Não consigo acreditar nesta hipótese que foi avançada pelo comissão que estudou preliminarmente o acidente, sinceramente. Não quero atribuir qualquer juízo de valor aos 4 investigadores, que desconheço obviamente.
É referido no relatório que a sinalização funcionou, ou seja, que indicava ao maquinista que este deveria travar e imobilizar o comboio. O Intercidades chocou a 42 Km/h, o que indica que a travagem estava acontecendo. Em circunstâncias normais ele circula por aquelas paragens a 120Km/h.
Se o maquinista frenou o comboio, inclusivamente recorrendo à injeção de areia nos carris para melhorar a aderência das rodas, nada se pode depreender acerca do correto funcionamento do sistema automático de travagem e controlo de velocidade (CONVEL). Pode estar bom ou pode estar mau, na medida em que não foi necessário recorrer ao sistema, segundo percebi.
Acerca da travagem não ter sido eficaz por ter havido deslizamento, tal explicação dificilmente colhe.
Muitas são as circunstâncias em que viajo de comboio Intercidades, a chover, de dia ou de noite, e em várias ocasiões percebi que quando o maquinista recebe um sinal amarelo, inicia a travagem de imediato, de forma mais ou menos veemente em função das necessidades, e para que tal operação seja concluída com sucesso, o posicionamento e o distanciamento dos semáforos entre si é calculado em função da capacidade de travagem dos comboios.
Basicamente, quando o maquinista passa por um semáforo com luz amarela, é-lhe concedido tempo e espaço para travar a composição para velocidades a rondarem os 20km/h, independentemente da velocidade a que vinha (até podia vir a 200Km/hora, velocidade atingida pelo Intercidades em muitos troços da linha), até conseguir visualizar o semáforo seguinte ou ser informado na locomotiva qual a cor do mesmo, e que no caso de estar vermelho, obriga ao maquinista a imobilização completa do comboio. Caso não o faça, o CONVEL trava o comboio automaticamente.
O que quero dizer com isto é que a partir do momento em que o maquinista do Regional se apercebeu que tinha eventualmente falhado a travagem tendo ficado para lá do semáforo, NA LINHA PRINCIPAL e com um Intercidades a 8 minutos de embater na sua traseira, poderia ter informado quem de direito acerca do problema, havendo tempo mais do que suficiente para que os semáforos a montante alterassem a sua cor para vermelho, permitindo à composição que vem atrás travar a tempo.
O próprio maquinista do Regional poderia ter avançado ou recuado a composição, permitindo que a agulha atuasse e entrasse assim na linha certa, saindo daquele local altamente perigoso. Nada disso foi feito.
Cá para mim o maquinista do Regional, que até pode ter estranhado ter-se mantido na linha principal, já que o costume é sair para a linha secundária, achava que estava tudo bem mesmo tendo falhado a travagem e ultrapassado um sinal vermelho, já que confiou que os semáforos iriam mandar parar o Intercidades bem lá mais atrás.
Foi tão surpreendido com um Intercidades pela traseira da sua composição como os passageiros que transportava.
É esquisito que a Comissão de Inquérito tenha informado que os semáforos estavam bons, que ambos os comboios travaram/deslizaram, e mesmo assim tenha havido colisão. Tentou-se justificar com o tal "deslizamento", mas que a inspeção visual efetuada aos carris não corroborou, já que nada de anormal encontrou.
Fica algo por explicar.
Na notícia do Público de hoje lê-se:
"Inquérito não detetou causas do "deslizamento" que provocou o acidente..."
E eu acrescento:
Não se detetaram causas do deslizamento porque NÃO HOUVE deslizamento nenhum! Pode ter havido uma travagem falhada porque esta começou tarde, talvez devido a uma informação errada por parte dos semáforos.
Mas considerando hipoteticamente que até houve deslizamento, então o mesmo se deve ter passado com os outros comboios que por ali travam diariamente em noites chuvosas. Os comboios são todos semelhantes, os sistemas de travagem também, a linha é a mesma e a inclinação também, portanto as leis da Física não aceitam exceções.
