra & Paz), da autoria de Ricardo Arroja.
Capítulo 1 : As Insolvências 
A economia portuguesa, representando menos de 0,5 % do PIB mundial, terá produzido quase 2 % de todas as novas insolvências no mundo em 2012. Das 370.000 sociedades comerciais existentes em Portugal, 320.000 são microempresas, só 18.000 é que exportam, e destas 18.000 apenas 100 são responsáveis por cerca de metade do volume global de exportações portuguesas. Entre as empresas que vão sobrevivendo, depois de deduzidos os custos da dívida, o lucro normal médio na economia portuguesa é de zero por cento.
Capítulo 2: Privados a Menos
O Investimento realizado pelas empresas privadas em Portugal passou de 15% do PIB em 2000 para menos de 10% no final de 2011, e o das famílias de 9% do PIB em 2000 para pouco mais de 4% em 2011. Na última década e meia, o crescimento do consumo público esteve inversamente correlacionado com o crescimento do investimento na economia. No índice de desenvolvimento humano das Nações Unidas, que mede a qualidade de vida do País, em 2011 figurávamos no 41º lugar. Em 1975, após a revolução de Abril de 1974, estávamos em 24º.
Capítulo 3: Terra Queimada 
Nas últimas décadas, quase que deixámos de produzir. Deixámos de produzir coisas, os tais bens transaccionáveis que passámos a importar, e abandonámos o sector primário - agricultura e pescas. (...)
Capítulo 4: Desindustrialização 
A indústria não emprega hoje mais de 750.000 trabalhadores, ou seja, menos de 15% da população activa; em 1970, empregava um milhão de assalariados, que representava mais de 30% da população activa. A produtividade do capital físico, entre 2000 e 2009, diminuiu ao ritmo de 2,5% por ano, no que constitui o pior registo dos últimos cem anos. (...)
Capítulo 5: Produtividade 
Em Portugal, a produtividade por hora de trabalho em 2011 traduzia-se numa produção cujo valor era de 17 euros por hora de trabalho. Na vizinha Espanha, 30 euros. Na União Europeia, 32. Na média da Zona Euro, 37. (...)
Capítulo 6: Portugal e o Livre Comércio 
Ao longo da História, os portugueses raramente, e somente em caso de necessidade, se afirmaram enquanto produtores. (...)
Capítulo 7: O "Monstro"
A democracia em Portugal teve um impacto sem precedentes na evolução da despesa pública. Desde o 25 de Abril até aos dias de hoje, a despesa pública passou de pouco mais de 20% do PIB para quase 50 % do PIB.
Portugal é um Estado unitário, ao contrário de outros Estados, que são federados. Mas nesta estrutura unitária emerge uma grande descentralização administrativa e financeira das entidades públicas. A burocracia e a ineficiência do Estado, manifestadas na gestão da despesa pública, em 2012, colocavam Portugal num lamentável 133º lugar, entre 144 países, em matéria de desperdício de recursos públicos.
A Educação 
Considerando todo o universo de alunos no ensino superior público, cerca de 300.000 em 2010, cada aluno custava aos portugueses mais de 8.000 euros por ano.
Ponderados os custos entre o ensino básico, o secundário e o superior, em 2012, o ensino público representaria em Portugal um investimento anual de 4.000 euros por aluno, num país onde a remuneração do trabalho per capita era de pouco mais de 8.000 euros por ano. Como nem todos têm de ser licenciados, o combate ao analfabetismo funcional deveria ser a principal prioridade educativa. Por exemplo, na Alemanha mais de metade dos alunos inscritos no ensino secundário frequentam o ensino vocacional, cerca de 56%, contra apenas 14 % em Portugal.
A Saúde
Em Portugal, a saúde em 2010 custava quase 11 % do PIB, contra 9,5 % na média dos países da OCDE. Na Zona Euro, estávamos em 5.º lugar na lista de países que mais investiam na saúde. Em 2010, o consumo de medicamentos por pessoa, depois de ajustado pelo custo de vida, era superior ao consumo per capita de países como a Dinamarca, a Noruega ou a Suécia.
