terça-feira, 15 de janeiro de 2013

A força de adiar as coisas

Tenho assistido com atenção nos media aos vários economistas que sugerem o alargamento do prazo que a troika nos deu por forma a atingirmos os objetivos pretendidos.
Medina Carreira defende esta tese, por exemplo, bem como Manuela Ferreira Leite, João Ferreira do Amaral e outros.

Penso que todos já ouviram esta tese. Gostaria de deixar algumas reflexões sobre esta opção e outras, que são sempre políticas, claro, mas que tecnicamente falando colocam-me algumas reservas, a saber:

1. Num prazo a 10 anos, por exemplo, se quisermos baixar o défice de 6% para 0%, ou melhor dizendo, de 10 mil milhões para 0, então faríamos um plano para reduzir mil milhões ao ano, por exemplo:
Ano 0: 10    Dívida: 10
Ano 1:  9     Dívida: 19
Ano 2:  8     Dívida: 27
.....
Ano 10: 0    Dívida final: 55
Para um país como o nosso, que começou o plano da troika em Julho 2011 e com 160 mil milhões de dívida já no colo, em 10 anos totalizaríamos 215 mil milhões de dívida.

2. Num prazo a 5 anos, teríamos que cortar 2 mil milhões ao ano. No final, a dívida contraída nesse período seria de (10+8+6+4+2) = 30 mil milhões, que a juntar aos 160 mil milhões de dívida, totalizaria 190 mil milhões.

3. Mas o negócio com a troika estabeleceu um prazo de 3 anos aproximadamente (já nem sei bem), em que a exigência de redução anual do défice é um pouco superior a 3 mil milhões. Tal desígnio, a cumprir-se, acrescentaria 22 mil milhões de dívida aos 160 que já existiam, perfazendo 182 mil milhões ao fim de 3 anos.
Mas como estamos a ver, o desígnio não se cumpriu e nem sequer se irá cumprir.
A dívida passou dos 160 mil milhões para 203 mil milhões em ano e meio !!
Acredito que parte desse dinheiro tenha vindo mas não foi utilizado JÁ, como no caso 12 mil milhões que vieram para os bancos e que (ainda) não foram totalmente utilizados.
Mas em relação ao défice, ele teimosamente não desce dos 5% do PIB, aproximadamente 8,3 mil milhões, e só não é mais porque há receitas extraordinárias, como a transferência dos fundos de pensões e eventualmente a privatização da ANA. Pelo menos 3 ou 4 mil milhões em 2012 são de receita extraordinária, o que significa que o nosso défice, em situação ordinária, ou seja, baseando-nos nos rendimentos anuais e não na venda de património, muito dificilmente baixa dos 10 mil milhões de euros.

Temos aqui um problema sério porque:

 No prazo mais curto - 2,3 anos - a dívida explode à mesma e o défice não desce anualmente os 3 mil milhões que deveria.

No prazo mais alongado (10 anos), as coisas também não seriam muito melhores, já que PELO MENOS a dívida ultrapassaria os 200 mil milhões, à semelhança do plano a 2-3 anos. Já em relação ao défice não é possível afirmar grande coisa, porque a sua redução consegue-se através da execução de medidas, aplicando reformas e por aí fora. Desconheço que haja sequer um plano da troika com esta maturidade.

- Como um exemplo aproximado do cenário a 10 anos, teríamos eventualmente os EUA, que estão a evitar a todo o custo cortes públicos, na esperança de que a economia de reestruture e que inicie uma trajetória de crescimento. Tentam subir uns impostos aqui e acolá, mas cortar mesmo na despesa só o farão se for mesmo necessário e lá num futuro muito distante. Todos sabem que cortar despesa agora significa recessão, e com ajuda de Krugman, Geithner, e sobretudo Ben Bernanke, tudo têm feito para desvalorizar o dólar, imprimindo-o pelo meio, pagando parte dos défices públicos anuais de 1 trilião do Obama e ainda reduzem a yield das Obrigações. Matam 4 coelhos numa cajadada, até à cajadada final na confiança mundial do Dolar, mas isso, como dizia a Teresa Guilherme, para agora não interessa nada!
Mas o que vamos vendo desde 2009, e já lá vão mais de 4 anos, é que depois de 5 triliões de nova dívida, taxas de juro a 0% e aquisição ilimitada de ativos tóxicos pelas instituições públicas, o crescimento arrasta-se nos 1,5% a 2%, o desemprego, mesmo trafulhado nos números pelas autoridades, pouco baixa dos 7 a 8%, continuando a ser necessário imprimir muitos dólares para conseguirem fazer crescer o PIB na mesma proporção. Posso estar enganado mas não estou bem a ver como tal cenário poderá resultar.