Cheguei a ler que a inclinação da linha (a descer) poderia ter favorecido o "deslizamento".
A zona em questão é relativamente plana, e desde o apeadeiro imediatamente antes - Vila Nova de Anços - que fica a mais de 5 quilómetros de Alfarelos, a linha é completamente plana.
5 km de extensão de linha plana é mais do que suficiente para um comboio travar dos 200 ou 120km/h até 0 Km/h.
Em condições normais, um comboio de passageiros que faça uma travagem de emergência precisa de 800 metros aproximadamente para ir dos 120 km/h até 0 km/h.
A ser verdade a tese do deslizamento, então tal só pode significar que aquele troço há muito que era fonte de problemas em todas as noites chuvosas de inverno. Todos os Regionais têm que travar para parar em Alfarelos, e portanto aquilo só podia ser um exercício frequente de perícia do maquinista em conseguir travar a tempo. Sinceramente não me parece plausível. E como os horários dos comboios são muito constantes ao longo do ano, é de prever que todos os dias àquela hora se repita a ocorrência "Regional para em Alfarelos para Intercidades passar". O Inverno de 2012/2013 tem sido abundante em chuva, e certamente que a falta de perícia de um de outro maquinista naquelas circunstâncias tão específicas já teria dado em alguma asneira, e devidamente reportada a quem de direito. A ser assim, há muito que o perigo espreitava e ninguém fez nada...
A linha do Norte há mais de 15 anos que anda a ser remodelada em vários troços, e se este é assim tão problemático e perigoso, qualquer coisa já se teria feito.
Parece-me muito mais provável que a reativação dos sistemas de gestão dos horários e da linha 24 horas depois do temporal não tenha tido em consideração a ordem automática para que AQUELA agulha específica estivesse acionada ANTES daquele Regional chegar à hora do costume.
Já lá vai o tempo em que eram homens que iam (às vezes de bicicleta) mudar manualmente a posição da agulha no próprio local, obrigando à paragem do comboio antes da agulha sempre que esta ainda não tinha sido mudada pelo funcionário.
Em Alfarelos inicia-se o ramal da Figueira da Foz, e a Estação em si possui várias linhas e muitas agulhas. No Google Earth contei pelo menos 35 agulhas, ou seja, não é uma estaçãozinha qualquer..
PARA O REGIONAL SE TER MANTIDO INDEVIDAMENTE NA LINHA PRINCIPAL, A AGULHA QUE PERMITIRIA AO REGIONAL SAIR DELA NÃO ESTAVA ACIONADA !
Ou seja, mesmo que o Regional tivesse deslizado por ali afora que nem pé em casca de banana, se a agulha estivesse acionada, teria sempre deslizado para a linha secundária, deixando a via principal desimpedida.
Leiam esta notícia do Público à Uma da tarde de Domingo:
A circulação ferroviária entre Lisboa e o Porto já foi restabelecida na madrugada deste domingo, mas uma avaria na sinalização electrónica na zona de Pombal está a provocar atrasos nos comboios.
A Refer não tem previsão para a resolução deste problema, mas não há comboios suprimidos, embora sejam expectáveis atrasos durante todo o dia nas ligações entre Lisboa e o Porto.
A avaria na sinalização foi motivada pelas falhas de energia eléctrica na zona de Coimbra no sábado, devido ao temporal, que provocou danos nos circuitos de via.
Alfarelos fica entre Pombal e Coimbra!
Estão a ver o filme?
Os comboios só começaram a circular no Domingo, com atrasos, e com uma avaria na sinalização eletrónica por aquelas bandas ainda por resolver !!!!!!!!!
Quando é que a avaria foi resolvida? Não sabemos..
Provavelmente às 21 horas e 20 minutos de segunda-feira, hora aproximada do acidente, a avaria ainda persistia, e pumba catrapumba.
Estive a consultar no site da CP os horários dos comboios à segunda-feira:
- O Regional parte de Pombal às 20.49 em direção a Alfarelos, onde tem hora de chegada às 21.12.