Os subsistemas públicos de saúde representam uma inaceitável duplicação de custos para o Estado. Não faz sentido que, existindo o SNS, subsistam também outros sistemas públicos de saúde financiados em parte pelo Orçamento do Estado.
A Segurança Social 
Existem hoje em Portugal vinte tipos de benefícios sociais, sendo que no final de 2011 existiam mais de 5,7 milhões de beneficiários. Somente entre os pensionistas, contavam-se três milhões de pessoas - 30 % da população.
Em Portugal, ao contrário do que a generalidade das pessoas julga, as contribuições que cada cidadão desconta enquanto activo não chegam para financiar as suas pensões assim que inactivo. Em 2011, os subscritores da Caixa Geral de Aposentações deveriam ter descontado mais 2000 milhões de euros além das contribuições e quotizações que efectivamente descontaram. Este regime especial desegurança social deveria deixar de existir.
O sector empresarial do Estado
O endividamento global do sector empresarial do Estado em 2011 era superior a 60.000 milhões de euros, mais de 30 % do PIB, uma dívida de 6.000 euros por cada português ou de 11.000 por cada português em idade activa. Os capitais próprios destas empresas, ponderados pela participação pública no seu capital social, eram negativos em quase 2.000 milhões de euros. Ou seja, se o Estado quisesse vender o seu sector empresarial, teria de pagar a quem o comprasse. O Estado deveria vender ou reduzir o seu envolvimento nas empresas públicas que causam prejuízos, e não naquelas que, apesar de tudo, ainda vão funcionando mais ou menos bem.
As PPP
Estas modalidades contratuais serviram para financiar projectos de investimento de cariz eminentemente público, sob gestão privada. Mas tivessem os contratos sido avaliados à luz de critérios ditos privados e nunca teriam conhecido a luz do dia.
Em 2011, um só contrato - a Rodoviária Interior Norte - consumiu quase 450 milhões de euros em encargos líquidos ao Estado, quase tanto quanto os 560 milhões utilizados para custear o sistema judiciário (tribunais) nesse mesmo ano. Em 2012, o valor actualizado dos encargos brutos previstos até 2051 correspondia a 26.000 milhões de euros, cerca de 15 % do PIB e quase 5.000 euros por contribuinte em idade activa.
Estado de mau exemplo
Em 2011, entre despesas irregulares, erros e omissões, regularização de dívidas e poupanças futuras, contabilizaram-se 650 milhões de euros.
Destes, só em poupanças futuras, identificaram-se despesas no valorde 365 milhões que poderiam ser evitadas.
Entre 2000 e 2011, os consumos intermédios do Estado, onde se enquadram os bens e serviços subcontratados, representaram em média 4,5 % do PIB. Mas nos primeiros quatro trimestres após o resgate à República Portuguesa em 2011 estes mesmos consumos intermédios representaram 4,7 % do PIB. No final de 2011, em média, o Estado pagava a 84, 122 e 158 dias consoante se tratasse, respectivamente, da administração central, local (incluindo a regional), ou do seu sector empresarial. Os pagamentos em atraso atingiam os 4.700 milhões de euros - perto de 3 % do PIB.
Capítulo 8: A Dívida 
(...) Os cidadãos portugueses, entre dívidas explícitas e implícitas do Estado, estão onerados em quase 30.000 euros por cabeça, ou 55.000 euros por trabalhador em idade activa - além, é claro, das dívidas privadas da cada cidadão.
Capítulo 9: O Futuro
A descentralização em Portugal degenerou frequentemente noutro traço característico da nossa cultura - a desresponsabilização. E à desresponsabilização, invariavelmente, somou-se uma atitude de relaxação. O português precisa de estar sob pressão.
O Estado central em Portugal deve, pois, ser forte, deve ser pleno, mas também tem de ser pequeno. A sua acção deveria centrar-se exclusivamente na segurança e na regulação económica, mas não na regulação administrativa nem na acção social.
