sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Preço da eletricidade: Um mistério muito bem guardado (Parte 2)


Caros leitores e leitoras, pelo facto do post anterior ter tido alguma visibilidade, acho que valerá a pena aprofundar um pouco mais este assunto para se perceber quão longe podem ir os políticos com as suas políticas tão cheias de boas intenções.

Bom, à medida que a produção de energia eólica ia aumentando em Portugal, mais desafios surgiam quanto à intermitência desta energia renovável, ou seja, como continuar a ter energia elétrica quando não há vento, e o que fazer ao excesso de energia elétrica quando há vento a mais.

Como já expliquei no post anterior, para colmatar a falta de vento arranjou-se a solução de manter as centrais térmicas a funcionar em modo ralentim.

Mas e o que fazer quando há vento a mais e não há consumidores suficientes para tanta produção de energia?

Se se recordam, no post anterior escrevi que em média o vento sopra 25% do tempo, sobretudo à noite.
Com a capacidade instalada que hoje temos em Portugal de energia eólica, se houver uma noite mais "endiabrada", facilmente a produção supera em muito o consumo. Das últimas informações que li, a capacidade instalada de eólicas já equivale ao consumo diário no seu pico, que deve rondar os 5 ou 6 GWh (talvez o Nuno ou deathandtaxes conheçam melhor estes dados, ou seja, num bom dia de vento, as eólicas poderão fornecer 100% de energia elétrica a Portugal.

Para "resolver" este problema, e evitando ter que pedir aos produtores das eólicas que desligassem as suas turbinas (contratualmente seria um problema), alguém se lembrou do seguinte:
E porque não usar as barragens durante a noite para "puxarem" de baixo para cima a mesma água que foi usada durante o dia de cima para baixo para produzir energia elétrica?

Desta forma, o excesso de vento traduzir-se-ia em produção de energia elétrica que serviria para alimentar enormes motores nas barragens. A ideia é original, mas não é nova.
No rio Mondego, a Barragem da Agueira, localizada perto de Coimbra e inaugurada no início da década de 80, foi já construída a pensar no aproveitamento da energia elétrica produzida pelas centrais térmicas que tinham dificuldade em travar a sua produção durante a noite.

Contudo, subsiste um problema com este sistema:
É necessário que a cota de água a jusante da barragem seja suficiente para que os motores possam "chupar" essa água novamente para cima. No caso da Aguieira, foi necessário construir outra barragem mais à frente, Barragem da Raiva, garantindo assim um nível adequado de água na base da da Aguieira.

Outro desafio prendia-se com o bombeamento propriamente dito. Se a instalação de motores gigantescos era algo quase incomportável, pensou-se um usar os próprios geradores de energia para funcionarem como motores. Este desafio foi facilmente ultrapassável, já que um gerador elétrico, com alterações pouco relevantes, facilmente se "transforma" num motor elétrico.

Ultrapassados os desafios técnicos, bastou a vontade política para que a ideia fosse recauchutada para os dias de hoje.
Para além da Agueira, dotou-se recentemente a barragem do Alqueva com este sistema, e pelos vistos, ainda em fase de construção, teremos a nova barragem do Tua e mais alguma que agora me escapa com este sistema.
Como referiu o deathandtaxes no seu comentário, o principal motivo para a construção destas novas barragens é mesmo o aproveitamento de energia eólica que já temos em excesso nos dias e noites mais ventosos.
As restantes barragens já construídas estão técnica ou financeiramente impossibilitadas de usar este sistema de reversibilidade.

Desconheço se no fim das contas estas barragens reversíveis serão suficientes para acomodar o excesso de energia eólica, mas desconfio que não, e porquê?

Porque Sócrates e Pinho começaram a vender a história do carro elétrico, lembram-se?