Em relação ao plano a 5 anos, também não é possível dizer grande coisa, à exceção de que caso a redução dos défices fosse cumprida, no final a dívida não ultrapassaria os 190 mil milhões de euros.

- Um exemplo aproximado do plano a 5 anos será talvez o da Grécia, que em Abril passa para o seu 4º ano consecutivo de austeridade. As coisas por lá também não andam a correr como se pensou inicialmente:
Desde 2009 em recessão, totalizando já 4 anos seguidos, em que o PIB caiu de 232 mil milhões (pico em 2008) para terminar em 2012 talvez com 205 mil milhões
O défice dificilmente baixa dos 8 a 9% do PIB, representando aprox 20 mil milhões anualmente.
A dívida, por muitos defaults parciais que façam, sobe sempre em função dos défices
O desemprego subiu "sustentadamente" até aos 25% e dificilmente descerá, a não ser que a juventude grega desapareça em debandada do país.
E o mais ridículo é que os preços do trabalho no privado não desceram assim tanto, certamente porque os cortes nos salários não ocorrem por decreto. É lento e sobretudo induzido pelo desemprego, atrasando ainda mais todo o processo.

A depressão e o desalento que se foi formando ao longo destes 4 anos no povo grego certamente que deixará feridas abertas por muito tempo, e não vejo como se poderá pedir mais energia a esta gente, quando já andam a roubar madeira para se aquecerem no Inverno. O efeito psicológico das medidas de austeridade prolongadas no tempo não entra na equação da troika, e acho que essa desatenção paga-se muito caro.

Onde quero chegar é que quando definimos um PLANO com uma maturidade (3 anos, por exemplo) e um objetivo (redução do défice em 10 mil milhões para atingir Défice ZERO), têm que constar um conjunto de propostas que, a serem implementadas, tragam os resultados desejados. Para tal, é necessário em primeiro lugar conhecer a cultura do país e a sua estrutura económica, depois saber quais as ferramentas políticas e económicas que estão ao nosso dispor, em seguida preparar e executar as medidas, e ao longo de todo o processo: FALAR VERDADE.

Para todos os economistas e opinion makers que aderiram à sugestão de que o plano da troika peca por ser curto, e por conseguinte não está a dar resultado, devem bem ponderar se há aqui efeito de causalidade ou não. Eu tenho as maiores dúvidas de que estender o prazo resulte, porque aquilo a que assistimos é ao clássico empurrar com a barriga sempre que nos folgam as metas.

Desde a década de 90 e o raio do Plano Porter que andamos a discutir a economia de Portugal e... nada. A adesão ao €, a queda das taxas de juro e o dinheirinho dos fundos comunitários iriam certamente dar a volta. Não deu em nada. Esperar pelos outros ou por causas extrínsecas não chega, e muitas vezes é contraproducente porque relaxamos na ação intrínseca.

A tese que defendo de que a austeridade deveria ser muito mais forte e muito mais curta também não sei se resultaria.
Apenas sei que seria catastrófica no curto prazo para a economia, disso nem há dúvidas, mas não estou bem a ver como se cura uma grande bebedeira sem uma grande ressaca.

Estarmos no € e não se conseguir desvalorizar a moeda, bem vistas as coisas, também não ajuda nada, porque a par da austeridade a sério, se houvesse desvalorização cambial, sempre ajustávamos a moeda À NOSSA REALIDADE ECONÓMICA, dando algum impulso à reestruturação da nossa economia e ajudando a austeridade a manter-se forte dentro dos prazos apertados.
Querermos corrigir os desmandos do Estado com uma economia em que quase 75% do PIB é nos Serviços, vou ali e já venho.
Eu sei que o Filipe e mais pessoal do Viriatos não acreditam na desvalorização cambial por decreto nem na depreciação monetária por impressão. E eu também não.
Mas e se o € for forte demais para a estrutura da nossa economia? Não será possível ter outra moeda, mantendo os créditos ao exterior em moeda euro? (aprox 200% do PIB ou 320 mil milhões euros) Não sei. O que eu sei é que com esta economia a rastejar e o € a valorizar-se face ao dólar, a coisa não vai bem encaminhada. Agora que as águas na Europa estão mais calmas e nos EUA andam mais stressados, desde Setembro que a cotação passou dos 1,2 para 1,34. Em dólares as nossas exportações ficaram mais caras 11,6% em 4 meses!
O que será das nossas exportações para fora da UE, e porque não dentro da UE, se o € se valorizar até 1,5 ou 1,6?