Para países como Portugal, o mercado único é hoje incompatível com as exigências da moeda única. A prazo, sem uma federação europeia ou sem um mecanismo de transferências permanentes, ter-se-á de optar entre o mercado único ou a moeda única.
Mais Excertos
As linhas que se seguem foram retirados do último capítulo do livro "As contas politicamente incorrectas da economia portuguesa". ( in "O Futuro", capítulo 9). Em jeito de conclusão escreve o autor:
"Portugal tem nove séculos de existência, mas essa existência está hoje ameaçada. Em pouco mais de 15 anos, a nossa posição líquida de investimento internacional - a diferença entre activos detidos por residentes e activos detidos por não residentes - passou de uma situação relativamente equilibrada, um défice de apenas 8% do PIB, para uma situação totalmente desequilibrada, um défice de superior a 100% do PIB. Por outras palavras, Portugal é hoje detido por não residentes, é detido pelo estrangeiro, e como se não bastasse, entre 2011 e 2014, teremos também sido um protectorado do estrangeiro. A quase bancarrota de 2011 - a terceira em menos de 40 anos de democracia representativa parlamentar - feriu, quiçá até de morte, a nossa dignidade enquanto povo soberano. Sobra-nos o idioma, o hino, e pouco mais. Resta-nos o legado dos nossos pais".
As coisas boas da Europa
"Os portugueses aprenderam a gostar das coisas boas da Europa Ocidental, e não se pode culpá-los. Abolição de fronteiras. Bens e serviços de qualidades estrangeira. Estabilidade política. Estabilidade monetária. Só coisas boas. Porém, o mundo não é perfeito, e nos seio da União Europeia tem residido um conflito latente entre a inviabilidade histórica de uma federação de países europeus e a inviabilidade prática de uma moeda única assente numa simples confederação de nações".
Mercado único vs moeda única
"A prazo, sem uma federação europeia ou sem um mecanismo de transferências permanentes, ter-se-á de optar entre o mercado único ou a moeda única, e se o fanatismo eurocrata for levado ao limite, poderemos acabar sem ambos e sem a própria União Europeia".

A questão de fundo

"A questão de fundo resume-se a duas simples interrogações, uma primeira de cariz estrutural e uma segunda de cariz conjuntural. Primeiro, como pode a economia portuguesa competir com economias cujo valor produzido por hora é em média o dobro da nosso? Segundo, como pode a economia portuguesa competir com economias que se financiam a taxas de juro muito inferiores às nossas?"
"A austeridade está para ficar, e sabemos que no futuro próximo a ela não deveremos escapar.
O desafio está em encontrar um caminho de futuro que, arrepiando este presente descaminho, nos devolva a segurança e a genuína esperança".
In prefácio, por Vítor Bento 
"Sobre um alicerce frágil não é possível edificar uma casa sólida. Da mesma forma, apoiado em factos errados, não é possível construir uma argumentação certa (...) Este é o mal de que padece grande parte do comentário público em Portugal e, frequentemente, do próprio reporte noticioso, e que muito contribui para a pobreza do debate político-social(...)
Nada disto - a falta de rigor argumentativo - tem que ver, note-se, com diferenças de opinião. (...) Como é o caso de Ricardo Arroja, que neste livro reúne um conjunto de textos sobre temas diversos ligados à economia portuguesa e nos quais procura desmontar muitas das falácias argumentativas que se têm vindo a afirmar como ‘verdades' na discussão pública, para isso recorrendo à profusa utilização de objectiva informação estatística".
Ricardo Arroja, Gestor e autor 
Licenciado em Gestão pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Arroja iniciou a sua actividade profissional ligado ao sector financeiro. É, hoje e desde 2009, professor assistente no Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais. Além de escrever para os blogues Portugal Contemporâneo e O Insurgente, é comentador da RTP e colunista do Diário Económico e da Vida Económica.

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