sábado, 16 de fevereiro de 2013

Antes aquilo, hoje isto, amanhã aqueloutro (Parte 2)

Em resposta ao comentário do Pedro no post de quinta-feira.


Tenho lido e ouvido em várias ocasiões que os sinais de recuperação estão aí. E a minha pergunta é: Onde é que estão eles? Porque eu não os vejo!

Para me deixar convencer preciso de indicadores fiáveis, e não o “sentimento de confiança” deste ou daquele grupo de pessoas, analisado por esta ou aquela instituição mais ou menos credível.

- Preciso de ver o défice público a roçar o zero para ver a dívida líquida a começar a baixar

- Preciso de ver os impostos a baixar para estimular investimento

- Preciso de ver a dívida acumulada de empresas e famílias a descer dos 300% do PIB atuais para os 100-150%, libertando recursos e poupanças para novos investimentos.

Mas como sinal positivo, o endividamento das famílias já desce desde 2010 e o das empresas parou de aumentar também por essa altura.
Pergunta: mas terá sido por razões estruturais ou porque a torneira fechou naquele ano? Se a torneira voltar a abrir voltaremos novamente a pedir emprestado à maluca?


Os dados são do Banco de portugal, eu fiz os gráficos.
  
Agrada-me muito que as famílias tenham parado de pedir mais dívida e até já começaram a reduzi-la a uma taxa anual interessante, julgo que 7 mil milhões em 2011 e mais outros 7 mil milhões em 2012, citando de cor, mas ainda assim o total de dívida é superior ao nosso PIB.
A dívida das empresas tem mesmo que descer, o que para já não está a acontecer.
Para um PIB que vai andar pelos 160 mil milhões em 2013, termos uma dívida das empresas de 310 mil milhões acho totalmente surreal, e se somarmos as empresas públicas, que também são empresas como as outras, o valor cresce para 355 mil milhões ! Pior ainda é ter uma dívida total acumulada de mais de 700 mil milhões para um PIB de 160 mil milhões.
Para mim, isto não é economia, é loucura.

- Preciso também de ver a FBCF ou Investimento a deixar de cair 5, 10 ou 15% ao ano para entrar em terreno positivo..

Num gráfico que recuperei do Contas, tentem apenas seguir a trajetória da linha verde, o que não é fácil. Ela vem de crescimentos anuais de 15% na década de 90 para rastejar entre -5 e -12% em 2010 e 2011.
E 2012, para animar a festa, será ainda pior, julgo que rondará os 18%, citando de cor.

Lendo as palavras do INE que o Pedro transcreveu: "Procura Interna apresentou contributo menos negativo [...] (fruto) de  uma redução menos expressiva do Investimento"

O que é que isto quer dizer?

Que deixou de cair 18% em trimestres anteriores para cair apenas 15, 12% neste último?  Não chega.



Agora as tendências positivistas/otimistas, mas que das quais eu desconfio:

- O recente “regresso” aos mercados de que já toda a gente fala, fruto da renovada confiança dos investidores, pode ser um início de qualquer coisa, mas também não chega nem é condição para nada. Nenhum país cresce sustentadamente quando precisa de se endividar em 5€ ou 6€ para gerar 1€ e de PIB. Esse foi o caminho da desgraça portuguesa desde a nossa entrada no €.

- Há também aquele mito popular de que já “batemos no fundo” e portanto a recuperação tem que surgir
Pergunto eu: Em que critérios se baseiam? Dificilmente obteremos respostas credíveis. O que há, e ainda bem que há, é uma enorme esperança e vontade de que as coisas mudem para melhor, mas para mim isso não chega.

Podemos retirar várias leituras deste gráfico que o INE fez acompanhar no boletim que lançou na quinta-feira passada:

PRIMEIRA:
A otimista/estatística:  Já estamos há 8 trimestres consecutivos em recessão. Nunca na história recente isto aconteceu, e portanto estamos prestes a sair dela porque o ajustamento já está a ir muito para além do que é... costume. António Borges enquadra-se nesta leitura, penso eu, e citando-o de cor:
"...Até podemos pensar em crescimentos de 3,4,5% brevemente, já que o ajustamento está mais do que feito".
Esta visão positivista baseada na estatística é uma das que mais facilmente convence os investidores, e realmente não é de estranhar que tenha havido uma confiança renovada no país e na nossa dívida. Está tudo a querer acreditar que a história irá repetir-se: depois de grande recessão, grande crescimento, e muita gente quer ficar na primeira carruagem. Penso que o mercado de ações e da dívida está inundado deste tipo de otimismo.

SEGUNDA
A otimista apenas: Já batemos no fundo. Isto não pode cair mais, é impossível. A Europa não irá deixar que isto nos aconteça. Somos diferentes da Grécia. Isto tem que estar prestes a mudar. Temos que ter esperança e agarrarmo-nos a qualquer coisa. Vou-me já começar a preparar e comprar ações de empresas que acho que estão baratas (como o BCP por exemplo), porque não quero perder a carruagem das fortes valorizações. Alguns investidores e franjas da população poderão pensar assim, indo um bocadinho a reboque dos investidores que se inserem na primeira leitura.

