quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Cavaco Silva não falhou

Imaginem que alguém vos colocava esta questão e tinham que dar a vossa opinião acerca da coerência e pertinência de todo o processo:

1. Presidente recebe o orçamento para o ano seguinte e tem que o aprovar ou desaprovar.
Se o aprova é porque julga concordar com o que lá está escrito, sem violar a Constituição
Se desaprova é porque não concorda e/ou considera Constitucional

2. Neste caso, o Presidente aprovou o Orçamento, contudo acredita que há algumas medidas que podem violar a Constitucionalidade.

3. Estamos já em Janeiro, no 1º mês do OE2013, ou seja, o Orçamento é para valer

4. E pelos vistos, as dúvidas levantadas pelo Presidente podem ser verificadas pelo Tribunal Constitucional após a promulgação, no ato denominado "Fiscalização Sucessiva"

5. Caso o TC considere que há inconstitucionalidades, já o mês Janeiro vai pelo menos a meio, e portanto é de esperar que a decisão traga retroativos ou então aleguem aquilo que alegaram em 2012: o Orçamento já está em vigor, e portanto só podemos inibir medidas desta natureza para 2013 e daí em diante.

Será que Cavaco percebeu isto e preferiu fazê-lo, mesmo violando o juramento que fez na defesa da Constituição?
  Se virmos bem, nestas circunstâncias ele sai "por cima". Não é responsável pelo veto do orçamento, não "pára" o país e qualquer que seja a decisão do TC, esta só poderá ser aplicada em 2014, e no entretanto o OE2013 vigora, mesmo sendo inconstitucional.

Se a coisa fosse bem feita, o PR até poderia promulgar o OE2013, mas teria que ser numa data que desse tempo ao TC para se pronunciar, e caso houvesse inconstitucionalidades, dar tempo para o processo se repetir, ou seja, corrigir na Assembleia e promulgar novamente.

Mas não, a julgar pelo modus operandi que temos, e possível que qualquer OE seja inconstitucional e vigore no ano a que diz respeito, desde que a Assembleia o aprove e o Presidente, mesmo tendo dúvidas, o promulgue e apenas accione a "Fiscalização sucessiva" já com o ano civil a decorrer.

Moral da História:
Uma eventual inconstitucionalidade do Orçamento pode ser (e foi) derrotada na Secretaria.

O único pecado de Cavaco Silva foi ter violado o juramento que fez quando tomou posse.
Mas como já escrevi antes, quando os meios justificam os fins, e os Princípios se largam no caixote do lixo à primeira dificuldade, torna-se difícil encontrar homens e mulheres que honrem aquilo que prometeram.

Se gozam com as leis mais elevadas da República, o que dizer das outras?
E que legitimidade induzem ao povo para que este respeite a legislação, quando em casa própria fecham os olhos e torneiam as questões?


Este modus vivendi já parece ser uma patologia nacional, em que a classe política foi a portadora do vírus para solo doméstico, talvez por terem "aprendido" muito com os colegas políticos europeus nas últimas décadas.


Tiago Mestre

1 comentário:

Pedro Miguel disse...

A questão vai muito além disso, se Cavaco Silva não promulga o orçamento e na realidade não era inconstitucional quem teria errado?
E ainda por outro lado, porque motivo é o organismo dos mais bem pagos da República o decisor que os subsídios não podem ser cortados?
A bem da transparência, não deviam ser os que mais precisam abdicar a decidir se abdicam ou não.

O Tribunal Constitucional em Portugal tem poder jurídico ou político? Decide de forma jurídica ou política?

Podemos dar voltas e mais voltas, mas no final vamos esbarrar mais uma vez numa ordem e constituições desactualizadas.