O carro elétrico era suposto ser mais uma ajuda no consumo de energia elétrica produzida em excesso pelas eólicas à noite.
Os carros circulam sobretudo durante o dia, e à noite, estando parados, poderiam comodamente recarregar as baterias.
Mas também os carros elétricos se reveleram mais um logro. E como qualquer logro, também este foi subsidiado pelo Estado (isento de IA):
- As baterias não permitem uma autonomia superior a 150 km, rivalizando com os 600 km do depósito de combustível.
- O preço destes veículos continua a ser pouco convidativo
- O carregamento dura quase 8 horas
- Nas zonas urbanas, seria necessário instalar carregadores elétricos na rua, já que as pessoas vivem sobretudo em prédios sem direito a garagem nem a alimentação elétrica privativa onde estacionam.

Este último desafio é praticamente impossível de resolver, já que o investimento a realizar, tanto em postos de recarregamento, como em modernização e reforço das redes elétricas na malha urbana seria simplesmente proibitivo.
Ficámo-nos por meia dúzia de postos de abastecimento espalhados por um ou outro parque de estacionamento em Lisboa, e um posto de abastecimento rápido (80% de carregamento em menos de hora e meia) na área de serviço da A5, sentido Lisboa-Cascais, se não me falha a memória. Não fazem mossa nenhuma na rede elétrica já existente.

Enfim, este era mais um projeto carregado de boas intenções que esteve na iminência de ver a luz do dia, mas que a troika ainda liquidou a tempo.

Mas a loucura da construção de barragens apenas para acomodar o excesso de vento já não foi a tempo de ser travada, e portanto, mais cedo ou mais tarde, a fatura irá cair nos consumidores.

Moral da História:
Para termos eletricidade exatamente igual àquela que já tínhamos há 10 anos antes das eólicas, temos agora que pagar adicionalmente os subsídios aos produtores destas, o ralentim das centrais térmicas e o investimento em barragens para produzirem durante o dia e bombearem à noite.

O que é que ganhámos?
Alguma poupança na importação de gás e carvão, mas que rapidamente se neutralizou com todos os subsídios e ralentins que ficámos obrigados a pagar aos produtores.

E se a loucura não tivesse parado com a troika, ainda iríamos financiar a "porra" dos carros elétricos.

Mas acerca dos carros elétricos há uma vantagem que vale a pena referir:
Recarregar as baterias custa, para 160km de autonomia, aproximadamente 2,5 €, usando o tarifário bi-horário da EDP.
É um preço imbatível, mesmo se compararmos com os carros híbridos a gasóleo mais recentes da Citroen

O que os portugueses e portuguesas devem saber, sobretudo os mais esclarecidos, como os leitores do Viriatos, é que a nossa economia baseia-se num fornecimento constante de energia elétrica, sendo certo que o consumo varia a toda a hora, e portanto, é a produção que corre atrás dos comportamentos dos consumidores, e não o contrário.
Se quisermos usar as eólicas sem pagar o ralentim das térmicas, temos que tomar consciência de que haverá cortes de energia numa base frequente, já que terá que ser o consumo a adaptar-se à produção (só há energia se houver vento), e mantendo o preço da eletricidade bem acima daquele que se praticava há 10 anos sem eólicas e obviamente sem interrupções por falta de carvão ou gás.

Como podem imaginar, um cenário destes seria o caos completo.
Imaginem todos os sistemas eletrónicos em que hoje a economia assenta apenas funcionarem quando houvesse vento, ou então deixarmos os produtos que estão armazenados em câmaras frigoríficas apodrecerem por causa desta "vicissitude" energética.

Seria inimaginável, impraticável, e o sonho da civilização na urbanidade tornar-se-ia o maior pesadelo da humanidade.

Caminharemos para lá?

Poderão pensar que se cada casa e cada prédio tivessem instalados fotovoltaicos e mini-eólicas (micro-produção), as coisas poderiam atenuar-se ou até resolver.

No post que farei sobre dicas para nos prepararmos para o que aí vem, irei exemplificar quão caro e complexo é ter sistemas independentes que garantam alguma auto-suficiência energética. Mas também não vejo atualmente alternativa melhor.

Obrigado mais uma vez por terem lido até ao fim!

Tiago Mestre

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