TERCEIRA
Estamos com 8 trimestres recessivos (2011 e 2012), precedidos de 4 trimestre positivos (2010) e 5 trimestres negativos (IV2008 e 2009). Este comportamento representa um novo padrão de NÃO crescimento do PIB, inédito na nossa história económica recente. A tendência de queda no crescimento já vem desde a década de 90, mas como era superior a ZERO, a malta ainda ia acreditando que as coisas poderiam mudar.
Mas 2008 marca uma viragem na história económica portuguesa:
Passámos a ter mais trimestres recessivos do que de crescimento.
O padrão que se repetia ciclicamente de 3 ou 4 trimestres recessivos seguidos de 15 ou 20 trimestres de crescimento desapareceu desde esse ano. Passámos dum rácio de 4-20 (Pré2008) para 13-4 (Pós2008) !!!

Mas muita gente continua ainda a pensar PRÉ2008. E porquê?
Porque não está a ter em conta que em todos esses anos, por cada 1€ de PIB gerado, somávamos 4,5 ou 6€ de dívida.
A Dívida não estava a alavancar o PIB, apenas o fazia crescer em aparência. Ela crescia 3 ou 4 vezes mais depressa do que ele.
Um dia a coisa iria explodir-nos nas mãos.
Esse dia chegaria mais cedo ou mais tarde em função desta taxa de endividamento/PIB e de um je ne sais quoi que afugentaria investidores e espoletaria tudo isto. Acabou por surgir com a crise do subprime nos EUA, seguida de recessão mundial e desconfiança dos investidores em relação à Grécia e logo de seguida à Irlanda. Pronto, foi assim..

Agradeço ao Pedro por ter feito o comentário no post, porque assim obrigou-me a pensar um bocadinho mais sobre o assunto e procurar novos argumentos.

Tiago Mestre

6 comentários:

Anónimo disse...

Quando é que saímos do euro?

Tiago Mestre disse...

Pergunta ao joão ferreira do amaral

Academia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Pedro Miguel disse...

Artigo longo, mas bastante bom Tiago.
É sempre bom ver as pessoas parar para pensar, este país é demasiado irracional.

Uma pequena questão, qual é o caminho, reduzir o défice para reduzir impostos ou reduzir impostos para reduzir o défice?
Eu também preferia reduzir primeiro impostos, mas sinceramente, penso-me que iria tornar o caminho mais longo e penoso.

Gostava de perceber melhor a questão da espiral recessiva, como se pronuncia?
Eu sei que é significa que recessão leva a mais recessão em espiral, mas, pode ser considerada se os efeitos são externos?
É que, se a procura interna diminuiu menos, mas a recessão europeia levou também à diminuição das exportações, a espiral recessiva pode ser considerada?
Claro que podemos pensar que sim porque a estrutura de exportações nacional faz com que haja dependência da Europa, mas, a estrutura também se está a alterar. Há portanto uma melhoria estrutural, prejudicada por algo conjuntural. Podemos então falar em espiral recessiva? Eu diria que não.

Gostava também de ter dados sobre a diminuição do investimento.

As próximas semanas serão importantes (talvez) em termos de estruturas de custos públicos.

Pensa Portugal.

Tiago Mestre disse...

É verdade que o post é muito extenso.

Comecei a escrevê-lo ontem à noite quando vinha no comboio do Porto para Lx, mas uma forte dor de cabeça impediu-me de continuar. Completei hoje de manhã e não me apercebi de quão longo era.

Sobre reduzir primeiro impostos ou reduzir défice. Eu só vejo a hipótese de primeiro reduzir défice, apesar de que gostaria de reduzir impostos primeiro.

Em certa medida, eu concordaria numa redução de despesa draconiana, tipo 10 mil milhões num ano, e tentar logo baixar os impostos no ano seguinte. Agora quais? Não pensei nisso.

Sobre a espiral recessiva, foi um termo bonito que alguém inventou, apesar de que "espiral" remete para a ideia de que só termina no infinito, e não é assim neste caso.

Sobre o estrutural ter melhorado, apenas prejudicado pelo conjuntural, tendo a concordar contigo:
Reduzimos as importações e estamos a alterar o foco das exportações.
São bons sinais que revelam que o ajuste está em plena marcha.

Falta agora saber como iremos sobreviver a uma desalavancagem de crédito, que não será curta nem leve, tal é o volume de dívida face ao nosso PIB, e esta é que me preocupa imenso.

Ou então não se faz reestruturação de crédito nenhuma e empurra-se com a barriga uns anos mais para a frente. Serão os políticos a decidir isso

Pedro Miguel disse...

Sem nada a acrescentar Tiago, neste ponto penso exactamente como tu.