O meu medo, claro, é deixar a moeda cair nas mãos dos políticos nacionais como acontece nos EUA, em que a impressora serve para financiar défices e estender dinheiro aos mega-bancos que depois o despejam em WallStreet ( bem, com o BCE também não é assim tãaaaooo diferente, mas enfim).
Precisávamos da troika cá em permanência para não abusarmos da impressora, digo eu!

Como a austeridadezinha não está a resultar em Portugal, e 2013 parece-me que será outro fiasco igual a 2012, acho importante colocar o papel branco em cima da mesa e começarmos a escrever cenários, de forma livre e desempoeirada, a bem de todos nós..

Tiago Mestre

6 comentários:

Vivendi disse...

Mais um excelente post.

Algumas notas:

Mais tempo de jeito nenhum.

O desemprego americano é de pelo menos +10% em relação aos números oficiais.

A maior parte da produção nacional e europeia depende de importação de matérias-primas de fora da zona euro. Logo é vantajoso uma moeda forte. E tudo aquilo que não for para exportar mais ficará para consumir melhorando o bem estar das populações que passam a consumir mais mas gastando muito menos.

vazelios disse...

Excelente post Tiago.

Estas tuas análises já foram muito debatidas aqui, mas ires resumindo as ocorrências que este rigor é sempre bom para nós nos lembrar-mos bem como para os novos leitores se aperceberem.

Os Eua não vão parar de imprimir. Até chegarem aos 6,5% de taxa de desemprego vai um long way... (a não ser que entretanto alterem a sua forma de o calcular ahah)

Em 2013 (pelo menos no primeiro semestre), penso que as atenções se vão dividir um pouco mais entre Europa e EUA, enquanto que em 2011 só deu Europa. No segundo semestre, creio que teremos 3 hipoteses:

- A inflação começa a fazer mais estragos nos EUA (ou o crescimento tarda em surgir) e a europa ganha fôlego (no que concerne às atenções dos media) - EURO VALORIZA.
- A Europa tem problemas sociais tal maneira graves, como Portugal devido ao OE, ou Espanha e outros países pela asfixia, e volta a ter os holofotes sobre si - EURO DESVALORIZA.
- O kick the can ganhou mais um ano e a situação manter-se-há - Até ver - DEPENDE DA SITUAÇÃO.

Não sei qual destas vai acontecer, inclino-me mais para a terceira. Já sabemos como os Portugueses são pacientes e como os politicos são particularmente criativos.

Lembram-se duma questão que pus no ar: Se todos os bancos mundiais imprimirem moeda, quem inflaciona mais, quem exporta mais? Não haverá hiper-inflação mundial? O titulo do teu post foi "Se eu imprir mais do que tu, não desvalorizo mais e aumento mais as exportações?" (A citar de cor)

Responderam-me, e bem (até com gráficos a sustentar a resposta), que já por muitas desvalorizações feitas pelo mundo fora, tal não significou um aumento das exportações.

Pegando na tua preocupação da cotação do Euro, que eu também a partilho, agora veremos nestes primeiros 6 meses quanto irá valorizar o Euro, e quanto vamos sofrer nas exportações, e "ganhar" nas importações.

Carlos Rebelo disse...

Viva,
Eu adorei a entrevista do Mário Crespo ao Joaquim Aguiar, em que este último explicou detalhadamente e com uma precisão e uma frieza assustadora, no buraco em que caímos.
Ficámos escravos da dívida e ponto final. Não há muita volta a dar! Crescimento???, qual crescimento, nem o resto da Europa vai muito por aí alem e nos States então...
Só ligando as impressoras por todo o mundo, o que já está a acontecer desde 2008! e mesmo assim é juntar dívida em cima de dívida...
Não acham que algures num tempo próximo, não tenhamos que OBRIGATORIAMENTE reestruturar a nossa dívida???
E é para mim muito claro, que a TROIKA não pode sair de cá nos próximos anos, porque a tentação dos nossos políticos, fazerem porcaria é muito grande...
Um abraço e continuem o vosso EXCELENTE trabalho!