- O Intercidades que vem imediatamente atrás, parte de Pombal às 21.05 (15 minutos depois do Regional) e deve cruzar Alfarelos pelas 21.20 a uma velocidade de 120 km/h .
Se o Regional circulava a horas e chegou realmente a Alfarelos às 21.12, esteve 8 MINUTOS imobilizado na linha principal sem que nada se tivesse feito, até ter levado com o Intercidades pela traseira.
Nestas circunstâncias, 8 minutos é uma eternidade.
Dava mais do que tempo para:
- Acionar os dispositivos de sinalização e informar o maquinista do Intercidades para travar
- Retirar o Regional dali pra fora e mudá-lo para uma linha secundária
- Ou até dar ordem de marcha ao Regional para que avançasse até Coimbra-B, a estação seguinte, saindo dali pra fora e desimpedindo a linha principal
A informação oficial é que o Regional foi obrigado a travar por indicação do semáforo amarelo, e por causa do deslizamento falhou o cumprimento do sinal vermelho seguinte que se encontrava mais à frente, já à entrada da Estação. O problema aqui é que circulava atrás dele um Intercidades a 8 minutos e a 20 km de distância, a pelo menos 120km/h e que não tinha que parar em Alfarelos!
Se o Regional deveria parar no semáforo Vermelho à entrada da Estação, então o Intercidades deveria ter parado no semáforo Vermelho anterior, que tinha sido Amarelo para o Regional. Desta forma teríamos comboios a travar e a imobilizarem-se em troços diferentes, baseados em sinalização independente.
Mas não foi isto que aconteceu!
O que aconteceu foi que o SEMÁFORO QUE FOI AMARELO PARA O REGIONAL TAMBÉM O FOI PARA O INTERCIDADES, e a mesma coisa para o semáforo vermelho à entrada da Estação. Ou seja, instruções semelhantes para comboios que seguem na pegada um do outro e no mesmo troço. NÃO PODE!
Os semáforos instalados ao longo da linha servem de baliza, e têm como objetivo limitar a marcha do comboio que vai atrás em função da marcha do que vai à frente. Se o da frente parou num semáforo, o de trás deveria parar pelo menos no semáforo anterior, digo eu, e só depois do comboio da frente arrancar e sair daquele troço é que o comboio de trás pode arrancar e entrar nesse mesmo troço.
- E porque é que o sinal estava vermelho à entrada da Estação de Alfarelos?
Talvez porque a agulha ainda não estava na posição que permitiria ao Regional sair da linha principal.
- E porque razão não estava a agulha na posição correta?
É que dificilmente haveria movimento naquela linha secundária àquela hora, até porque estava escalonado aquele comboio utilizá-la.
Conclusões
- O sistema automático falhou porque vinha de um processo de reiniciação deficiente 24 horas antes,
- A sinalização naquela zona estava inoperacional ou bastante limitada, tendo induzido os maquinistas em erro, sobretudo o do Intercidades, que só acabou por travar no mesmo troço onde já se encontrava o Regional
- E ninguém se apercebeu que o Regional tinha parado na linha errada e que deveria sair dali pra fora o mais depressa possivel, nem mesmo o seu maquinista, apesar de que a travagem falhara e o semáforo vermelho fora violado.
(provavelmente àquela hora já o Chefe da Estação estaria a jantar, confiante que os automatismos estavam a funcionar corretamente, e também não deu por nada)
Estou mesmo a imaginar a expressão na cara do Chefe quando viu aquele cenário dantesco na "sua" estação.
E ninguém apresenta a demissão? da CP? da REFER? Ministro dos Transportes?
E já agora, quem é que vai pagar todo este prejuízo?
Pois... a CP é uma empresa pública, já me esquecia!
Perdoem-me a insistência neste assunto que pouco tem a ver com economia, mas tudo isto cheirou-me muito a esturro desde que li as notícias e escrevi o
post anterior.
Com esta avaliação, o cheiro intensifica-se ainda mais.
Tiago Mestre