Ricardo Anjos disse...

sobre o introitus, e por se falar em Medina Carreira, e J F do Amaral - e deixemos a senhora M F Leite à parte por motivos de princípio - como defensores do alargamento do prazo do resgate externo.
1- Não nos podemos esquecer nunca que estas duas figuras, foram as primeiras personalidades em Portugal, na televisão mainstream, a identificarem um problema. Qual?... o problema da insolvência do Estado Português. Tinham tempo de antena, não o utilizaram para auto-promoção, e decidiram-se pela intervenção cívica e acertada de alertar para a existência do problema. por isto (que parece pouco, mas sabemos que não é) fico grato

2- Na mesma ordem de grandeza da importância(apenas devido à sua notoriedade) que tiveram no alerta de que havia um problema (problema esse que todos nós estamos fartinhos de ver escancarado no contas caseiras, e mais tarde no viriatos, está a incapacidade de apresentar soluções cabais para o nosso problema. não passam de Keynesianos devotos, e para eles, o Keynesianismo em Portugal só não funciona, porque os governantes são incompetentes... porque a justiça não funciona; porque a educação está mal orientada; porque não podemos imprimir a nossa própria moeda; porque abdicamos da nossa soberania... etc. até dá a impressão, que quando estiveram lá, a coisa correu muito bem!!! e se fossem eles a mandar...!!! ui ui!

3- o nosso problema é a quadratura do círculo. Diminuir a despesa do Estado sem prejuízo desse mesmo estado, e ou manter a despesa do Estado sem aumentar os impostos. e a despesa é:

Salários de funcionários públicos; beneficiários de pensões e ou subsídios do Estado; Defesa e segurança pública; SNS e outros subsistemas de Saúde; Educação... o resto é treta (no sentido de irrelevancia em valor).

ou seja, somos todos nós. os beneficiários directos(acima descritos) e indirectos (o restante da população).
ou seja,
cortar na despesa estado, é e sempre será, cortar em nós! e é este gigante esquema de Ponzi que montamos para nós próprios, na mais perversa falta de solidariedade inter-geracional de que há memória.

e pasme-se! não fomos só nós...

ouvindo Kyle Bass (como foi postado por ti- e que agradeço) apercebemos-mos de que não há saídas airosas deste formigueiro... só talvez uma boa enxurrada (ou uma grande guerra, como sugere o Kyle)???

David Seraos disse...

Tiago o ano trouxe-te ainda mais inspiração, muito bom post!

O euro tem as suas desvantagens, isso é claro, especialmente nos ter feito baixar os juros tanto tempo, mas dá rigidez, e essa rigidez é que pos a nu muitas das fragilidades dos paises do euro, mas é algo que nunca estivemos habituados, e podemos dizer que esse problema nem é só nosso, basta olhar pra o lado e para o outro lado do Atlântico.

No inicio destes programas de austeridade, lembro-me de um senhor dizer (não me lembro do nome, mas acho que esteve ligado aos programas de austeridade nos países de leste), que nos paises de leste, no inicio havia grandes quebras, desemprego, tudo piorava, mas dps melhorava, não era logo, é preciso esperar os efeitos dos programas.

Mas a austeridazinha é normal não resultar, pois como dizes tens de se cortar 10mil M€, e só agora estao a ver se conseguem cortar 4mil M€, e já pra isso é a cacofonia que se está a ver, isto é como fazer dieta, e em vez de comeres uma sobremesa grande, comes uma pequena, pois é igual a esta austeridadezinha, a divida (barriga) cresce à mesma, cresce é um bocadinho mais devagar.

Mas esta austeridazinha também é so pra ver se engana os mercados e eles nos queiram de volta no final deste ano, isto é o paleio deles, pois o BCE é que ainda nos vai manter à tona durante um tempo depois disso.

Anónimo disse...

Quando terminaramos as reformas nas Administração Pública é hora de sair do Euro... já só faltam 24 meses... vamos ver se o corte de 4mil milhões passa (devia ser de 10 mil milhões). Depois é voltar para o escudo e viver feliz... isso é que vai ser exportar. O Euro é uma moeda hipervalorizada para o nosso País. Ou a saída ou dívida sem fim...